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Um ano de pandemia: A solidariedade para os Xavante

Um ano de pandemia: A solidariedade para os Xavante – Uma grande corrente de solidariedade e respeito reverteu o que poderia ter sido uma catástrofe para os povos indígenas do Mato Grosso. A pandemia do novo coronavírus se alastrou rapidamente e fez os Xavante, a etnia mais afetada no estado, com 68 vítimas, temerem pelo pior. Em junho, a campanha SOS Xavante ganhou vida nas redes sociais e na internet para levantar recursos e levar para as aldeias aquilo que o governo demorou a oferecer: proteção…

Por Marcio Camilo/amazoniareal

A SOS Xavante pretendia arrecadar R$ 250 mil. Mas o envolvimento dos parceiros foi tanto que a campanha conseguiu arrecadar quase R$ 4,2 milhões. Organizada pelo Conselho Distrital de Saúde Indígena (Condisi) e pela Federação dos Povos e Organizações Indígenas de Mato Grosso (Fepoimt) e com apoio de diversas instituições como a Operação Amazônia Nativa (Opan), revista Xapuri, Fetec Centro/Norte e União Amazônia Viva, a campanha queria viabilizar a entrega para os Distritos Sanitários Especiais (Dseis) de uma grande quantidade de insumos, como alimentos, equipamentos de saúde, máscaras, luvas e medicamentos.

“Mesmo cientes do desmonte das políticas indigenistas por parte do governo federal, deixamos essas questões de lado e atuamos no que foi necessário para dar suporte aos distritos no atendimento aos povos indígenas”, ressalta a coordenadora do SOS Xavante, Ana Paula Sabino. “Esses recursos foram trabalhados em conjunto com o Dsei Xavante para a estruturação dos atendimentos nas aldeias e a compra de equipamentos para fortalecer o atendimento nas aldeias”.

A prestação de contas informa que 60% dos recursos recebidos por vaquinha e doações viraram ações diretas para o povo Xavante, como a instalação de uma unidade de isolamento avançada (equipada com concentradores de oxigênio, medicamentos, álcool em gel) e mais de mil testes rápidos. Os outros 40% viraram cestas-básicas, máscaras e kits de higiene.

Mas Ana Paula Sabino, do SOS Xavante, é taxativa ao dizer que faltou uma estratégia nacional por parte da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), órgão ao qual os Dseis são subordinados, para lidar com a pandemia e suas especificidades no contexto indígena. “No caso dos Xavante, faltaram protocolos específicos, orientação e instrução na língua nativa, uma preocupação de explicar a gravidade do vírus levando em conta o diálogo intercultural”, enfatiza.

No início da pandemia, o Dsei atuou sem protocolos específicos de isolamento e distanciamento social. Todas as etnias eram tratadas de forma igual. “Há casas Xavante em que moram 50 pessoas. Como você manda um indígena suspeito de Covid se isolar nessa situação? Então não houve esse diálogo com a realidade”, explica a coordenadora.

OS PRIMEIROS CASOS NO MATO GROSSO

Poderia ter sido muito pior se não fosse a união e a solidariedade das organizações da sociedade civil. Essa é a impressão que fica entre as organizações indígenas, especialistas em saúde sanitária e Organizações não Governamentais (ONGs), após um ano de pandemia do coronavírus no Brasil, no contexto dos povos tradicionais.

No Mato Grosso, a Covid-19 deixou marcas profundas no ano que passou, matando lideranças históricas de nível internacional, cancelando pela primeira vez rituais sagrados e facilitando a entrada de invasores para a exploração de garimpo, pecuária e extração de madeira nos territórios.

Os primeiros caso e morte por Covid-19 de indígenas registrados no Mato Grosso ocorreram em maio de 2020. Primeiro foi uma indígena Xavante, com cerca de 40 anos, com doença renal crônica, que testou positivo na Casa de Saúde Indígena (Casai) de Barra do Garças, cidade ao leste do estado. Em seguida um bebê de oito meses, também xavante, foi a primeira morte de indígena confirmada no Mato Grosso, em 11 de maio.

Tratava-se do neto de Damião Paridzané – o grande líder dos Xavante da Terra Indígena de Marãiwatsédé, ao nordeste do estado. “Queria entrar lá e morrer guerreando sozinho. As outras crianças se curam. Por que só os meus netos que morrem?”, declarou Damião à época em entrevista à Amazônia Real, sobre a vontade que ele teve de entrar no hospital para “resgatar” o seu neto.

AS PERDAS DAS LIDERANÇAS HISTÓRICAS

“A morte do Xingu inteiro”. Assim foi definida a perda de Aritana Yawalapiti, que teve repercussão internacional. Conhecido como “o grande diplomata do Xingu”, Aritana morreu de Covid-19 em 5 de agosto, depois de ficar duas semanas na UTI de um hospital de Goiânia, em Goiás. Era um dos últimos falantes de sua língua, o que causou uma perda cultural irreparável para as gerações mais novas.

O grande líder do Alto Xingu lutou até o fim. Poucas semanas antes de morrer ele ainda juntava forças para trazer um hospital de campanha para o tratamento da Covid-19 dentro das aldeias.

“Não era o índio da televisão, mas é o índio do amor, das pessoas. Homem político, inteligente, conhecido no mundo inteiro, que fazia tudo para não sair de sua aldeia. Foi meu irmão, ajudou na minha formação profissional e como homem”, lamentou à época o antropólogo carioca Adelino Mendez, que foi amigo de longa data de Aritana.

Do lado dos Xavante, a pandemia levou, em 23 de julho, o ancião Cidaneri, de 87 anos. Ele era filho do líder histórico Apoëna, que na década de 1940 foi responsável por garantir a sobrevivência da etnia ao estabelecer contato com o antigo Serviço de Proteção aos Indígenas (SPI), atual Funai. Cidaneri era considerado uma enciclopédia viva e profundo conhecedor do bioma Cerrado e defensor do território, assim como seu pai.

29 ETNIAS ATINGIDAS

Desde o início da pandemia, 158 indígenas do Mato Grosso morreram pela Covid-19, segundo os dados da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab). Das 43 etnias que residem no estado, 29 foram afetadas, o que faz de Mato Grosso o segundo em mortalidade de indígenas, perdendo apenas para o Amazonas. Quase 7 mil pessoas já morreram pela doença [no estado] e a taxa de ocupação de leitos de UTI está em 66%. Há outros 280 mil casos confirmados de Covid-19. Os dados são da Secretaria de Estado de Saúde (SES-MT).

Ivar Busatto, coordenador da Opan, avalia que a rede prévia dos 34 Dseis evitou que a tragédia fosse maior entre os indígenas. “Havia essa estrutura montada da Sesai, que está inserida como um subsistema de atenção indígena [SasiSUS] dentro do Sistema Único de Saúde (SUS)”. Embora ele afirme também que houve uma desarticulação nacional, foi a existência dessa estrutura “que facilitou que a solidariedade pudesse alcançar os indígenas na ponta”.

Para pensar a pandemia em Mato Grosso durante 2020, Busatto pondera que é preciso levar em conta o contexto das diferentes realidades territoriais dos 43 povos. “Houve etnias que não tiveram casos graves da doença, a exemplo dos Enawenê-Nawê, que não registraram nenhuma morte durante o ano passado. Já os Xavante foram duramente impactados pela pandemia”, afirma.

Mas o coordenador da Opan destaca que, no primeiro ano da pandemia, de um modo geral, “a Covid-19 foi mais fatal para os indígenas, quase que o dobro em relação aos não indígenas”. Isso foi comprovado por um informe epidemiológico da Sesai que, em 21 de outubro, mostrou que o estado apresentava as maiores taxas de mortalidade de indígenas do Brasil. Na época, o Dsei Cuiabá registrava a maior taxa de óbitos, com 310,9 mortes por 100 mil habitantes; seguido por Vilhena, com 254,3 por 100 mil habitantes; e Xavante, com 198,3 por 100 mil habitantes.

Foto: Secom/MT

O CONHECIMENTO QUE SE FOI

Em 2020, a pandemia do novo coronavírus levou pessoas que dedicaram uma vida inteira ao seu povo e à preservação da floresta. Rituais sagrados também tiveram que ser cancelados pela primeira vez na história. Em julho, a pandemia também forçou o inédito cancelamento do maior ritual em homenagem aos mortos entre indígenas brasileiros – o Kuarup, que costuma ser realizado anualmente na Terra Indígena do Xingu. Foi a primeira vez em 50 anos.

As principais lideranças xinguanas optaram por cancelar o evento depois de duas mortes – sendo uma delas a de um bebê de 45 dias. O evento, pela força de sua tradição e beleza, atrai jornalistas e turistas brasileiros e do exterior. Ele também se tornou uma importante fonte de renda para os povos xinguanos.

Hiripadi Toptiro, presidente da Associação Warã Xavante, ressalta que o vírus matou anciãos importantes, além de Aritana Yawalapiti e Cidaneri. Essas perdas são irreparáveis para a etnia em termos culturais e para a transmissão de conhecimento às novas gerações.

“Essa Covid-19 não está dando a oportunidade dos velhos fazerem o que sempre fizeram com a gente, que é orientar. Essa ruptura de transmissão de conhecimento para a nova geração vai mudar bastante, vai se perder muita coisa. Nós vamos sentir quando começarem a voltar os rituais”, lamenta Toptiro.

A comunidade indígena brasileira também ficou toda em alerta com a notícia de que o cacique Raoni Metuktire – uma das maiores lideranças indígenas do mundo – havia contraído a Covid-19, em setembro. O líder, de 90 anos, sobreviveu.

Se já não bastassem essas perdas irreparáveis, em junho, lideranças da etnia Manoki/Irantxe denunciaram que fazendeiros e madeireiros aproveitaram a pandemia para invadir seus territórios em Mato Grosso. Diante da dificuldade da reação dos indígenas, que estavam de quarentena, homens extraíram madeiras nobres e queimaram a floresta para a pastagem do gado e a produção agrícola.

Essa situação já foi várias vezes denunciada à Funai, ao Ministério Público Federal, à Justiça e aos demais órgãos competentes.

De acordo com uma das lideranças da TI, Marta Tipuici, desde 2008 que a Justiça pede para que os fazendeiros parem de invadir o local por causa do processo judicial. Mas, segundo Tipuici, eles  “foram retomando as atividades e a pastagem voltou com tudo, principalmente  em julho do ano passado”. Ela acrescenta que a Covid-19 “serviu para expor ainda mais as fragilidades dos povos indígenas na área de saúde e proteção de seus territórios”.

Os Manoki tentam recuperar parte do território desde o início dos anos 1990. Desde então, uma série de estudos antropológicos da Funai já demonstrou que o território foi ocupado tradicionalmente pelos indígenas.

Marcio Camilo – Jornalista. Excerto da matéria publicada no site https://amazoniareal.com.br/um-ano-de-pandemia-a-solidariedade-para-os-xavante/. Todas as imagens acompanham o texto escrito da matéria.

Foto: G1

CAMPANHA SOLIDÁRIA A´UWE TSARI – SOS XAVANTE

RESUMO DA PRESTAÇÃO DE CONTAS

A Campanha SOS Xavante, idealizada, coordenada e realizada pela Federação dos Trabalhadores em Empresas de Crédito do Centro Norte – Fetec-CUT Centro Norte, pela Federação dos Povos e Organizações Indígenas de Mato Grosso – Fepoimt, e pelo Conselho Distrital de Saúde Indígena Xavante, teve uma duração de 90 dias (24 de junho de 2020 a 23 de setembro de 2020), superou sua meta inicial de R$ 250.000,00 em 1.571,29%, captando, em recursos financeiros, bens e serviços, o valor estimado de R$ 4.178.225,45.

Esta prestação de contas começa por agradecer a cada A´uwe Tsiri que, com seu coração Xavante, contribuiu, de todas as formas, para salvar vidas Xavante. Em 24 de junho, iniciamos nossa cruzada emergencial em busca dos recursos necessários para levar condições mínimas de saúde e segurança alimentar às aldeias Xavante.

Nosso objetivo era conseguir um mínimo de R$ 250 mil, em recursos financeiros ou produtos. Felizmente, com ajuda de muita gente, superamos de longe esta meta. O uso dos recursos financeiros recebidos encontra-se discriminado abaixo, neste documento, sob o título de desembolsos. Os valores das doações em bens, produtos e serviços foram estimados conforme declaração do/a doador/a ou, notas fiscais, quando apresentadas, ou estimativas conforme os valores vigentes no mercado.

No total, arrecadamos R$ 372.630,00 em recursos financeiros, depositados diretamente na conta da Vaquinha; R$ 539.283,58 em bens produtos, via Campanha; R$ 54.500,00 em serviços, via Campanha; e, em doações diretas do Instituto Albert Einstein para os Distritos Sanitários Indígenas (DSEIs) Xavante, Karajá, Kayapó e Xingu, o valor estimado de R$ 3.271.097,47, perfazendo um total geral de R$ 4.178.225,45.

Em 90 dias, a Campanha SOS Xavante fez a entrega (ou encontra-se em processo de entrega) de: 1) Saúde: a) 55 Concentradores de Oxigênio; b) 20.120 máscaras diversas; c) 228.260 frascos de álcool em gel; d) 11.265 testes rápidos; e) 500 aventais; f) 752 unidades de catéter nasal; além de uma relação diversa de remédios, equipamentos e produtos médico-hospitalares, conforme discriminado na tabela abaixo; 2) Segurança Alimentar: a)  2.895 cestas básicas e 70 kits para as famílias enlutadas pela Covid-19, cada qual composta por 6 cestas e produtos de higiene, totalizando um quantitativo adicional de 420 cestas básicas. Somando os dois quantitativos, a Campanha mobilizou 3.315 cestas básicas, captou e entregou 275.849 itens, incluindo Saúde, Segurança e diversos.

As seguintes instituições fizeram doações  financeiras para a Campanha: Cooperação Alemã – GIZ; Sindicato dos Professores do Distrito Federal – Sinpro-DF; Fundo Casa; Federação dos Trabalhadores em Empresas de Crédito do Centro Norte Fetec-CUT/CN; Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal – Fenae; Sindicato dos Bancários de Brasília; Federação dos Trabalhadores do Ramo Financeiro – Fetrafi – Minas Gerais; Adunb – Seção Sindical dos Docentes da Universidade de Brasília; Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos Bancários, Financiários e Ramo Financeiro de Curitiba e Região; Solidariedade do Povo Holandês – Via Frans Leeuwenberg; Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos Bancários no Estado do Pará; Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação – CNTE.

Do valor total de R$ de R$ 372.630,00 arrecadados pela Campanha via Vaquinha, foram efetuados ou há previsão de desembolsos nos seguintes valores: a) Saúde – R$ 102.000,00; b) Segurança Alimentar – R$ 131.997,50; c) Comunicação – R$ 30.630,00; d) Fretes, Correios e Diárias – R$ 30.256,50; e) Recompensas – R$ 15.196,00; f) Taxas e encargos – R$ 12.490,56.  Os dados discriminados encontram-se na página da Vaquinha na Internet.

A Campanha SOS Xavante recebeu um valor estimado de R$ 539.283,58 em bens e produtos de acordo com as notas fiscais recebidas, declarações de doadores ou estimativas com base nos valores de mercado e doações em serviços, o total de R$ 54.500,00, conforme valores declarados pelas empresas doadoras, em serviços de comunicação. Esta relação, discriminada na tabela abaixo, não inclui a contribuição generosa e voluntária das 102 pessoas – artistas, intelectuais, políticos e ambientalistas que gravaram vídeos ou fizeram lives para promover as ações e atividades da Campanha.

Por intermédio da atriz Lucélia Santos, membro da coordenação da Campanha SOS Xavante, foi solicitada uma doação ao Instituto Albert Einstein, que resultou em doação no valor estimado de R$ 3.271.097,47, entregues diretamente nos Distritos Sanitários Indígenas Xavante, Karajá, Kayapó e Xingu.  Os valores foram estimados com base em notas fiscais apresentadas no ato da entrega dos produtos nos DSEIS indígenas e em estimativas baseadas nas notas fiscais entregues, para os DSEIs onde não se encontram disponíveis as notas fiscais.

Os valores captados, em bens, produtos ou serviços, encontram-se especificados na íntegra ao longo da Prestação de Contas. Vale reiterar que os números e quantitativos apresentados não registram os valores estimados em doações de gravações dos 102 vídeos por artistas, intelectuais, políticos e ambientalistas, bem como da participação das pessoas da sociedade e lideranças indígenas em mais de 50 lives voltadas para o universo da Campanha Xavante.

Todos os dados aqui apresentados encontram-se registrados na página da campanha na Internet: www.captar.info


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