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Um salve para Kelly Quirino, primeira mulher negra no Conselho de Administração do Banco do Brasil

Um salve para Kelly Quirino, primeira mulher negra no Conselho de Administração do Banco do Brasil

Kelly Quirino, bancária do Banco do Brasil há 15 anos, 10 deles com serviços prestados na Fundação BB, hoje na Diretoria de Marketing e Comunicação (Dimac) do banco, é a nova Conselheira de Administração Representante dos Funcionários e Funcionárias (Caref), no Conselho de Administração (CA) do Banco do Brasil (BB).

Por Kleytton Morais 

Eleita em primeiro turno, Kelly tomou posse no último dia 27 de abril, como a primeira mulher negra a representar o Caref no CA do BB. Para celebrar esta conquista histórica dos trabalhadores e trabalhadores da categoria, nosso Sindicato promoveu uma linda homenagem à companheira Kelly no Teatro dos Bancários, em Brasília, no último dia 4 de maio. 

Compartilhamos aqui o discurso da Conselheira Kelly Quirino, umas das das 115 mulheres referência na luta antirracista no Brasil, nossa prata da casa, nossa companheira comprometida com a luta dos bancários e das bancárias para retirar o Brasil dessa armadilha da produção da miséria e da desigualdade social. Confira: 

Boa noite a todas! Boa noite a todos! Boa noite a todes! Agradeço a todes pela presença nesta noite de muita emoção para mim, e de muito simbolismo para nosso Banco do Brasil! 

Quero agradecer aos meus mais velhos, em especial a minha mãe e minha tia que estão presentes nesta noite. Aos colegas do Banco do Brasil, meus amigos dos grupos de afinidade do BB Black, LGBTQIAP+ do BB, Liderança Feminina, PCD’s. Agradeço a todas as pessoas que votaram em mim, ainda que não me conhecessem. Acreditaram em mim, no nosso projeto, e me elegeram. Às pessoas que chegaram antes de mim e pavimentaram o meu caminho, gerentes, líderes, mentores. Cada um que me ajudou a construir minha carreira no BB e hoje, agradeço por estar aqui como representante dos colegas do BB. 

Quando uma mulher negra se movimenta, toda uma estrutura se movimenta. É isto que estamos fazendo agora. De Dandara, Akotirene, Luiza Mahin, Lélia Gonzalez e Carolina Maria de Jesus. As minhas mais velhas na luta como Sueli Carneiro, Jacira da Silva e Graça Santos. Eu sou o sonho e a esperança dessas mulheres. Elas que me sustentaram e me possibilitaram estar diante do meu maior desafio: ser Caref do BB. 

Em 27 de janeiro, fui eleita para integrar o Conselho de Administração do Banco do Brasil. Com o voto de 19.091 colegas, disputando com outros 90 candidatos, as funcionárias e os funcionários da principal instituição financeira estatal do país escolheram – pela primeira vez, e em primeiro turno – uma mulher negra para representá-los.

Nos quase 215 anos de existência, o Banco do Brasil foi protagonista de muitos trechos da história do país: em verdade, ajudou a escrevê-la.

Muitas dessas histórias são motivos de orgulho. Afinal, o Banco foi celeiro do desenvolvimento de nossa economia, apoiou a industrialização da nação, esteve presente como protagonista no fomento à agricultura e é uma grande ferramenta de Estado para implementar políticas públicas.  Ele está presente em todo o nosso território continental.

E, sendo protagonista das crônicas do Brasil desde 1808, desde a monarquia, o Banco do Brasil também deu arrimo para páginas bastante ultrajantes de nossa história. Não posso deixar de trazer à tona nesta cerimônia uma dessas páginas: ela se encontra nos anais da escravidão de meus ancestrais. Atuando como a principal instituição bancária do país, o BB testemunhou de perto, durante décadas, o comércio lucrativo e sanguinário de pessoas escravizadas, ainda no período colonial. 

Envergonho-me profundamente ao recordar que, no início da história deste Banco, ele não apenas contemplava passivamente as profundas tristezas da escravidão, mas, em muitas ocasiões, serviu como base de transações que impulsionaram o mercado de seres humanos.

Como fruto da atuação na época, o BB colaborou para transformar vidas em meros registros contábeis, assolando milhares de africanos raptados e escravizados, que foram drasticamente reduzidos a mercadoria, a “ativo” no balanço de brancos endinheirados e poderosos. Registros acadêmicos apontam que o Banco do Brasil chegou a ter mais de 40 mil escravizados “hipotecados”, dados em garantia de operações de crédito. Feito bens, feito máquinas, feito mero colateral financeiro.

O machado esquece. A árvore recorda e espalha sementes. Incapazes de reescrever o passado, temos a responsabilidade de melhorar o presente e criar um futuro melhor para as gerações vindouras, que seja caracterizado pela igualdade e pelo respeito à diversidade.

Ao relembrar desse tempo, que não se apaga, tenho a clareza de que, se hoje me torno uma conselheira eleita pelos funcionários do BB, não se trata apenas de uma conquista pessoal. Na verdade, presenciamos, sem falsa modéstia, um marco para a representatividade racial e de gênero, e um grito contra o racismo e sexismo estrutural que ainda vivemos no Brasil, e em particular no mundo corporativo. Eu mesma sofri situações racistas em minha carreira como ser impedida de usar o turbante em uma agência. 

O argumento é que não era um código de vestimenta do BB. Meu turbante incomodou. Meu riso incomodou. Minha determinação incomodou. Mas, com o apoio da minha família, amigos, colegas negros e negras do BB Black, do movimento negro de Brasília, deste Sindicato, fui me fortalecendo e de forma coletiva fomos combatendo o racismo, o sexismo e o classismo. 

Não caio no discurso de meritocracia, que é liberal e raso, por um motivo muito simples: sei muito bem das lutas que foram travadas por grandes mulheres, grandes pretas e pretos, para que eu pudesse estar aqui.  É assim que me sinto enquanto tomo posse como Caref: orgulhosa por construir e ser parte da mudança de que a sociedade tanto necessita.

Essa conquista me faz lembrar do longo caminho que trilhei: de uma família pobre da periferia de São Paulo, filha de uma faxineira e de um costureiro, estudei toda minha vida na educação pública. Com muito esforço dos meus pais, dona Ana e seu Tica, consegui cursar uma universidade pública – um privilégio para poucos de onde eu vim.

Lá em 2003, quando coloquei o pé na universidade, as cotas sociais e raciais ainda não eram uma realidade na Unesp. Eu era uma das pouquíssimas pessoas negras a circular naquele espaço universitário e sentia esse peso o tempo todo. Percebi logo que aquele cenário precisava mudar. Foi justamente na sala de aula que tive a oportunidade de moldar minhas ideias, desenvolver meus sonhos e refinar minha capacidade de liderança para atuar no mercado financeiro e no espaço acadêmico. 

Cresci querendo ressignificar o lugar de mulher negra e periférica: ousei ser jornalista, ousei ser mestra, ousei ser professora, doutora, estudar nos Estados Unidos… E agora ouso, respaldada por vocês, ser conselheira de uma importante estatal de meu país.

Se quer ir rápido, vá sozinha. Se quer ir longe, escolha bem quem vai te acompanhar, e vá em grupo. Eu não estou sozinha. Nunca estive. Aqui estão companheiros de luta do Sindicato. Aqui estão meus amigos jornalistas negros e negras da Cojira-DF. Aqui estão amigos queridos, que moram em várias cidades, em que já morei por trabalhar no BB, como Bauru, Santos e Brasília. Amigos de infância que estão me acompanhando em São Paulo. Meu quilombo de pretos e pretas do BB: BB Black. 

O apoio do movimento sindical foi fundamental para que hoje eu esteja neste púlpito: a participação de cada colega, atuando na base, divulgando a candidatura, postando nas redes sociais e validando meu nome. Sem esse trabalho e essa dedicação, não estaríamos hoje aqui celebrando. A cada um, de cada sindicato, em cada estado, eu agradeço profundamente. 

Meu agradecimento especial ao presidente do Sindicato de Brasília, Kleytton Morais, e aos colegas desta casa, que, além de todo o respaldo na campanha, ainda abriram as portas de sua sede para este evento tão marcante. 

Em São Paulo, no mês passado, tive a oportunidade de celebrar, juntamente com os associados, a marca histórica de 100 anos do Sindicato de São Paulo, Osasco e Região, e agradecer a cada um pela receptividade ao meu nome como Caref.

Algumas coisas mudam, mas a importância da representação sindical e dos movimentos sociais permanece mais viva do que nunca. Sentimos isso na pele nos últimos anos de retirada de direitos e de desorganização social, trabalhista e previdenciária.

Obrigada amigas e amigos do movimento sindical e dos movimentos sociais! Vocês estão em meu coração e fazem parte deste mandato! Durante anos, as mulheres negras foram excluídas das cúpulas dirigentes das grandes corporações brasileiras, sendo ainda invisibilizadas.  De acordo com pesquisa publicada pelo IBDEE em 2021, o percentual de mulheres em conselhos de administração de empresas brasileiras é de apenas 17%. 

Quando fazemos o recorte de gênero e raça, interseccionalmente, mulheres negras não chegam a 1% das vagas de conselheiro: são representadas por um traço, como destaca o manifesto criado pela organização Women On Board. Esse índice revela a vergonhosa sub-representação e mostra qual o tamanho do esforço que ainda será necessário para ecoar a voz da diversidade pelos espaços de poder.

Nosso mandato como Caref é pautado pela defesa de políticas efetivas de diversidade e inclusão no Banco do Brasil. Acreditamos que a estatal deve servir de exemplo para as demais empresas do país, sendo um paradigma de governança forte e transparente, respeito aos funcionários e defesa de princípios democráticos e dos direitos humanos.

Quero ser a voz dos funcionários no Conselho e quero trabalhar fortemente para que o Caref tenha maior escopo de atuação, podendo, inclusive, debater e votar temas ligados ao funcionalismo. 

Defendo que o Caref tenha papel legitimado do Conselho e das diretorias para dialogar diuturnamente com o corpo funcional e com os atores importantes para nossa empresa. Que o mandato possa ter o respaldo para atender efetivamente a expectativa dos colegas.

Todos os funcionários devem saber quem é o seu representante no Conselho do BB, e como acioná-lo. Para isso, abri minhas redes sociais para serem canais permanentes de comunicação, inclusive criando o “Zap da Kelly”.

Assumo como conselheira do BB num momento de união e reconstrução do país. 

E o Banco que queremos construir é diverso, é plural, e é público em sua essência de atuação. Defendo a ampliação do protagonismo do BB no mercado financeiro e nas entidades em que atua como membro. Combaterei todas as formas de enfraquecimento do conglomerado, assim como medidas para vender seus ativos. 

O país não precisa de um banco público atuando com as mesmas diretrizes de um banco privado: o nosso papel é outro! É o de fomentar linhas de crédito adequadas ao desenvolvimento das economias locais, de pequenos e médios agricultores, cooperativas e ações de desenvolvimento sustentáveis. Desenvolver as iniciativas de bancarização, microcrédito e capacitação em crédito consciente e gestão financeira de clientes. É apoiar a cultura com os CCBB e apostar em projetos sociais sólidos com a nossa querida e poderosa Fundação Banco do Brasil. 

Desejamos retomar o papel de interiorização de atendimento bancário, revendo o fechamento de agências em localidades que ficaram sem acesso aos serviços financeiros. Devemos respeitar a decisão dos clientes com relação à forma de atendimento preferida. Apoiarei a revisão de políticas de crédito para agricultura não sustentável, para empresas sem aderência a princípios de direitos humanos e de ASG, e para envolvidos em quaisquer atos antidemocráticos. 

Darei suporte de modo enérgico aos trabalhos do recém-criado “GT de Diversidade”, como fruto de uma longa demanda dos grupos identitários do Banco, como o BB Black Power, do qual sou uma das fundadoras. O país que queremos pode não ser fácil de ser alcançado, mas ele começa por nossas próprias ações nos meios em que atuamos.

Acreditamos que mudanças verdadeiras começam com representatividade nas esferas de decisão. Por isso, queremos ver mais mulheres negras, pessoas LGBTQIA+, PCDs e outros grupos historicamente excluídos assumindo responsabilidades nos diversos níveis das organizações. Por que não começar pelo BB?

É necessário que se invista em políticas de diversidade e de combate ao assédio moral e sexual para fortalecer as nossas instituições, e estamos dispostos a contribuir para este objetivo, em parceria com as representações sindicais e os movimentos da sociedade civil. Estamos aqui prontas para lutar pela mudança de que a sociedade precisa. 

É hora de apostar na diversidade e inclusão nas posições de decisão das grandes instituições. É hora de levantar a bandeira contra o racismo e sexismo estruturais. É hora de destacar as mulheres negras nos grandes empreendimentos brasileiros. É hora de nos erguermos e lutarmos contra estereótipos, preconceitos e exclusão social.

Um antigo provérbio africano diz que quando as teias de aranha se juntam elas podem amarrar um leão. Invoco aqui todas as pessoas que acreditam na transformação social à luta pela superação das barreiras de gênero, raça e orientação sexual na economia. Somente respeitando nossos funcionários, retendo nossos talentos e construindo espaços abertos para as diferenças é que alcançaremos a justiça, a igualdade e o bem-estar social com o qual sonhamos.

(…) Contem comigo para transformar nossa realidade naquilo que queremos e sonhamos!

Ubuntu – Eu sou porque nós somos!

Kleytton Morais – Presidente do Sindicato dos Bancários e das Bancárias de Brasília. Membro do Conselho Editorial da Revista Xapuri. Foto: Divulgação.

 
 
 
 
 
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Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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