Yawa, o último dos antigos pajés do povo Yawanawa alça seu voo para a eternidade
Por Maria Fernanda Ribeiro no Estadão
O povo Yawanawa está em luto. Moradores das aldeias às margens do rio Gregório, no Acre, eles perderam um dos seus últimos anciões e o expoente de uma geração de antigos pajés. Com 106 anos, Yawarani cantava e contava histórias pela manhã desta quarta-feira (28 de março), deitado em uma rede na sua aldeia, quando seu coração parou de bater.
Conheci Yawa, como era carinhosamente chamado, enquanto eu visitava aquela Terra Indígena pela terceira vez, em fevereiro de 2017. Estava na aldeia Escondido quando avistei aquele velhinho de porte robusto e saudável subindo o barranco apoiado em seu cajado e vestido de shorts estampado em tons azuis, uma camisa de cor clara com os primeiros botões desabotoados, sandálias tipo Crocs e um chapéu de cor preta com miçangas que adornavam o adereço. Ele olhou para mim e com um sorriso doce disse: “Estou sabendo que tem uma branca importante por aqui e que era para eu vir participar do ritual que estão preparando para ela.”
A noite chegou e o ritual começou. Os jovens começaram a cantoria e não tardou para que o velho pajé se aproximasse para corrigi-los e ensiná-los. “Estão cantando errado, assim vocês não vão aprender. É assim que canta…” E soltava a voz e os passos sendo seguido pelos mais novos com o devido respeito que as crianças e os adolescentes dispensam aos idosos entre todos os povos indígenas que tive a oportunidade de conhecer nesses dois anos de Amazônia.
O grande pajé entre seus amigos Yawanawa em aldeia do rio Gregório
Yawa voltou para a sua cadeira e deixou que seus aprendizes continuassem a comandar o ritual. Chamou-me para perto dele e começou a cantarolar uma canção. A canção da onça. Eu ouvia respirando profundamente aquele momento para que ele não se perdesse jamais na minha memória que, diferente da dele, oscila entre a confusão e o esquecimento.
Tata, o irmão mais velho de Yawa, que morreu em dezembro de 2016, durante festival na aldeia Mutum
Não vai me gravar cantando?, perguntou Yawa. Sacar o gravador e a câmera fotográfica é sempre um momento de questionamento para mim quando estou em um ritual, mas com aquela autorização para registrar o momento, corri para buscar o meu apetrecho para congelar aquela voz que todos sabiam que não tardaria demais para se calar. Pronto, Yawa, está gravando. “Tem que gravar para guardar a história”, disse o avozinho de voz suave e humor aflorado que não arredou pé do local até que o ritual chegasse ao fim. E foram horas que atravessaram a madrugada.
Brincadeira do povo Yawanawa durante festival na aldeia Mutum para fortalecimento da cultura
No dia seguinte, mais histórias e cantorias enquanto ele se embalava na própria rede e explicava que pajé mesmo tinha sido o irmão mais velho dele, o Tatá, mas que ele até que sabia alguma coisa. “Tatá sim sabia tudo.” E sorriu. E depois riu. Tatá também ultrapassou os cem anos e morreu em dezembro de 2016, na aldeia.
Os irmãos voltaram para casa e junto com o legado de resistência deixaram também a preocupação de um povo que perde seus velhos, mas que luta bravamente para não perder jamais a sua história. E a nova geração do povo da queixada está aí para demonstrar que o caminho já está sendo trilhado, com suas festas, com o preparo dos jovens e com a revolução da força feminina com mulheres que são caciques, lideranças, pajés e que soltam suas vozes fortes quando chega a hora de entoar os cânticos ancestrais.
ANOTE: Matéria de Maria Fernanda Ribeiro/Eu na floresta, publicada no Estadão em 28 de março de 2018: Email: eunafloresta@gmail.com
Uma resposta
LEGALISAÇÃO DAS TERRAS FOI UM A COMSQUISTA DA CONSTIRUIÇÃO DA REPUBLICA FEDERATIVA DO BRASIL