Procura
Fechar esta caixa de pesquisa.
A origem da Lava-Jato nos Estados Unidos

A origem da Lava-Jato nos Estados Unidos

A origem da Lava-Jato nos Estados Unidos. A Lei Anticorrupção americana é uma obra rara. Ela ignora fronteiras. Serve como alavanca para quebrar as concorrentes das grandes empresas americanas.

Por Athos Pereira da Silva/via PT

Artigo: A origem da Lava-Jato nos Estados Unidos, por Athos Pereira da Silva
A Kotter Editora, de Curitiba (PR), publicou, no ano de 2021, um marcante com mais de um milhão de exemplares vendidos no mundo, tendo como título da edição brasileira: “Arapuca Estadunidense – uma lava jato mundial”, o livro é assinado por Frédéric Pierucci e Matthieu Aron. O prefácio da edição brasileira é de Henrique Pizzolato, ele mesmo vítima de lawfare no Brasil.
 
Frédéric Pierucci é um executivo francês que trabalhou para a Alstom, que, até a primeira década do século XXI, era a maior multinacional da França. Frédéric Pierucci desempenhou suas funções em diferentes países, inclusive nos Estados Unidos e em Singapura. Matthieu Aron é um jornalista francês, que trabalhou na Rádio França Internacional, que se aproximou de Frédéric Pierucci num momento em que o executivo estava em desgraça, e se associou a ele na redação do livro “Arapuca Estadunidense”.
 
Esse livro merece entrar para a lista dos clássicos das denúncias contra a “Law Fare”, perseguição judicial em inglês. Ele relata o calvário que foi percorrido por um de seus autores, Frédéric Pierucci, inclusive em prisões de segurança máxima nos Estados Unidos, ao longo de mais de dois anos.
 
O livro é intenso e verdadeiro, contém um relato objetivo da prisão e condenação de Frédéric Pierucci, acusado de por ações que são práticas correntes das empresas multinacionais de todo o mundo, inclusive das americanas. Estou falando de consultorias, usadas com frequência, como disfarce para propinas, Sérgio Moro já ouviu falar disso.
A narrativa é intensa, porém sóbria, e guarda semelhança com obras do calibre de “Recordações da Casa dos Mortos”, de Fiódor Dostoiévsky e de “Memórias do Cárcere”, de Graciliano Ramos, obras que estão destinadas a repercutir longamente na das gentes, enquanto uma guerra atômica não destruir a humanidade.
 
Nesse livro estão registrados detalhes sórdidos do sistema jurídico americano, a arrogância imperial de quem se julga dono do mundo, a crueldade do sistema prisional e o funcionamento manco do sistema judicial americano.
A Lei Anticorrupção americana é uma obra rara. Ela ignora fronteiras, foi feita para valer no mundo inteiro. É aplicada com rigor contra empresas estrangeiras que competem com as americanas, mas com brandura quando a ré é uma empresa dos Estados Unidos.
 
Ela serve como alavanca para quebrar as concorrentes das grandes empresas americanas.
Frédéric Pierucci desenvolvia suas atividades profissionais na unidade da Alstom de Singapura, quando foi enviado aos Estados Unidos, onde já havia trabalhado, para resolver problemas na unidade americana da multinacional francesa. Para sua surpresa, ao desembarcar no Aeroporto John Kennedy, de Nova York, em abril de 2013, ele foi preso pelo FBI e recolhido a uma prisão de segurança máxima e de má reputação.
 
“Eu não tinha tocado em um centavo, mas as autoridades estadunidenses me mantiveram encarcerado por mais de dois anos” afirma Frédéric Pierucci”. Para ele, “tudo isso nunca passou de chantagem para forçar os controladores da Alstom a vendê-la para a General Eletric, sua grande concorrente estadunidense, mas não sem antes fazê-la pagar a maior multa que os EUA jamais impuseram a alguma empresa até então”. Adiante, ele acrescenta: “A Alstom foi a quinta empresa a ser encampada pela General Eletric depois de sofrer um ataque do Departamento de Justiça dos Estados Unidos”. Isso não é mera coincidência.
 
Depois de uma viagem exaustiva, cerca de 21 horas de voo de Singapura a Nova York, e de passar mais de 48 horas em locais inóspitos e assustadores do sistema prisional americano, sem comer, tomar banho ou trocar de roupa, Frédéric Pierucci foi posto em frente de David Novick, procurador federal no de Connecticut que se apresentou como o responsável por investigar a Alstom.
 
O procurador informou que o centro de sua investigação era o negócio da construção da central elétrica de Tarahan, na ilha de Sumatra, na Indonésia. Ele disse, “com palavras encobertas”, que sabia que Frédéric Pierucci não tinha tido papel decisório no negócio. O procurador queria era chegar a Patrick Kron, Diretor Geral (CEO) da Alstom.
 
Usando uma lógica simples, Frédéric Pierucci concluiu que o estado americano sabia que ele era inocente que, se crimes ocorreram, foram praticados no andar de cima. Sonhou, por um momento, que logo estaria livre e junto a sua família. Laborava em erro, começaria a aprender, com o procurador David Novick, como funciona a Justiça americana.
 
Foram necessários mais de dois anos de cana severa e de chantagem contínua para que ele chegasse a uma compreensão mais madura sobre a natureza do sistema imperial americano, percebendo que ele não foi feito para distribuir justiça, mas para defender os interesses de um império insaciável. Espécie de método Paulo Freire de educação pela pedrada.
 
Nesse “intensivão” ele aprendeu que naquela área da Justiça americano não existe a figura do advogado de defesa. Falou, por telefone, com o diretor jurídico da Alstom, Keith Carr (baseado em Paris), que lhe assegurou que o mal-entendido daquela prisão seria superado, que a Alstom colocaria advogados à disposição dele e que sua não demoraria.
 
No terceiro dia de seu martírio, depois de uma noite de terror, numa prisão se segurança máxima em Manhatan, conhecida pelos jornalistas locais como a Guantánamo de Nova York, Frédéric Pierucci foi posto diante de uma Juíza em Bridgeport, Connecticut, pouco antes do horário marcado para o início da audiência, em que a autoridade se pronunciaria sobre sua liberdade condicional.
 
Nessa ocasião, ele foi apresentado, dentro de um cubículo da carceragem do Tribunal, à sua advogada, Liz Latif, contratada pela Alstom e teve pouco para conversar com ela. A primeira impressão não foi boa. Ele não sabia de que era acusado, ela também não. Ele não era advogado, ela não conhecia a legislação americana de combate a corrupção.
 
A audiência foi curta. A Juíza Garfinkel, que presidia os trabalhos, deu a palavra para a advogada de defesa. Em menos de um minuto Liz Latif pediu a liberdade condicional do réu mediante uma caução de $ 100.000,00 e o porte de tornozeleira eletrônica. A Juíza então passa a palavra à acusação, representada pelo procurador David Novick, que já estivera com o réu e o deixara esperançoso quando lhe deu a entender que sabia de sua inocência.
 
No entanto, agora, diante de uma magistrada, seu discurso mudou completamente. David Novick se opôs energicamente à concessão da liberdade condicional, alegando que Frédéric Pierucci era um alto dirigente da Alstom, o que era falso. Assegurou também que tinha documentação para provar os atos de corrupção do réu, o que ele também sabia que era falso.
Acusou ainda o réu de não ter vínculos com os Estados Unidos, porque teve a ousadia de devolver um “green card”, documento que certifica o direito de um estrangeiro residir nos Estados Unidos. Ora, a devolução de um “green card”, que se tornou desnecessário, já que ele não ia mais morar nos Estados Unidos, pode ser interpretado como um testemunho de boa-fé. Não o contrário.
 
Atordoado com a visível má-fé do procurador, Frédéric Pierucci ainda teve que ouvir a Juíza dizer que o dossiê apresentado pelo governo era “consistente e que a defesa precisava constituir um dossiê mais consistente, se ela quiser que eu solte seu cliente” (Não havia dossiê, era apenas um palavrório recitado por um promotor). A Juíza pergunta então à advogada quanto tempo ela precisaria para preparar o dossiê.
 
Liz Latif responde que até o fim da tarde. A Juíza, alegando motivos de saúde, marca uma audiência para daí a 48 horas. Assim, acaba a audiência, não sem antes a Juíza dizer: O que o senhor tem a declarar, Senhor Pierucci? Culpado ou não culpado?
 
Não culpado, disse o réu e a sessão foi levantada. Essa sessão relâmpago parece sair de um tribunal concebido por Franz Kafka, escritor judeu, que nasceu em Praga e que criava angustiosos labirintos que antecipavam as monstruosidades do totalitarismo contemporâneo. Antes de ser retirado do tribunal, Frédéric Pierucci foi informado, por sua advogada, de que obtivera da Juíza a marcação de uma audiência para o dia seguinte. Daí seguiu para Wayatt, prisão de segurança máxima, algemado e acorrentado, em Rhod Island.
 
A audiência anunciada pela advogada não houve. Ocorreu uma “falha” na comunicação entre o Tribunal e a prisão. Pelo menos a direção da penitenciária alegou que não foi notificada. Depois de uma batalha com a burocracia carcerária, Frédéric Pierucci conseguiu falar por telefone com sua advogada Liz Latif, aí ele ficou sabendo que ela não sabia em que prisão ele estava, mas que no dia seguinte iria visitá-lo, acompanhada de seu chefe, o advogado Stan Twardy, ex-procurador-geral do Connecticut, igualmente contratado pela Alstom para atuar na defesa de Frédéric Pierucci.
 
No dia seguinte apareceu na prisão, acompanhado por Liz Latif, o advogado Stan Twardy. Esse impressionou bem o prisioneiro. Perto dele, Liz Latif parecia uma estagiária. Frédéric Pierucci pensou que dessa vez a Alstom tinha acertado na escolha. Stan Twardy era um astro, defendia empresas pertencentes ao clube das 500 maiores companhias americanas, falava com conhecimento e precisão. Sabia administrar seus silêncios. Mas costumava ser franco.
 
Stan Twardy explicou a Frédéric Pierucci: Sua assume a totalidade dos honorários do nosso escritório. Mas se o senhor for condenado, a Alstom pode requerer o reembolso desses custos. O senhor corre um grande risco de precisar pagar, se aceitar ir a julgamento e perder; corre risco também se decidir parar o processo se declarando culpado. Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come.
 
Frédéric Pierucci teve uma explosão: “inaceitável, vexaminoso, … tudo que fiz foi seguindo escrupulosamente os regulamentos da empresa”, esbravejou ele. Stan Twardy deixou passar a explosão e respondeu com calma: “Aceitáveis ou não, essas são, em qualquer caso, as condições que a Alstom nos pediu para propor ao senhor a fim de garantir sua defesa”.
 
Passo a passo, Stan Twardy vai sugerindo a Frédéric Pierucci a arapuca em que ele estava metido. Sutilmente passa-lhe informações básicas. A Alstom estava em negociação com o estado americano (DOJ – Departamento de Justiça), ele mesmo, Stan Twardy estava proibido de ter contato com a Alstom. Informou ainda que, a fiança para uma condicional ia ficar em U$ 1,5 milhão, acrescidos dos U$ 400 mil dólares que Frédéric Pierucci disse a Liz Latif que poderia conseguir.  E muitos outros apetrechos.
 
Isso fez Frédéric Pierucci perceber que diante daquele aparato gigantesco, ele não passava de uma pulga. Seus advogados eram pagos pela Alstom, mas dirigidos pelo Departamento de Justiça. O instrumento predileto de investigação do Departamento de Justiça era a delação premiada, que uma vez o ex-deputado brasileiro Roberto Jeferson chamou de “a prostituta das provas”, o instituto da prorrogação indeterminada de prisões provisórias era muito apreciado.
 
Sua arapuca tinha agora duas pernas o DOJ – Departamento de Justiça – (americano) e a Alstom francesa e que o desenlace de seu caso dependia da rendição total, ou seja, da incorporação da Alstom à General Eletric. Foi isso o que aconteceu. A ele cabia se preparar para uma longa temporada em cana.
 
Sergio Moro, juiz esperto de Maringá, adorou essa jurisprudência americana forjada originalmente em Guantánamo, embora observasse um defeito. Adorou a ideia da prisão provisória por tempo indeterminado, um método de tortura aparentemente indolor. Achou que a delação premiada era o máximo do máximo e fez dela sua razão de viver e de intervir na brasileira, com o fito de virar presidente da República, contando para tanto com um sistema de comunicação monopólico, sempre a serviço das causas mais esquisitas.
 
O defeito observado por Sergio Moro na jurisprudência de Guantánamo é que ela permitia uma fusão do estado americano com as grandes empresas do país para enfrentar e destruir as empresas estrangeiras. Aqui, como bom colonizado, ele corrigiu o modelo, colocou setores do judiciário e do Ministério Público brasileiros para, com o apoio da mídia, destruir grandes empresas nacionais para favorecer as americanas. Seu combate torto à corrupção rodou, seu sonho presidencial já era. O Brasil sobreviveu a mais um aventureiro.
 
Mas a continua. Há muito a ser feito em matéria de limpeza do Judiciário e do Ministério Público e de correção de uma legislação que favorece abusos do Judiciário e do Ministério Público, assim como impõe-se a regulação da mídia, nos termos previstos pela Constituição, que prega a pluralidade e proíbe o monopólio dos meios de comunicação. O livro de Frédéric Pierucci serve a essas causas nobres. É um libelo contra a onipotência do império em sua luta para subjugar o mundo.
Por Athos Pereira – vice-presidente do PT Formosa, Goiás

Deixe seu comentário

UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

PARCERIAS

CONTATO

logo xapuri

posts relacionados

REVISTA