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Goiá: O poeta caipira

Goiá: O poeta caipira

Em conversas sobre música ou cultura brasileira, é muito comum eu citar o nome de Goiá, e a pessoa com quem falo dizer que não conhece tal personagem. De modo sistemático, eu retruco que ela conhece, sim, mas não sabe. E cantarolo, por exemplo, um trechinho assim: “De que me adianta, viver na cidade, se a felicidade não me acompanhar? Adeus paulistinha do meu coração…”

Aí o quadro muda de figura, pois todo mundo conhece. Afinal, “Saudade da Minha Terra” é apontada por diversos pesquisadores como a música brasileira mais gravada por diferentes artistas em todos os tempos, no Brasil. Se a informação é correta ou não, não sei, mas o fato é que todo brasileiro em gozo de consciência já a ouviu algum dia, em lugar qualquer.

Goiá é o pseudônimo do compositor e cantor Gerson Coutinho da Silva, nascido e criado em Coromandel, no Alto Paranaíba, autor de umas 500 músicas do repertório sertanejo autêntico – ou caipira, pra que fique claro. Nasceu em janeiro de 1935 e morreu em janeiro de 1981, ao fazer 46 anos, portanto. E completaria, agora em janeiro de 2015, 80 anos de idade.

Era filho de Celso Coutinho da Silveira, mas, na escrita do cartório, no dia do registro, trocaram seu sobrenome por “Silva”, e ficou por isso mesmo. Com faro de garimpeiro, seu pai logo percebeu que o filho mal sabia falar direito, mas já declamava versinhos e cantarolava cantigas que ouvia.

Entusiasmado, deu ao menino uma gaita-de-boca, quando ele ainda tinha 4 anos. Logo depois, veio um cavaquinho, por causa do tamanho e, por fim, um violão de gente grande e a escola de música do maestro da banda local, o Zé Ferreira.

Ainda na escola primária, o pequeno Gerson virou atração. Em seguida, passou a tocar em festinhas de amigos e em festonas da cidade, como a feira agropecuária. Com o passar dos anos, ele formava duplas com cantores mais velhos e era requisitado por emissoras de rádio da região, especialmente da vizinha Patos de Minas, pra apresentações ao vivo.

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Aos 18 anos, ele e seu pai pegaram uma jardineira e foram a Goiânia (GO) sondar possibilidades pra artistas. Tinham como referência um tal Zé Micuim, radialista experiente nas rodas sertanejas. De pronto, o cara sentiu firmeza no rapaz e lhe arranjou um emprego numa emissora de rádio. Dali pra diante, foi um pulo.

Já enfronhado nas rodas, Gerson adotou o nome de Rouxinol e passou a formar o “Trio da Amizade”, em companhia do seu padrinho Zé Micuim e de um sanfoneiro chamado Goianinho. O trio tinha um programa diário na então poderosa Rádio Brasil Central e foi o primeiro grupo goiano a gravar discos (78 RPM) em São Paulo.

Nessas idas à pauliceia, Gerson “Rouxinol” passou a ser chamado de Goiá, em referência a Goiás, e o apelido colou. Mas as viagens renderam mais, porque o pessoal da gravadora CBS ficou encantado com as músicas dele e alguém lhe ofereceu emprego numa rádio paulista. Era o que ele mais queria na vida. Topou e zarpou pra lá em 31 de dezembro de 1955.

Chamavam muita atenção sua batida diferente no violão e principalmente a poética de seus versos. Eram letras bem elaboradas, com um vocabulário que fugia do costumeiro na música caipira de então, e versos que tocavam fundo em quem tinha deixado algo pra trás na vida. Saudade, lembrança, solidão, nostalgia, melancolia são palavras comuns em suas letras.

Ele pesquisava e estudava bastante desde mais jovem. Vale lembrar que um dos amigos que havia deixado em Goiânia era o historiador e dicionarista Waldomiro Bariani Ortêncio, com quem conversava sobre os mais diversos assuntos.

Certa feita, Ortêncio foi a São Paulo visitá-lo, levando de presente o livro “Sertão Sem Fim”, que acabara de publicar. Em agradecimento, Goiá compôs a música “Saudade de Goiás”, em que cita o intelectual goiano pelo nome.

Ele sonhava voltar um dia pra Coró, como Coromandel é chamada carinhosamente. E cantou sua cidade em muitas de suas músicas. Falou das pessoas que lá deixara, das belezas naturais e de aspectos históricos, sociais e econômicos, como garimpos e garimpeiros, pois ali estão as principais minas de diamantes do Brasil.

Em São Paulo, ele trabalhou uns meses na Rádio Nacional, mas foi chamado pela Bandeirantes, o que lhe deu maior projeção. Passou a circular nas rodas sertanejas da capital paulista com a mesma desenvoltura que em Goiânia, só que ali tudo era “muito amplificado”, como ele disse numa das raras entrevistas que deu na vida.

Rapidamente, os principais artistas sertanejos do Brasil, que naquela época atuavam em São Paulo, gravaram músicas dessa novidade chamada Goiá. Algumas delas: Zilo e Zalo, Pedro Bento e Zé da Estrada, Tibagi e Miltinho, Inezita Barroso, Caçula e Marinheiro, Irmãs Galvão e Belmonte e Amaraí.

Com as novas gerações, muito mais gente gravou composições dele, como Milionário e José Rico, Sérgio Reis, Almir Sater, Liu e Leo, Chitãozinho e Chororó e Clayton Aguiar, por exemplo.

Belmonte e Amaraí foram os primeiros a gravar “Saudade da Minha Terra”. Aliás, Belmonte (Pascoal Todarelli) acabou entrando como parceiro nessa música, por ter feito alguns ajustes na obra que Goiá havia composto ainda antes de sair de Goiânia. E aí entra um aspecto interessante da personalidade do nosso poeta-compositor.

Quando não estava em estúdio de emissoras ou em shows, Goiá estacionava em algum boteco, de violão em punho, caneta ao lado, e muitos copos de cachaça e cerveja, suas bebidas prediletas. Nessas rodadas, acontecia de alguém pedir parceria ou mesmo a autoria inteira de alguma composição, e ele generosamente dava. Volta e meia, algum amigo interpelava:

– Mas, Goiá, você acabou de dar a autoria da música praquele sujeito!?

Invariavelmente, ele respondia algo assim:

– Ah, deixa ele pensar que é compositor! Eu faço outras dessas.

Goiá se casou em 1957, com Hilda Alves da Silva, e tiveram um filho e duas filhas. E morreu pobre, num hospital de Uberaba, onde se tratava de cirrose hepática.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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