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JURUPARI

JURUPARI, O DONO DAS FLAUTAS SAGRADAS

Jurupari, o dono das flautas sagradas 

Uma das divindades de destaque dentro do culto piaga é Jurupari, também chamado de Yurupari. Esse é um Deus Guardião, ligado à magia e bastante próximo aos seres humanos. Para muitas sociedades indígenas brasileiras e da América do Sul, Yurupari é uma divindade que se sobressai e adquire funções diferentes de acordo com o local.

Por Rafael Nolêto/Causos Assustadores do Piaui

Jurupari é filho de uma virgem Tenuiana que comeu a fruta do Pücã sem notar que o sumo escorria por suas partes mais secretas. Nascido, desapareceu e sua mãe apenas o sentia à noite a sugar-lhe o seio, brincar derredor, mas sem que lhe pudesse ver a figura.

Quinze anos depois apareceu. Era alto, forte e lindo. Elegeram-no tuixaua. A falta de homens dera a maioria às e estas governavam a tribo. Jurupari arrebatou-lhes o poder, restituindo-o aos homens. Vencedor das mulheres, Jurupari reuniu os homens e ensinou-lhes sua doutrina. Instituiu as festas e ritos iniciatórios, os “costumes do Sol”.

As mulheres não podiam assisti-los sob pena de morte. As crianças chegadas à puberdade seriam recebidas sob os ritos dolorosos que são o camuano nindé. Jurupari ensinava que os Homens devem ser sólidos, fortes, resignados, obedientes, impassíveis à dor, resistentes, e fiéis aos compromissos. Vez por outra, devem obrigatoriamente jejuar, para obter purificação.

Um dia, Ceuci, mãe de Jurupari, escondeu-se para ouvir a palavra do filho. Como só os homens podiam ouvi-lo, ficou transformada em pedra.

A Jurupari não se pede perdão. Não há súplica que o abrande. Só a obediência aos seus ritos fará o guerreiro imortal. Todos devem casar cedo e ter uma só . O tuixaua é obrigado a divorciar-se da mulher estéril. Não tendo filhos a chefia passará ao melhor guerreiro.

jurupari causos assustadores

Jurupari é um legítimo tecô-munhangaua, legislador, soldado e reformador dos costumes. Austero e puro, ele nunca permitiu que uma mulher tocasse seu corpo.

Certa vez, uma índia de nome Carumá, numa volta de dança, abraçou-o. Por causa disso, ela foi transformada por ele em uma montanha.

É considerado o dono das flautas sagradas, dos cantos, das danças e do conhecimento xamânico. É associado à puberdade masculina, quando os garotos se tornam homens. É mensageiro do Sol, um Deus que revela os conhecimentos ocultos aos homens.

Em  seus ensinamentos, Jurupari mostrava amor pelos homens fortes e pelas mulheres fecundas. Exigia um espírito de sacrifício é total. Daí o uso da adabi, a chibata, indispensável nas festas de iniciação masculina e mesmo nas reuniões públicas.

Instituiu o iacuacua, jejum ritual, antes das danças. Deu os quatorze instrumentos, medidos de seu corpo. E obrigou os tocadores tomar vomitório para executarem a que atraía até as feras.

Juruparu proibe a sedução das donzelas antes que a Lua as deflore (vinda do catamênio), condena à morte o adultério e regula o choco (ver couvade: Modus / nascimento) ordenando que o pai do recém-nato fique em repouso e recebendo alimentação especial durante uma lua, para que a criança adquira a força que o pai perderá.

Estabeleceu uma festa chamada dabucuri (de fruta, caça ou pesca), festa de fraternidade, entre os membros da mesma tribo ou vizinhos. Nestas festas as mulheres podem e devem tomar parte.

Usam o adabi, chicoteador e, às vezes, transformam o dabucuri em orgia. Permite-se o dabucuri depois de trabalhos grandes, plantios de roçados, derrubas de matas, construção de casario.

Come-se e bebe-se nos dabucuris a fruta da estação; peixes ou caça em época são aproveitados. A finalidade social e do dabucuri é a aproximação fraternal das tabas nas alegrias e nas danças.

Outra de suas leis, dizia que não se deve matar mulheres senão por veneno ou afogamento. Poupa-se ainda os velhos, os vencidos e as crianças.

D. Frederico Costa, Bispo do , na “Pastorai” (11-4-1909), documento de informação etnográfica, não aceitou o satanismo de Jurupari, de quem expôs os oito mandamentos:

1º A mulher deverá conservar-se virgem até a puberdade; 

2º Nunca deverá prostituir-se e há de ser sempre fiel a seu marido;

3º Após o parto da mulher, deverá o marido abster-se de todo o e de toda a comida, pelo espaço de uma lua, a fim de que a força dessa lua passe para a criança;

4º O chefe fraco será substituído pelo mais valente da tribo;

5º O tuxaua (chefe) poderá ter tantas mulheres quantas puder sustentar;

6º A mulher estéril do tuxaua será abandonada e desprezada;

7º O homem deverá sustentar-se com o trabalho de suas mãos; 

8º Nunca a mulher poderá ver Jurupari a fim de castigá-la de algum dos três defeitos nela dominantes: incontinência, curiosidade e facilidade em revelar segredos. 

Depois de uma longa pregação, de tribo em tribo, de várias aventuras miraculosas, sujeitando povos à sua lei e reformando hábitos, Jurupari confidenciou ao seu discípulo fiel, Cárida, o mistério de sua vinda ao Mundo.

Jurupari é filho e embaixador do Sol e baixou à Terra para melhorá-la e procurar uma esposa para o Sol. Essa mulher privilegiada e sem defeitos, só terá três virtudes.

Jurupari percorrerá o Mundo para encontrá-la e levá-la ao seu luminoso pai. Qual é a perfeição que o Sol deseja em sua eleita? Quer um mulher que seja paciente, saiba guardar um segredo e não tenha curiosidade…

E, melancólico, Jurupari dizia ao dileto Cárida: “Nenhuma mulher existente na Terra reúne essas qualidade. Uma é paciente, mas não sabe guardar um segredo; se sabe guardar segredo não é paciente, e todas são curiosas, querendo tudo saber e tudo experimentar…”

Em seguida, Jurupari sentou-se à beira de um lago, mirando-se nas águas serenas. Deviam separar-se. Cárida para o oeste e o herói para o levante. Anoiteceu e o luar pintou de prata a solidão.

Súbito, ergueu-se uma voz estranha e límpida, cantando a canção de Jurupari. Cárida reconheceu Carumá, a virgem dos Narunas, que tocara o corpo do mensageiro do sol e fora mudada em montanha.

Carumá cantou a noite inteira, embalando o sono de Cárida. Pela madrugada este despertou. A montanha refletia-se no lago imóvel. Jurupari a escolhe para ser a esposa do sol e, então, desaparece para sempre. Cárida, com o Sol vivo, rumou o caminho do poente…

Embora tenha desaparecido da existência terrena, Jurupari continua a existir como entidade dotada de poderes divinos, de modo que costuma aparecer aos seus fiéis em sonhos, transmitindo-lhes mensagens dos deuses, e, por vezes, pune os transgressores de sua lei, causando-lhes aflições noturnas, aterrorizando os seus sonhos. É por isso que, por vezes a igreja o confundiu com um demônio.

D. Frederico Costa escreveu ainda: “Parece também evidente que houve erro em identificar Jurupari com o demônio”. Para o religioso, nenhum demônio poderia pregar tão rígido código moral, como o fez Jurupari (Stradelli, “Legenda Dell’Jurupary”, Bolletino della Societá Geografica Italiana, terc. série, III, Luglio e segs., , 1890, Em de Stradelli, , 1936; Geografia dos Mitos Brasileiros, longo estudo sobre Jurupari; Renato Almeid, “Trombeta de Jurupari”, op. cit., p. 44-48)

Como oferenda, Jurupari recebe lanças, instrumentos de sopro, peixe, pirão, macaxeira cozida e velas verde/vermelho. Algumas de suas plantas sagradas são a comigo-ninguém-pode (Dieffenbachia sp.), o urucum (Bixa orellana) e a macaxeira.

Créditos: O texto desta lenda é de José Gil Barbosa Teixeira. As ilustração interna é de Rafael Nolêto, ambos do Causos Assustadore do Piauí. 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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