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A PRECIFICAÇÃO DA VIDA HUMANA: POR QUE ALGUNS MEDICAMENTOS ESTÃO NO ROL DA ANS,  MAS NÃO FORAM INCORPORADOS AO SUS?

A PRECIFICAÇÃO DA VIDA HUMANA:  POR QUE ALGUNS MEDICAMENTOS ESTÃO NO ROL DA ANS,  MAS NÃO FORAM INCORPORADOS AO SUS?

Apesar da Constituição Federal garantir o direito à vida e à Saúde e igualar todos os cidadãos e cidadãs, em função das dificuldades vivenciadas por quem depende do SUS, quem tem condição financeira paga um plano de saúde. Os planos de Saúde são regidos pelas regras da ANS, que atualiza seu rol de seis em seis meses, nos termos da Resolução Normativa nº 465/2021.

Por Janaína Mathias Guilherme e Maria Francisca da Silva Santos

Os planos são obrigados a fornecer os medicamentos que estão nesse rol. Nem sempre o fazem, o que gera a polêmica jurisdicionalização da saúde. No Brasil, ao menos neste momento, já que quando se fala em direito de saúde há uma grande volatilidade nos entendimentos, o rol não é taxativo, e sim exemplificativo. Para estar incluído no rol da ANS, o medicamento tem de preencher uma série de requisitos.

Quando falamos em SUS é importante saber se o medicamento está incorporado ou não. Em ambos os casos existem demandas judiciais, mas cada uma com suas peculiaridades. No entanto, a não incorporação pode se tornar um entrave significativo para o paciente. 

As demandas judiciais são longas e penosas. Há casos em que o paciente vai a óbito antes que o juiz decida a seu favor. Em outros casos, a lentidão nas decisões e cumprimentos resultam no retardamento do tratamento gerando consequências severas e irreversíveis. É preciso um combo de fatores para favorecer o resultado almejado, cenário árduo e conhecido somente por quem realmente se especializou na área.

Para a incorporação de um tratamento junto ao SUS é necessário que ele passe por uma análise da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde, e nesse processo alguns pontos devem ser analisados. A análise da Conitec é baseada em evidências científicas, considerando aspectos como eficácia e segurança da tecnologia, tudo nos termos do Decreto 7646/2011.

No entanto, existem outros fatores que podem levar à negativa do pedido de incorporação ao SUS. Basta uma pesquisa simples para ver que nos pareceres da Conitec para medicamentos altamente utilizados por pacientes graves mundo afora são encontradas palavras como “custo adicional’, “mais caro”, “impacto orçamentário”. 

Cabe, portanto, o questionamento: quanto vale uma vida humana? É possível mensurá-la? No terreno do pensamento, o que nos torna humanos é a incansável luta pela felicidade, aqui personificada no direito e na justiça como instrumento de busca por uma vida com dignidade, algo extremamente profundo que dá contorno a nossa existência e sua singularidade, que não pode ser medida, nem pesada! Não tem preço! 

Muitas vezes o estudo compara o medicamento a ser incorporado a outro e conclui pela sua eficácia, mas em função de seu alto custo opina pela não incorporação. São inúmeros os fatores que levam o médico assistente a prescrever o medicamento A ou B e o principal deles é o indivíduo e todos eles passam pela eficácia, mas para a Conitec ela não é suficiente. 

Inúmeros medicamentos que estão há anos no rol da ANS não foram incorporados ao SUS. Ou seja, se a pessoa tem uma doença grave e tem plano, em tese ela fará uso daquele tratamento que seu médico sabe que pode lhe salvar a vida ou lhe dar um fim digno, com menos dor, mas se ela depender do SUS e não procurar a justiça, poderá ver sua vida minguando lenta e dolorosamente. Onde fica a igualdade prevista na Constituição? 

Mesmo ciente de que é impossível não considerar o impacto orçamentário, soluções precisam ser encontradas, porque a vida do usuário do plano não tem mais valor do que a do usuário do SUS. É preciso pensar na redução de impostos, custos, quebrar patentes, investir em pesquisas e outras soluções. Se alguém precisa perder algo, esse alguém não pode ser o cidadão doente, sob pena de ver sua cidadania ferida de morte.

Há uma nova tecnologia de combate a alguns tipos de câncer que consiste em extrair uma amostra de sangue, tratar os linfócitos, enviá-la aos Estados Unidos, onde eles “aprenderão” a combater a neoplasia. Logo depois, o sangue é infundido no paciente. Esse tratamento custa cerca de três milhões de reais e aparentemente somente os planos de saúde têm sido acionados para arcar com esse tratamento. Ao que parece, aos usuários do SUS essa ainda é uma realidade distante.

Enquanto isso, se esvaem vidas de Marias, Marinas e Josés, todos à espera de se tratar pelo SUS, assim como o fazem outros que têm condição financeira de pagar o plano. 

A questão é muito simples: se quem paga o plano faz o tratamento x e se cura, mas quem usa o SUS tem acesso negado e morre, isso gera ao menos à família do usuário uma expectativa de um direito de reparação, não pela morte, mas porque a ele foi negado o direito de tentar. 

Fala-se tanto em “impacto orçamentário” e em “medicamento de alto custo”, mas se todos os doentes desse país que não iniciaram o tratamento no momento certo e tiveram prejuízos conhecessem seus direitos certamente o impacto seria enorme.  

A conclusão é de que não somos todos iguais, já que uns podem se tratar de uma doença devastadora melhor e mais rapidamente que outros. A diferença está na precificação da vida. A luta pela vida vale muito a pena, tanto no âmbito individual quanto no coletivo, já que é essa luta de massa que faz com que medicamentos sejam incorporados, patentes sejam quebradas e pesquisas sejam iniciadas. 

Essa reflexão é necessária e urgente, até porque não há nada mais urgente do que vida e a dignidade humana.

janainaJanaína Mathias Guilherme – advogada formada pela Universidade de Uberaba, especialista em Direito Civil e Processual Civil e em Direito Processual Penal pela Universidade Federal de Goiás, atuante na área da saúde, seja no Direito Público, seja no do consumidor. Sócia da banca Janaína M. Guilherme Assessoria e Consultoria Jurídica. Capa: Divulgação/ Marcello Casal/Agência Brasil.

 

 

 

mariaMaria Francisca da Silva Santos fotojornalista, formada pela Faculdade de Artes e Arquitetura da Universidade Católica de Goiás e em Filosofia pela PUC Goiás. Presidente da APDNHC – Associação dos Pacientes com Doenças Neurológicas do Hospital das Clínicas. Membro Titular do Conselho Municipal de Saúde de Goiânia. Paciente com esclerose múltipla e usuária do SUS.

 
 
 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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