ADAPTAÇÃO CLIMÁTICA: UMA QUESTÃO DE VIDA OU MORTE NO BRASIL

ADAPTAÇÃO CLIMÁTICA: UMA QUESTÃO DE VIDA OU MORTE NO BRASIL

Adaptação Climática: Uma questão de ou morte no

Ensaio destaca a importância de política de resiliência climática e adaptação com participação popular.

Por Amazônia Latitude 

Ao longo dos últimos anos tem se intensificado os eventos extremos no País relacionados à mudança do — secas prolongadas, ondas de calor e chuvas extremas que passam a ser recorrentes em diferentes regiões. Entre 2013 e 2022, de acordo com a Confederação Nacional dos Municípios (CNM), 4 milhões de pessoas no Brasil foram afetadas diretamente por eventos relacionados às em mais de 90% dos municípios brasileiros, e o número de vítimas fatais tem aumentado a cada ano. Faltam e uma política robusta de adaptação.

Atualmente, segundo o Ministério do Meio Ambiente e Mudanças do Clima (MMAMC), 1.038 municípios são mais vulneráveis, e o órgão estuda formas de intensificar ações emergenciais e estruturantes, que passam, por exemplo, pela decretação de emergência para facilitar obras. Ao mesmo tempo, o MMAMC tem se debruçado sob o Plano Clima (2024-2035), que tem como objetivo principal “aumentar a resiliência do país”, articulando 15 planos setoriais e integrando políticas federais e a agenda do clima. Mas o desafio não é pequeno e tem inúmeros obstáculos, como garantia de orçamento, integração entre estados e municípios e participação.

O fato é que quanto mais tempo demoramos, mais vidas podemos perder.

Grandes metrópoles: onde a mudança do clima encontra a desigualdade e o estrutural

Em grandes metrópoles como , considerada a área mais suscetível às mudanças climáticas na , além do número alto de pessoas em áreas de risco, há menos investimentos do Estado nessas mesmas regiões e menos acesso a água encanada, tratamento de esgoto, estruturas para manejo de águas de chuva. Ou seja, racismo ambiental que potencializa não só as chuvas extremas, mas seus efeitos, como as enchentes.

De acordo a Defesa Civil, 750 mil casas estão localizadas em áreas de risco para deslizamento ou desabamento na região metropolitana de São Paulo, resultado direto da falta sistemática de uma política de moradia.

ADAPTAÇÃO CLIMÁTICA: UMA QUESTÃO DE VIDA OU MORTE NO BRASIL
 Cidade de São Paulo. Foto: Georgia Visari/Unsplash

Em Manaus (AM), maior metrópole da Amazônia, o mesmo se repete. Somente a capital tem mais de 600 áreas de risco. Em 2023, durante as chuvas de março, nove casas foram engolidas pelo deslizamento no bairro Jorge Teixeira, zona leste da capital, matando oito pessoas. A ocupação existe há cerca de cinco anos, em área de risco, conhecida pelo poder público. Parte das famílias retornou para as casas após as chuvas, e convive com o risco por não ter condições econômicas de morar de aluguel ou comprar um imóvel em outro local. Essa é a realidade da maioria dos brasileiros que vivem nas áreas de risco pelo país.

Como se não bastasse, o número de ocupações em torno de rios e córregos urbanos tem aumentado 102% em pouco mais de três décadas. Segundo o Mapbiomas, São Paulo, Rio de Janeiro, Fortaleza, Manaus e Curitiba concentram a maior parte do problema. Isso mostra que há um descompasso entre as políticas de adaptação e o planejamento da ocupação nos municípios, o que pode fazer com que o número de mortos em virtudes de enxurradas e enchentes, como no Vale do Taquari (RS) em novembro, se torne uma tendência.

Prevenção salva vidas e poupa recursos

Nos últimos dez anos, o país teve mais de R$500 bilhões de prejuízos calculados referentes a desastres provocados por secas e chuvas. De acordo com um da ONU, a cada U$1 em prevenção, se economizava U$7 em recuperação. Ou seja, com a frequência e intensidade desses fenômenos aumentando, investir em estrutura de prevenção e adaptação poderia não só diminuir gastos a longo prazo, como também melhorar a qualidade de vida e risco que correm milhares de famílias.

Prevenir com ampla participação popular de moradores de áreas de risco e suscetíveis poderia ser outro diferencial de uma política robusta de adaptação. Hoje, o Estado tem uma ampla estrutura de monitoramento do Clima, a partir do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) e de monitoramento de riscos com o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), mas na ponta, as ações de comunicação e educação ainda ficam a cargo das defesas civis estaduais e municipais, que continuam com pouca estrutura, formação e capacidade de atuação.

Na prática, essa situação faz com que, em muitos casos, conforme ocorreu em São Sebastião, no último 27 de janeiro, mesmo com as sirenes acionadas diante de uma chuva de mais de 100 mm, quase ninguém apareça nos pontos de apoio, ou que a comunicação se dê com mensagens vagas e gerais, como “fique em casa”, o que pode ser a pior situação em caso de áreas próximas a córregos e rios.

O Brasil tem uma oportunidade única — um país continental, desigual, em crescimento, com quase 9 milhões de pessoas em áreas de risco (o equivalente a uma Áustria) —, fazer uma política de resiliência climática e adaptação com participação, transformando as brasileiras para um novo tempo.

Francisco Kelvim é membro da coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), arqueólogo e jornalista da Amazônia. 

 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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