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ALICIA MANGABEIRA: “NADA SOBRE NÓS SEM NÓS!”

ALICIA MANGABEIRA: “NADA SOBRE NÓS SEM NÓS!”

Alicia Mangabeira: “Nada sobre nós sem nós!”

Alicia Mangabeira, no cartório registrada como Alicia Santana Salvador, se define como “mulher preta, extrativista, pescadora, mãe, ativista e militante”, uma das fundadoras da Associação de Catadoras de Mangaba, criada em 2007 no município de Indiaroba, em Sergipe. 

Por Eduardo Pereira 

Em entrevista à Revista Xapuri, Alicia reafirma os valores que a fizeram entrar na luta coletiva das catadoras de mangaba do Sergipe: 

Nós nos juntamos para garantir o sustento de nossas famílias e para defender nossos direitos. Primeiro foi a luta. Depois, com o tempo, fomos nos organizando também na produção. Criamos nossa cooperativa de mulheres extrativistas, que produz cocada, trufa, balas, brigadeiros, doces, licores e geleias, todos os produtos à base da nossa mangaba. 

Em sua maioria, as companheiras de Alicia, que se autodenominam “Rainhas das Restingas”, assim como ela, são descendentes de quilombolas, caiçaras e sitiantes. Todas se sentem orgulhosas de suas conquistas:

“Essas atividades, as quais nos orgulhamos em realizar, constituem a cultura de sermos mantenedoras identitárias de saberes e fazeres relacionados à defesa do território das matas de restinga, manguezais, rios, lagoas, várzeas e mar no estado de Sergipe”.

De acordo com a Associação, o objetivo das vendas dos seus produtos “vai além de comercialização dos produtos feitos por nós, ‘Rainhas das Restingas’, mas sim de fortalecimento identitário, auto organizacional, trabalho e renda, reprodução de conhecimentos, saberes, práticas e alimentação saudável com receitas isentas de conservantes químicos ou demais aditivos artificiais”.

O extrativismo de mangaba também realiza uma importantíssima de função de inserção social. Segundo o site da Associação, no ano de 2016, foram registrados um total de 1.776 famílias que se dedicam ao extrativismo da mangaba, de acordo com a EMBRAPA (2017). Para 38,89% dessas famílias, o extrativismo da mangaba, em ordem de importância, é a primeira fonte de renda.  

Porém, o sustento das catadoras e a própria existência da mangaba na região estão em risco. As áreas de ocorrência natural da mangabeira estão sendo ameaçadas pela monocultura e pelos empreendimentos imobiliários, acelerando a destruição das áreas de extrativismo. 

Uma solução possível e necessária é o estabelecimento de Reservas Extrativistas em áreas de restinga. Porém, até hoje, após quase duas décadas de luta da Associação de Catadores de Mangaba, Sergipe não tomou providências para demarcar as áreas e criar as Reservas. 

Em 1992, Sergipe reconheceu a mangabeira como árvore símbolo do estado e em 2010 reconheceu as Catadoras de Mangaba como comunidade tradicional investida de direitos que devem lhes ser garantidos, conforme prevê a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Povos e Comunidades Tradicionais e a Convenção n.º 169 da Organização Internacional do Trabalho. Ainda assim, as Reservas Extrativistas não saem.

Por essa razão, para fortalecer a luta, é que a Associação resolveu disputar espaço na política partidária. Nessas eleições de 2024, Alicia saiu candidata a vereadora pelo Partido dos Trabalhadores (PT), “para representar seu coletivo e garantir políticas públicas que sejam voltadas às catadoras e comunidades tradicionais como um todo, assim garantindo não só o seu sustento, mas também ajudando a preservar o meio-ambiente”. 

Animada, Alicia explica as razões de se embrenhar nessa nova tarefa: 

Mediante estas lutas, mediante estas participações em espaços de construção de políticas públicas, a gente percebe que é fundamental a atuação da mulher nesta parte da política, para que possamos de fato garantir uma política pública voltada para nosso povo, que chegue de fato nas nossas bases, e uma política pública que de fato nos atenda. A gente entende que nada pode ser construído sem nós, sem a nossa participação. Daqui pra frente, está decidido: Nada sobre nós sem nós!

Siga @aliciamangabeiraoificial para acompanhar as lutas e conquistas das Catadoras de Mangaba de Sergipe. 

SOBRE A MANGABA

A mangaba é uma fruta típica do Nordeste, fruto da árvore mangabeira (Hancornia speciosa), cujo nome em tupi-guarani significa “coisa boa de comer”.

ALICIA MANGABEIRA: “NADA SOBRE NÓS SEM NÓS!”
Foto: Divulgação

Além de deliciosa, a mangaba também possui alta concentração de vitamina C.

Em Sergipe, estado que mais cultiva o fruto, a mangaba é bastante utilizada para polpa de suco e sorvete, chegando em primeiro lugar de consumo para ambas as categorias.

Ao longo dos séculos, a mangaba vem sendo exaltada na literatura. Escrita em 1648, a obra Historia Naturalis Brasiliae, dos naturalistas holandeses Georg Marckgraf e Willem Pies, ressaltam o sabor da mangaba:

O excelente fruto desta árvore, a que chamam Mangaíba, penso não deve ser ignorado nem omitido, embora seja antes uma iguaria das mesas, que concernente às nossas preocupações medicinais. Pois lisonjeia tão deliciosamente a gula e tem sabor tão agradável, que não sei se a América produz alguma fruta mais bela e gostosa.

A fruta também se tornou a fruta preferida do pastor calvinista Vincent Soler: “… fruto que na minha opinião é o mais saboroso do país e, por experiência, o mais sadio” [Frase que está relatada na obra Tempo dos Flamingos, de José Antônio Gonsalves de Mello]. 

Como também era a fruta preferida do frade lisboeta Antônio do Rosário, que viveu no XVIII: “Uma das mais nobres frutas desta América é a Mangaba”.

Confira o trecho da entrevista: 

Eduardo Pereira Sociólogo. Produtor Cultural. Redator da Revista Xapuri.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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