ANP ignora emergência climática e leiloa 603 blocos de petróleo no pós COP 28
Relatório sinaliza que a oferta ameaça a biodiversidade, inúmeros territórios indígenas, quilombolas e extrativistas, além de contrariar diretrizes da própria agência nacional.
Por Elizabeth Oliveira/O Eco
Enquanto o mundo discute alternativas de descarbonização da economia para tentar conter o avanço da crise climática global, durante a 28ª Conferência das Partes da Convenção do Clima da ONU (COP-28), a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) prepara o 4º ciclo da Oferta Permanente de concessão e partilha com 603 blocos de petróleo para 13 de dezembro, um dia após o término do megaevento sediado em Dubai.
Em relatório de mais de 400 páginas, o Instituto Arayara afirma que o “leilão do fim do mundo” ameaça diretamente 366 km² de unidades de conservação (UCs), incluindo áreas de grande importância para a conservação da biodiversidade como o arquipélago de Fernando de Noronha e a região de Abrolhos.
Dentre outros impactos, também coloca em risco 23 Terras Indígenas (47 mil km² e 21.910 habitantes) e cinco territórios quilombolas (684 km² e 5.617 habitantes), ainda não consultados conforme determina a Convenção OIT 169.
Contrariando o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), 23 blocos de petróleo ofertados estão sobrepostos a Unidades de Conservação (UCs), das quais, 19 estão localizadas na Bacia Sedimentar Sergipe-Alagoas; três, na Bacia Sedimentar do Amazonas; e um, na Bacia Sedimentar do Espírito Santo. Além disso, outras 17 UCs têm suas zonas de amortecimento sobrepostas por 33 blocos.
Após o encontro, ambos divulgaram os dados do Diagnóstico do Risco Socioambiental em entrevista coletiva, quando confirmaram que o Instituto já ingressou com Ações Civis Públicas para a retirada de 77 blocos do leilão (13% do total), incluindo 11 blocos de Fernando de Noronha e outras estão previstas para os próximos dias.
Ao afirmar que espera que a justiça retire da rodada os blocos que estão em desacordo com as políticas ambientais e as próprias regras da ANP, ela destaca que isso já aconteceu em 2020, em Santa Catarina.
Além de todos os riscos socioambientais envolvidos, os ambientalistas ressaltaram na coletiva que o país ainda aposta em uma agenda de exploração de combustíveis fósseis que segue na contramão dos compromissos assumidos no âmbito do Acordo de Paris.

Acordo de Paris – Foto: El Pais
Na NDC (metas climáticas nacionais) ajustada, em outubro, o governo brasileiro confirmou a meta de emissão líquida absoluta de gases de efeito estufa do Brasil de 1,32 GtCO2e e 1,20 GtCO2e, para 2025 e 2030, respectivamente. Esse comprometimento entra em xeque, caso se consolide o leilão, já que as emissões totais potenciais estimadas dos blocos ofertados, somente neste ciclo, superam 1 GtCO2e.
Insegurança jurídica marca a oferta de petróleo
Como parte da insegurança jurídica que envolve o leilão, os ambientalistas informaram que 94,2% de todos os blocos ofertados pela ANP têm, ao menos, uma sobreposição ou um conflito, o que contraria tanto critérios estabelecidos nas Diretrizes Ambientais da própria agência ou alguma política ambiental do país.
Como parte das restrições se destacam, além de sobreposição com TIs, UCs e Territórios quilombolas, áreas prioritárias para a conservação da biodiversidade.
“Se tivesse havido análise, não haveria risco jurídico. Tem bloco se sobrepondo ao Território Quilombola inteiro”, observa Nicole Oliveira que também considera grave a falta de consulta às comunidades tradicionais, como determina a Convenção OIT 169 para empreendimentos que impactam os seus territórios.

Resex Cassurubá – Foto: Mar Sem Fim
Segundo Vinícius Nora, a conservação da chamada região de Abrolhos Terra e Mar, para além do Parque Nacional de mesmo nome, depende amplamente da proteção dos ecossistemas da Mata Atlântica, dentre os quais, os manguezais e as áreas de restinga.
O ambientalista ressalta que essa região têm TIs e UCs de grande importância também para a sobrevivência e os modos de vida de comunidades de pescadores e de extrativistas. Ele exemplifica que a Reserva Extrativista Marinha Cassurubá tem três blocos de petróleo ofertados em sobreposição à zona de amortecimento.
Como parte das demandas, os ambientalistas solicitaram à ANP que forme um Grupo de Trabalho com participação de representações da sociedade civil para discutir questões relacionadas a essa agenda, cujos impactos socioambientais são preocupantes. “Consideramos que pelo menos conseguimos abrir um canal de diálogo, algo que não estava acontecendo nos últimos anos”, observa Nicole Oliveira.
A organização ambientalista tem promovido campanhas públicas pela proteção socioambiental contra a exploração de combustíveis fósseis, como as mobilizações Salve Noronha que conta com depoimentos de cientistas, ambientalistas e celebridades, além da petição pública mar sem petróleo em protesto contra o leilão marcado para o dia 13. Já lançou, também, o Monitor da Amazônia Livre de Petróleo e Gás, juntamente com o Observatório do Clima.
Segundo explicado pelos ambientalistas, diferentemente dos ciclos anteriores, este 4º ciclo oferta de uma única vez centenas de blocos em áreas marinhas e terrestres de grande vulnerabilidade socioambiental.
“Dos 955 blocos listados na oferta permanente, 603 blocos serão leiloados no dia 13 de dezembro de 2023 (63% do total), no Rio de Janeiro, com uma estimativa de arrecadação de mais de 90 bilhões de reais para o setor”, informa o estudo do Instituto Arayara.
“O leilão do fim do mundo” em números
- De 955 blocos em oferta permanente, 602 e 1 área de acumulação marginal estão inseridos no leilão do quarto ciclo da oferta da ANP.
- Todas as diretrizes ambientais da ANP foram violadas para a escolha dos blocos que serão leiloados dia 13 de dezembro.
- As estimativas de emissões totais potenciais dos blocos são superiores a 1 GtCO2e, mesmo patamar das emissões anuais do Brasil previstas para 2030.
- 80% das áreas ofertadas estão sobrepostas em alguma área prioritária para a conservação (483 blocos).
Os riscos para as Unidades de Conservação (UCs)
- 366 km² de UCs estão em risco direto.
- 23 blocos ofertados estão sobrepostos a 15 UCs.
- 33 blocos e 1 área de acumulação marginal estão sobrepostos às zonas de amortecimento de 17 UCs.
- 11 blocos estão sobrepostos aos Montes Oceânicos da cadeia marinha de Fernando de Noronha.
- 11 blocos estão sobrepostos aos principais manguezais da porção Sul da APA Costa dos Corais.
- 12 blocos estão sobrepostos à região de Abrolhos Terra e Mar.
Os riscos para as Terras Indígenas (TIs)
- 47 mil km² de TIs podem ser afetados, impactando 21.910 indígenas.
- 23 TIs serão afetadas em suas Áreas de Influência Direta.
- 22 TIs estão no bioma Amazônico.
- Nenhuma comunidade foi consultada.
Os riscos aos Territórios Quilombolas
- Mais de 684 km² e 5.617 habitantes serão impactados.
- 12 blocos estão sobrepostos a 5 territórios quilombolas.

Foz do Amazonas – Foto: BBC
Os riscos para as áreas de corais
- 94 blocos ofertados se sobrepõem às áreas do PAN Corais, totalizando
34.949,50 km².
- 72 dos 165 blocos ofertados estão sobrepostos às áreas de PAN Corais (43,64%) de todos os blocos somente na bacia de Pelotas.
Riscos geológicos
- 208 blocos estão sobrepostos às áreas de Fracking.
- Um dos blocos ofertados está há 2,4 km de distância da área de risco pela mineração do sal-gema da Braskem em Maceió
Informações oriundas do Instituto Arayara.
Elizabeth Oliveira – Jornalista e Pesquisadora Socioambiental. Fonte: O Eco. Foto de capa: Caio Climaco/Photo Press/Folhapress;





