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COBRAS E LAGARTOS: MANUAL DA CRIANÇA CAIÇARA

COBRAS E LAGARTOS: MANUAL DA CRIANÇA CAIÇARA

Cobras e Lagartos: Manual da Criança Caiçara

Dando uma geral por aqui e olha o que encontro: um livrinho de nome “Manual da Criança Caiçara,” publicado pela Editora Peirópolis, 2011

Por Marie Ange Bordas e as crianças da Barra do Ribeira 

Assinado por Marie Ange Bordas e pelas crianças da Barra do Ribeira, o livro conta, em linguagem simples, um pouco da vida das crianças Caiçara da Barra do Ribeira, no litoral do estado de São Paulo.  

São textos lindos, leves, informativos. Um deles fala de cobras e lagartos: Se tem uma hora em que a gente lembra do seu Sátiro [curador local] é quando aparece alguém mordido de cobra!

Afinal, quase todo mundo conhece alguma história de pessoa picada de cobra que foi salva pela sabedoria e pelas rezas dele.

Contam que seu Sátiro aprendeu a fazer um dos remédios contra picada de cobra observando lagartos.

Ele percebeu que, depois de brigar com uma cobra venenosa, o lagarto corria para comer a planta da guaçatonga.  

Não sei se foi por isso, mas a gente chama essa planta de erva-de-lagarto. E, pelo tanto de lagarto e de cobra que vive por aqui, seu Sátiro deve ter visto essa cena milhares de vezes, até que teve a ideia do remédio.

Existem muitos tipos de cobras: urutu, caninana, jararacuçu, cobra d`água, cobra-cipó, cobra-vidro, cobra-coral. E a jararaca, a mais venenosa.

Ilha das Cobras

De verdade, o nome dessa ilha na costa da Jureia, mais pertinho de Peruíbe, é ilha da Queimada Grande. Mas, pra todo mundo, é Ilha das Cobras.  Da última vez que os pesquisadores contaram, em 2008, eram 2.134 cobras morando nesse ilhote rochoso de 430 mil metros quadrados.  

Dá para achar até sessenta cobras num único dia. Todas as cobras são da mesma família, a jararaca-ilhoa. É uma prima isolada da jararaca-da-mata, mas com um veneno vinte vezes mais forte do que o dela.  São tão venenosas que ninguém pode descer na ilha sem autorização da Marinha.

Cobra-Cipó 

Uma das mais rápidas que existem, a cobra-cipó, por sorte, não é venenosa. Ela é bonita, com uma cor misturada de vermelho, verde e laranja, e comprida – um metro, mais ou menos.

Ela só morde se a pessoa ficar no seu camino. O apelido da cobra de “cipó” porque ela adora passar o tempo em cima das árvores, penduradinha tal qual uma timbopeva, bem camuflada.

Simpatias

Antigamente, quando não tinha posto de saúde ou era difícil chegar no seu Sátiro, muita gente fazia simpatia pra mordida de cobra. Por exemplo, colocar um ovo encima da picada.

Dizem que o ovo muda de cor, porque puxa o veneno. Outros acreditam que deixar uma raiz “do bem e do mal” na porta de casa espanta visitas que podem atrapalhar a cura. Pendurar a cobra de cabeça para baixo na porta da casa não deixa o veneno subir pelo corpo. Mas, antes, precisa ter matado a cobra, né?

Primeiros Socorros

Hoje em dia, quando alguém é picado por uma cobra, precisa dar um jeito de ir para Iguape ou Peruíbe tomar soro no posto de saúde. Logo depois de picada, a pessoa não deve se movimentar: se ela se mexe muito, o veneno que está no sangue corre pelo corpo e sobe mais rápido pelo sistema nervoso.

Criança Caiçara Projeto Acervo Memória CaiçaraFoto: Projeto Acervo Memória Caiçara

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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