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ECONOMIA DE ACUMULAÇÃO, EXCESSO ANTROPOCÊNTRICO E MUNDO INSUSTENTÁVEL

ECONOMIA DE ACUMULAÇÃO, EXCESSO ANTROPOCÊNTRICO E MUNDO INSUSTENTÁVEL

Economia de Acumulação, Excesso Antropocêntrico e Mundo Insustentável

“A economia é como um organismo faminto em fase de crescimento. Ela consome recursos naturais como árvores, peixes e carvão. Deles, produz energia e bens úteis e cospe resíduos como dióxido de carbono, lixo e água suja. A maioria dos economistas se preocupa com o sistema circulatório do organismo e em como a energia e os recursos podem ser eficientemente alocados. E tende a ignorar seu sistema digestivo: os recursos que o organismo consome e o lixo que produz. Os economistas pressupõem que ambos sejam infinitos.” (Revista Época, abril de 2009)

Por Paulo Betti e Marcus Eduardo de Oliveira

Olhar atento aos desdobramentos da epígrafe aqui mencionada, não resta dúvida de que, pelo paradigma civilizacional, “o modo de funcionamento da humanidade”, como sustenta com elevada razão Aílton Krenak, “entrou em crise”.

Assim sendo, pela força dos acontecimentos, agora vivemos tempos [anormais] de crise ecológica, crise socioambiental, crise de civilização propriamente dita, enfim, uma gravíssima crise gestada sobretudo pelo modo de produzir da modernidade. E isso, é claro, deixa a Natureza devastada, os Ambientes fragmentados, o Planeta adoecido.

Vale dizer sem cerimônias que, em toda a nossa história de vida, jamais havíamos interferido radicalmente na saúde planetária, no corpo dos ecossistemas.

A esta altura, insistindo com a crítica, pelo processo produtivo de subtrair recursos naturais (decerto, ignorando os limites do planeta), tanto mais profunda a transformação da dinâmica ecológica. Para piorar, tudo se complica ainda mais por um motivo simples de entender: “nosso tempo”, como identifica a filósofa espanhola Marina Garcés, “já não é o da pós-modernidade, mas o da insustentabilidade”.1

Insustentabilidade, cabe rápido comentário, é a condição de tudo aquilo que não se pode sustentar (manter). E é esse, reiteradamente, o caso da insustentabilidade ambiental de agora, agravada, como se sabe, pela impossibilidade de comportar economias modernas cada vez mais viciadas em crescimento ininterrupto – paradigma da racionalidade econômica, tecnocientífica, influente e dominante. O edifício estrutural da civilização contemporânea, digamos assim, levantado pelas elites de poder, tão interessadas em manter o status quo.

Em nosso sentir, dentro dessa concepção, quando o crescimento das modernas economias globais vem com mais força, vem junto a degradação ecológica, multiplicando adversidades ambientais (erosão ecológica, com efeito, talvez seja o termo mais apropriado).

Seja como for, diante de nós, nesse vasto mundo de abundâncias que a cultura ocidental aprendeu a admirar, o veneno daí extraído atende pelo nome de emergência planetária. Exatamente aquilo que os negacionistas (ferrenhos adversários da ciência) insistem em negar.

Contudo, para o caso de reforçar assertivas, imaginamos assim que isso tudo tem a ver com o tipo de desenvolvimento que a tribo humana resolveu adotar e que, cada vez mais fácil de notar, está nos levando ao desastre. Logo, bastante significativo, a questão principal, a nosso ver, está na mesa: diante da pegada mortal do carbono nos tornamos um perigo para nós mesmos.

Ademais, notar-se-á que, à luz do antropocentrismo moderno, já se diz abertamente que nos especializamos em afrontar a biosfera (o conjunto de todos os ecossistemas da Terra). Portanto, na mesma extensão, é lícito concluir que com nosso estilo (consumista) de vida, com nosso jeito de viver e conviver em sociedade, não cessamos de produzir perturbações nos processos da natureza.

Afetamos a biodiversidade e, que fique muito claro, com a economia moderna que nos guia e que determina os destinos mundanos, ajudamos a promover devastação ambiental. Aliás, já colocamos em situação de risco de extinção mais de 1 milhão de espécies vegetais e animais. Continuamos a mudar o curso de rios e a transformar florestas inteiras em cinzas. Pelos declarados interesses por trás da pata do boi e da soja, derrubamos a vegetação natural.

Contaminamos o solo que nos dá o alimento, destruímos as colheitas, devastamos biomas inteiros. Agora mesmo, nada menos que 47% das bacias hidrográficas do mundo apresentam sinais de esgotamento.

O que isso mais quer dizer? Ora, nesses tempos de temperaturas “extremamente” perigosas, não cessamos de dar provas de que fomos, em grau maior ou grau menor, doutrinados a enxergar a Natureza – eixo de tudo, matriz da vida – como um imenso e inesgotável baú, por isso, sequer hesitamos em consumir em excesso os recursos naturais, sem preocupação alguma com a eficiência de nossas economias, sem que se respeite o tempo de regeneração do mundo natural.

Moral da história: na complexidade das sociedades modernas, seduzidos pela ideia de que o crescimento econômico – sempre o crescimento, o fazer mais para o must have, isto é, “você tem que ter” – nos dará mais prosperidade, mais sucesso e mais conquistas sociais, tendemos a valorizar a quantidade (essência própria do crescimento) do que a qualidade. Nessa direção, pode parecer estranho, mas a massa construída (estradas, prédios, máquinas, instalações etc) pela inteligência humana já supera o peso de todos os seres vivos do planeta.

De todo modo, queremos enfatizar: na história do mundo moderno, é a primeira vez que atingimos tal estágio.

Desnecessário dizer que daí emergem consequências. Assim sendo, pelo avanço desse capitalismo ocidental e masculino, os eventos climáticos extremos continuam nos mostrando até onde a crise climática chegou e até onde o aquecimento (anormal) da atmosfera se torna catastrófico. De igual maneira, pelo conhecimento científico, somos devidamente informados que as ondas de calor extremas podem dobrar até 2050 e que cada uma das últimas quatro décadas, quando analisados documentos oficiais do IPCC, Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, foi sucessivamente mais quente do que qualquer outra década que a precedeu desde 1850.

De resto, pelos fatos, é dado saber outros que tais: i) a temperatura da superfície da Terra foi 1,09 graus mais alta entre 2011-2020 do que entre 1850-1900; ii) as concentrações atmosféricas de CO2 foram maiores, nesse período, do que em qualquer momento em pelo menos dois milhões de anos e, iii) as concentrações de metano e óxido nitroso foram as maiores dos últimos 800 mil anos.2

Particularizando a questão, a ciência alerta que: i) setenta e sete por cento da terra e 87% do oceano foram alterados pelo antropocentrismo arrogante e alheio à causa ecológica e; ii) setenta por cento dos sinais vitais da Terra estão em estado crítico.

Logo, não desviando o olhar dessas gritantes anomalias, é tempo de admitir que o estado ambiental do mundo já atingiu um grau jamais alcançado.

Simplesmente, depois de dez mil anos de estabilidade do clima, conseguimos – juntamente com nossa economia linear, vale repetir – reverter a causa básica do clima.

Tal e qual, entre a desordem e o caos da realidade biodiversa desse momento, pesa constatar que comprometemos o destino ecológico de todos.

Assim, fato consumado, não há como esconder. Desde que “a economia se tornou uma religião”, repetindo o usual comentário de Jean-Claude Guillebaud, ensaísta francês, tanto o equilíbrio ecológico do planeta quanto às condições ecológicas conhecidas, seguem radicalmente abaladas.

E nesse caso, vamos ainda lembrar: vinte por centro da biodiversidade original já foi perdida; 30% dos ecossistemas naturais de água doce desapareceram desde 1970; 60% dos principais serviços ecossistêmicos e processos biológicos de nosso planeta vivo estão seriamente deteriorados.

Em outras palavras: pelo capitalismo consumista de natureza, o nível de superexploração de capital natural, como se supõe, saiu de controle.

Fechando o raciocínio, em tempos atuais de excessos antropocêntricos e de economia destrutiva, pensada tão somente para o curto prazo e para o lucro imediato, convém voltar à narrativa, forte, como de costume, de Aílton Krenak, nosso Imortal: “(…) entramos, na verdade, em um período distópico em que as florestas, os rios, os oceanos, tudo o que é manancial de vida, está sendo disputado como se estivéssemos, de verdade, num fim de mundo”.

Posto isso, nesse hipotético “fim de mundo”, para tocar de vez o dedo na ferida, coube ao naturalista francês Theodore Monod (1902-2000) registar, em seu tempo, que, sim, “somos capazes de comportamentos insensatos e dementes; a partir de agora, se pode temer tudo, inclusive a aniquilação da espécie humana; esse seria o preço justo por nossas loucuras e crueldades”.

Da mesma forma, e com o mesmo viés, o poeta Paul Valéry (1871-1945) assim escreveu em 1932: “jamais a humanidade reuniu tanto poder a tanta desordem, a tantas preocupações e a tantas manipulações, a tantos conhecimentos e a tantas incertezas. A inquietude e a futilidade se justapõem em nossos dias.

Convenhamos: é difícil discordar de cada um deles.

Paulo Betti é ator, autor e diretor. Já atuou em mais de 40 peças de teatro, doze das quais sob sua direção. Interpretou vários personagens marcantes no cinema e na TV, com destaque especial para “Lamarca” e o “Visconde de Mauá”. Escreveu a peça “Autobiografia Autorizada”, entre outros.

Marcus Eduardo de Oliveira é economista e ativista ambiental. Mestre em Integração da América Latina pela Universidade de São Paulo – USP (2005). Autor de Civilização em desajuste com os limites planetários (CRV, 2018) e A Civilização em risco (Jaguatirica, 2024), entre outros.

Notas:

1 GARCÉS, Marina. Novo Esclarecimento Radical. Âyné, Rio de Janeiro:2020.

2 Consultar IPCC, Mudança do Clima 2021, A Base Científica. Disponível em: < https://www.gov.br/mcti/pt-br/acompanhe-o-mcti/sirene/publicacoes/relatorios-do-ipcc/arquivos/pdf/IPCC_mudanca2.pdf>

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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