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Imaginar pessoas negras no futuro já é por si só ato de resistência

Imaginar pessoas negras no futuro já é por si só ato de resistência

“Imaginar pessoas negras no futuro já é por si só ato de resistência”, afirma autora GG Diniz

Segundo o historiador e filósofo camaronês Achille Mbembe, nos próximos 30 a 50 anos, uma a cada três pessoas do planeta será africana ou afrodescendente. Ou seja, o futuro do é um futuro negro…

Por Helena Dias/via Brasil de Fato

Essa projeção se expressa bastante nas manifestações atuais do afrofuturismo, um movimento político, artístico e social que surgiu nos dos anos 60, mas se faz presente no de hoje. O movimento resgata a filosofia, a e a dos povos africanos e afrodescendentes com uma perspectiva de ficção científica e realismo mágico com uma narrativa afrocentrada.
O programa Trilhas do Nordeste, do Brasil de Fato Pernambuco, entrevistou a escritora cearense e editora G.G. Diniz para entender a presença do afrotuturismo no Nordeste. Confira!
Brasil de Fato Pernambuco: G.G., como o movimento afrofuturista se expressa no Nordeste do Brasil? Quais são as principais referências na região?
G.G. Diniz: Ele se expressa no Nordeste de uma maneira que explora a nossa enquanto pessoa negra e a nossa identidade enquanto pessoa nordestina. Porque o afrofuturismo é um movimento que surgiu nos Estados Unidos, e, quando a gente traz ele pro Brasil, obviamente que a gente tem que adaptar de alguma forma à nossa realidade e à nossa cultura, e isso não é diferente pro Nordeste. Então, o afrofuturismo do Rio e é diferente do afrofuturismo do Nordeste porque cada um vai estar explorando a cultura local das pessoas negras. 
Nesse âmbito, eu posso citar pessoas que eu considero importantes, que são a Knaya Black, Oziel Herbert e também tem o Alan de Sá, que criou o movimento Sertãopunk comigo e está sempre nessa pegada de explorar a nossa cultura do Nordeste, o nosso jeito de falar, os nossos costumes. Mas também falar da cultura negra, da história negra, e da nossa identidade enquanto pessoa negra e nordestina.
 
Você fala desse papel do afrofuturismo na construção dessa identidade negra nordestina aqui no Brasil. Fala para a gente do movimento Sertãopunk do qual você faz parte. O que é que isso tem a ver com o papel do afrofuturismo? É também uma manifestação desse processo?
Ele é um movimento de ficção futurista nordestina, onde o Nordeste é um centro de tecnológico, artístico, cultural e político. Eu criei esse movimento junto a dois colegas meus, o Alan Sá e o Alec . Nós três somos nordestinos, autores negros nordestinos. E o Sertãopunk tem três referências que a gente usa para construir esse futuro nordeste, que é o realismo mágico, o afropunk e o afrofuturismo. Então, não necessariamente uma obra sertãopunk vai ser afrofuturista, mas uma obra sertãopunk pode ser afrofuturista. E o que a gente buscou foi trazer o afrofuturismo para a gente, de fazer o afrofuturismo nosso.
Para a gente entender um pouco mais sobre esse universo, fala sobre o teu conto “Não tem wi-fi no espaço”, que está na coletânea afrofuturista “Raízes do amanhã”.
“Não tem wi-fi no espaço” é sobre um quilombo na cidade de Itapipoca no Ceará, se eu não me engano. É basicamente uma história sobre um quilombo que está construindo uma estação espacial para fugir do planeta terra. Essas pessoas desse quilombo, que é o quilombo Bom Jardini, são do Nordeste e vão levar o Nordeste com elas pro espaço, porque faz parte delas, faz parte da cultura delas. 
Mas ao mesmo tempo elas estão tentando fugir porque a situação não tá legal, o quilombo tá sendo engolido por um lixão de espacial, é assim que eles conseguem construir a estação. E é meio que sobre essa minha relação ambivalente de gostar do Nordeste e me sentir integrada, me sentir parte, mas ao mesmo tempo ser ostracizada mesmo por ser negra.
Para você qual o papel do afrofutursmo na luta antirracista?
O afrofuturismo tem um papel muito importante quando falamos de luta antirracista porque imaginar a presença de pessoas negras no futuro já é por si só um ato de resistência porque o que existe, por mais que seja disfarçado, acaba sendo um plano de extermínio mesmo. A gente sempre esteve aqui e a gente vai continuar aqui. não só a gente vai continuar aqui como a gente vai colocar as nossas experiências e a nossa voz em foco. 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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