MORRE ZÉ CELSO, CRIADOR DO TEATRO OFICINA

Morre Zé Celso, criador do Teatro Oficina, dramaturgo e ativista da cultura

A perda de Zé Celso Martínez representa um luto para o teatro brasileiro e deixa uma lacuna na cultura do país

Por Mídia Ninja

O renomado dramaturgo brasileiro Zé Celso Martínez faleceu nesta quinta-feira aos 86 anos, vítima de complicações decorrentes de um incêndio em seu apartamento localizado na Zona Sul de São Paulo. O dramaturgo estava internado na UTI do Hospital das Clínicas desde terça-feira, quando sofreu queimaduras graves.

Na manhã de hoje, o estado de saúde de Zé Celso agravou significativamente devido a uma insuficiência renal.

O incêndio que vitimou o dramaturgo teve início por volta das 7h30 de terça-feira, enquanto ele estava dormindo em seu apartamento. Vizinhos suspeitam que o fogo tenha sido causado por um curto-circuito no aquecedor. Apesar dos esforços do ator Victor Rosa, que resgatou Zé Celso do local, o dramaturgo sofreu queimaduras em 60% de seu corpo.

Além de Zé Celso, outras três pessoas estavam no apartamento no momento do incêndio: seu marido Marcelo Drummond e os atores Victor Rosa e Ricardo Bittencourt. Embora nenhum deles tenha sofrido queimaduras, todos foram levados ao hospital devido à inalação de fumaça, como destacou o G1.

Nascido em 1937, Zé Celso Martínez é reconhecido como um dos principais dramaturgos do Brasil e uma figura de destaque no Teatro Oficina em São Paulo, que liderou desde os anos 60. Sua contribuição para as artes cênicas do país é inegável, deixando um legado valioso para a cultura brasileira.

A causa exata do incêndio ainda está sendo investigada pelo 36º Distrito Policial (Vila Mariana).

A perda de Zé Celso Martínez representa luto para o teatro brasileiro e deixa uma lacuna na cultura do país.

Fonte: Mídia Ninja Capa: Mídia Ninja

Ze Celso em cena memoria da ditadura

José Celso Martinez Corrêa foi um dos fundadores do Teatro Oficina, formado inicialmente por estudantes de Direito do Largo São Francisco. Foi ali, no grupo criado junto ao Centro Acadêmico XI de Agosto, que seus primeiros textos foram encenados: Vento Forte para Papagaio Subir (1958) e A Incubadeira (1959). Zé Celso se profissionalizou junto com o Oficina, no início da década de 1960, quando a sede do grupo se transferiu para o teatro da Rua Jaceguai. Ali, em 1963, ele dirigiu Pequenos Burgueses, de Máximo Gorki, que teve um sucesso estrondoso e rendeu diversos prêmios .

O Oficina investiga a relação palco-plateia, procurando subverter as convenções vigentes. Primeiramente, a intenção é romper com a passividade do público para, num segundo momento, provocá-lo, de maneira até agressiva, de modo que a plateia acabe desenvolvendo uma posição atuante na criação da cena.

Depois de sofrer um incêndio, o teatro da Rua Jaceguai foi reformado à italiana. A primeira montagem dessa nova fase foi O Rei da Vela, em 1967, com base num texto escrito por Oswald de Andrade na década de 1930. Com ela, o grupo elaborou uma revisão da postura estética das esquerdas, propondo uma montagem paródica e violenta, retomando gêneros nacionais como a revista musical, a comédia de costumes e os musicais a Atlântida. Concretizou, assim, um teatro antropofágico, um dos pilares do movimento tropicalista.

Depois de montagens como Roda Viva Galileu Galilei, Zé Celso se dedicou ao filme O Rei da Vela e enfrentou um período de crise, sofrendo com a repressão. Em 1974, chegou a ser preso e se exilou em Portugal, onde realizou o filme O Parto, por ocasião da Revolução dos Cravos. No ano seguinte, foi a Moçambique, onde filmou a independência do país. Zé Celso voltou para São Paulo em 1978 e retomou o trabalho à frente do Oficina, agora transformado em UzynaUzona.

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Ze Celso

Crédito,Jennifer Glass/Divulgação Oficina

Em 1958, o Brasil começava a mostrar a sua cara para o planeta com a conquista da primeira Copa do Mundo de Futebol, depois da vitória contra a Suécia. A batida diferente da bossa nova passava a ecoar para além dos apartamentos de Copacabana com a gravação do álbum Chega de Saudade, do cantor João Gilberto, e Brasília, a moderna capital federal idealizada pelos arquitetos Oscar Niemeyer e Lúcio Costa, entrava em ritmo acelerado de construção.

O teatro brasileiro se mostrava polarizado entre a inspiração no modelo europeu pregado pelo TBC (Teatro Brasileiro de Comédia) e o nacionalismo exacerbado do Teatro de Arena, representado por, entre outros, o dramaturgo Gianfrancesco Guarnieri, que despontou naquele ano com a peça Eles não Usam Black-Tie.

É neste cenário, disposto a implantar um modelo inovador, que o jovem José Celso Martinez Corrêa aposenta o terno e a gravata de futuro advogado para adotar o figurino de artista.

Junto a outros colegas da faculdade de direito do Largo São Francisco, da Universidade de São Paulo (USP), entre eles o carioca Renato Borghi e o mineiro Amir Haddad, ele funda o Teatro Oficina, uma companhia que atravessa diversas vertentes ao longo das seis décadas seguintes e conecta as artes cênicas brasileiras às vanguardas internacionais em uma proposta crítica e provocadora.

Zé Celso se preparando em frente ao espelho no camarim para atuar na peça 'Roda Viva' no Rio de Janeiro, em 22 de novembro de 2019

Crédito,CARL DE SOUZA/AFP via Getty Images

Legenda da foto,Zé Celso construiu uma das trajetórias mais expressivas do meio artístico brasileiro

Zé Celso, como ficou conhecido, nasceu em Araraquara, no interior paulista, em 30 de março de 1937, e cresceu em uma família de sete irmãos comandada por uma mãe rigorosa, de pulso firme, e um pai sensível, fascinado por cinema e literatura.

Os primeiros textos montados pelo Oficina, Vento Forte para Papagaio Subir (1958) e A Incubadeira (1959), são de sua autoria e trazem fortes inspirações biográficas. A partir do processo de profissionalização, o Oficina passa a encenar grandes expoentes da dramaturgia universal com uma linguagem muito própria, na busca de espelhar os conflitos tratados à realidade brasileira.

Ao longo do tempo, o Oficina passa por diferentes formações e características, mas sempre tendo Zé Celso como mentor e figura central.

Ze Celso

Crédito,JENNIFER GLASS/DIVULGAÇÃO OFICINA

Legenda da foto,Diretor deixa obra que ajuda a definir o moderno teatro brasileiro

Nome de resistência à ditadura militar deflagrada em 1960, o ator, diretor e dramaturgo mergulhou nas ideias da contracultura em busca de um teatro combativo e, sempre cercado de polêmicas, construiu uma das trajetórias mais expressivas do meio artístico brasileiro.

 

 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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