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Mulheres indígenas no front

Mulheres indígenas no front

Mulheres geram vida e,

preocupadas com as futuras gerações,

vêm assumindo o protagonismo na defesa dos territórios,

na busca pela garantia dos direitos dos povos originários

e em prover às futuras gerações.

Mulheres querem ter sua voz ouvida.”

(Inimá Krenak – Gestora de projetos do Fundo Casa Socioambiental)

Por Flávia Perez

O crescimento da representatividade feminina nos territórios indígenas vem contribuindo para a geração de renda e, também, para o combate ao garimpo ilegal. Um levantamento da organização Fundo Casa Socioambiental mostra um aumento de 25%, nos últimos dois anos, no quantitativo de projetos liderados por mulheres que receberam apoio da instituição. Essa maior participação feminina fortalece os laços com os territórios, contribuindo para o uso sustentável dos recursos.

Um relatório da ONU, divulgado em março de 2021, revelou uma forte conexão entre terras indígenas reconhecidas e a conservação florestal na América Latina e no Caribe. O estudo, conduzido pela Organização para Alimentação e Agricultura (FAO) e pelo Fundo para Desenvolvimento dos Povos Indígenas da América Latina e do Caribe (FILAC), apontou que as taxas de desmatamento são mais baixas em territórios indígenas, onde há reconhecimento formal dos direitos às terras, por parte do governo. Por isso, a pesquisa destaca os povos indígenas como “guardiões da floresta”. 

Uma dessas guardiãs é Elizangela Baré, líder da Associação das Mulheres Indígenas do Alto Rio Negro (AMIARN), na fronteira com a Colômbia, no Amazonas. A associação, que abrange comunidades em duas terras indígenas do município de São Gabriel da Cachoeira, e em Manaus, encontra, na mobilização feminina, uma ferramenta poderosa para a busca da autonomia e valorização do território, fortalecendo habilidades culturais e de resistência, como o artesanato e a agricultura.  

Composta por artesãs e agricultoras dos povos Arapaso, Baniwa, Baré, Desana, Koripako, Pira-tapuiya, Tariana, Tukano e Wanano, a AMIARN criou uma loja que se tornou ponto de referência na região. Ao todo, são cerca de 360 pessoas envolvidas diretamente no projeto, que conta com apoio do Fundo Casa Socioambiental. O trabalho das artesãs do Amazonas também já foi levado a mais de 10 feiras de artesanato na região.  

A cada ano, são realizados eventos e feiras que visam fortalecer a cultura e promover geração de renda sustentável. As lideranças buscam, ainda, conscientizar a população sobre a importância de garantir a defesa do território. No projeto “Organizadas podemos seguir lutando pelo nosso Direito”, a associação busca também ampliar a visão das mulheres sobre os desafios para combater o ataque aos direitos dos indígenas e como podem lutar frente a isso.

Outra iniciativa que rompe com a tradição de prevalência de organizações lideradas por homens é a Associação das Mulheres Munduruku Wakoborun, também apoiada pelo Fundo Casa Socioambiental, na qual as mulheres assumem a defesa do território, estimulando atividades produtivas e de geração de renda, como o artesanato, ao mesmo tempo em que valorizam os saberes e as práticas tradicionais. O projeto impacta cerca de 1.000 pessoas diretamente e indiretamente.

A Associação foi criada para fortalecer o grupo de mulheres guerreiras da etnia Munduruku na luta contra os grandes projetos que ameaçam o território nas regiões do alto, médio Tapajós e baixo Teles Pires, no Pará e em Mato Grosso, onde habitam secularmente. Atuam, ainda, pela articulação e participação das mulheres sobre direitos próprios, comunicação, agroecologia e nas decisões políticas que afetam os povos originários, motivando a participação em reuniões, audiências, debates e encontros.

 MONITORAMENTO DO TERRITÓRIO

A luta pela proteção do território e por garantir os direitos dos indígenas impulsionou a criação da Associação das Mulheres Munduruku Wakoborun no município de Jacareacanga, no Pará. Uma das primeiras iniciativas foi a formação de jovens e criação de um coletivo audiovisual. A partir desse momento, o grupo começou a filmar e monitorar as invasões e os ataques sofridos pela comunidade. 

“O combate ao garimpo ilegal foi o ponto de partida para a criação da associação. Com o monitoramento das invasões, conseguimos combater as violências sofridas e impedir novas invasões”, explica Maria Leusa Munduruku, líder da Associação das Mulheres Munduruku Wakoborun.

Durante a COP21, em Paris, Maria Leusa recebeu o Prêmio PNUD Equador, uma iniciativa do Programa das Nações Unidas que reconhece grupos indígenas em todo o mundo que estão desenvolvendo projetos sustentáveis e que ajudam a aumentar a resiliência de suas comunidades.

Além de atuar pela defesa do território, a associação promove oficinas de artesanato e incentiva outras mulheres a participar dos encontros e das assembleias para que possam conhecer seus direitos e gerar renda, beneficiando as famílias e toda a comunidade.

Outra importante liderança indígena é Alessandra Korap Munduruku, reconhecida com o prêmio Goldman de Meio Ambiente 2023. A trajetória percorrida pela luta das mulheres Munduruku contribuiu para a luta de seu povo pela demarcação da Terra Indígena Sawré Muybu, símbolo de resistência a hidrelétricas, garimpo ilegal e desmatamento, garantindo o direito ao território aos Munduruku. 

O processo de demarcação da área, localizada nos municípios de Itaituba e Trairão, no Pará, começou em 2007, quando foi instituído o primeiro grupo técnico para realizar os estudos de identificação e delimitação. O processo de demarcação avançou nos últimos anos, mas ainda aguarda conclusão.

GERAÇÃO DE RENDA SUSTENTÁVEL

Situada na fronteira com a Colômbia, no Amazonas, a Associação das Mulheres Indígenas do Alto Rio Negro (AMIARN) foi fundada em 2009, quando um pequeno grupo representado por mulheres decidiu unir forças e organizar a associação. 

Com participação ativa em projetos, reuniões e oficinas, todas as atividades foram conduzidas, até 2019, de forma vinculada à Federação das Organizações Indígenas do Alto Rio Negro, mas no ano seguinte a história começou a mudar.

O grupo decidiu regularizar a associação para fortalecer e ampliar a atuação das mulheres indígenas na busca por melhores condições de vida e trabalho para a comunidade no território, estimulando a luta pelos direitos indígenas e, principalmente, pelos direitos da mulher. 

“Estimulamos as mulheres a ter mais autonomia e autoestima a partir do artesanato, contribuindo para a geração de renda, que beneficia famílias que compõem o território.

Além disso, buscamos a soberania alimentar, um desafio para os territórios já demarcados, e trabalhamos para que esse conhecimento possa contribuir para a proteção do território, do habitat e do meio ambiente”, explica a líder indígena Elizangela Baré, que assume a função de articuladora e mobilizadora de parcerias da associação.

Imagem do WhatsApp de 2023 08 17 as 13.48.59Flávia Perez – Jornalista.  Matéria produzida para o Fundo Casa Socioambiental, organização que busca promover a conservação e a sustentabilidade ambiental, a democracia, o respeito aos direitos socioambientais e a justiça social por meio do apoio financeiro e do fortalecimento de capacidades de iniciativas da sociedade civil na América do Sul. Entre 2018 e 2022, o Fundo Casa apoiou 508 projetos de organizações indígenas. Ao todo, foram 316 organizações indígenas apoiadas, representando 177 diferentes etnias entre as 305 reconhecidas no Brasil. Foram 13 temáticas diferentes e mais de 60 mil pessoas beneficiadas por meio desses apoios. Mais de 20 milhões de reais doados para essas organizações, montante equivalente a 38% dos recursos doados pelo Fundo Casa.

 

Foto: divulgação/ Vik Birkbeck.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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