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O beija-flor

O beija-flor

A delicadeza do beija-flor e as proezas acrobáticas do seu voo enchem os olhos de quem ama o milagre da vida. O frontão da nossa casa, inventada pelo gênio de Lúcio Costa, é cheio de plantas e trepadeiras em flor.

Por

As prediletas do beija-flor são as do pariri, planta de folhas altas erguidas em lâminas, que dá flores rubras de grandes pétalas duras que lembram uma cabeça de pássaro adunco, e a lilás viuvinha, que sobe pelas colunas de imbaúba, no fundo de cujo cálice o néctar espera o amor do passarinho feliz. Nem sempre ele é feliz. E quase todo dia tem beija-flor me dando motivo de aflição.

A frente da casa tem quatro portas e três janelas, que passam o dia todo abertas, para que o vento do rio entre por elas à vontade. Acontece que, com o vento, entra de vez em quando um beija-flor. O passarinho fica atordoado, varando o salão de lado a lado, querendo sair.

Mas só tenta a saída pelas altas janelas, dez janelas, umas acima das outras, mas todas teladas. Ele se bate nas telas, se assusta, descansa um bocadinho nos caibros, entra pela biblioteca de frente devassada para o rio, voa rasante à minha cabeça, pousa no fio da linda luminária, e não acha jeito de sair.

Chamo a Aparecida, e a Joanice vem com um pano tentando agarrá-lo, mas o bichinho escapa, embora já dê sinais de fadiga; o peitinho dele chega a arfar. Ele não dá, ou custa muito a dar, com as janelas escancaradas, por onde entrou.

Mais de uma vez já pensei que a inteligência desses animaizinhos encantadores só é brilhante e sábia nos espaços livres da vida.

612001Thiago de Mello – Poeta e Escritor, em – Águas, Pássaros, Seres e Milagres, Editora Salamandra, 1998. Foto de capa: Divulgação/ Allissondias..

 
 
 
 
 
 
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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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