O beija-flor
A delicadeza do beija-flor e as proezas acrobáticas do seu voo enchem os olhos de quem ama o milagre da vida. O frontão da nossa casa, inventada pelo gênio de Lúcio Costa, é cheio de plantas e trepadeiras em flor.
Por Thiago de Mello
As prediletas do beija-flor são as do pariri, planta de folhas altas erguidas em lâminas, que dá flores rubras de grandes pétalas duras que lembram uma cabeça de pássaro adunco, e a lilás viuvinha, que sobe pelas colunas de imbaúba, no fundo de cujo cálice o néctar espera o amor do passarinho feliz. Nem sempre ele é feliz. E quase todo dia tem beija-flor me dando motivo de aflição.
A frente da casa tem quatro portas e três janelas, que passam o dia todo abertas, para que o vento do rio entre por elas à vontade. Acontece que, com o vento, entra de vez em quando um beija-flor. O passarinho fica atordoado, varando o salão de lado a lado, querendo sair.
Mas só tenta a saída pelas altas janelas, dez janelas, umas acima das outras, mas todas teladas. Ele se bate nas telas, se assusta, descansa um bocadinho nos caibros, entra pela biblioteca de frente devassada para o rio, voa rasante à minha cabeça, pousa no fio da linda luminária, e não acha jeito de sair.
Chamo a Aparecida, e a Joanice vem com um pano tentando agarrá-lo, mas o bichinho escapa, embora já dê sinais de fadiga; o peitinho dele chega a arfar. Ele não dá, ou custa muito a dar, com as janelas escancaradas, por onde entrou.
Mais de uma vez já pensei que a inteligência desses animaizinhos encantadores só é brilhante e sábia nos espaços livres da vida.