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O passado e o futuro da América Latina

O passado e o da

A América Latina viveu o século XXI, o período mais importante de sua história, até o presente. Depois de ter sido a região do com os governos neoliberais mais e mais radicais, o continente reagiu, a ponto de se tornar o continente com os governos mais antineoliberais.

Por Emir Sader  

Ao longo do século passado, a América Latina foi palco de governos nacionalistas, que caracterizaram a esquerda latino-americana. O peronismo e o getulismo têm se destacado, pelo tipo de liderança popular e sua forma de resistência à dominação imperial norte-americana.

A última década do século XX foi marcada pela chegada e generalização do modelo neoliberal, que se tornou hegemônico no mundo. Na América Latina, praticamente todos os países – com exceção de Cuba – se tornaram neoliberais.

Foi no Chile que o chegou, pela ditadura de Pinochet, pelos Chicago boys. Tem sido uma expressão radical do neoliberalismo, seja em termos de privatização de empresas públicas, desregulamentação da , bem como abertura do mercado interno.

Não por acaso foi o continente que mais neoliberalizou, aquele que se tornou a região privilegiada de resistência ao neoliberalismo. Começando com a Venezuela ainda no final do século passado, estendeu-se ao Brasil, Argentina, Uruguai, Bolívia e Equador, constituindo um primeiro grupo de 6 países com governos que adotaram programas semelhantes. 

Prioridade das políticas sociais ao invés do privilégio dos ajustes fiscais, privilégio dos processos de integração regional e das relações Sul-Sul, fortalecimento do , ao invés da centralidade do mercado. Também fortalecimento dos direitos públicos da cidadania, ao invés dos processos de mercantilização promovidos pelo neoliberalismo.

A América Latina, o continente mais desigual do mundo, conseguiu, nesses seis países, promover a maior queda da desigualdade neste século. Países que conseguiram implementar programas de governo antineoliberais ou pós-neoliberais. Tornar a América Latina a única região do mundo com governos que buscam superar o neoliberalismo.

Em sua primeira fase, ao longo da primeira década do século XXI e início da segunda, surgiram nesses governos as principais lideranças políticas de esquerda do mundo. Hugo Chávez, , Nestor e Cristina Kirchner, , Evo Morales e Rafael Correa se apresentaram como esses líderes.

Alguns desses governos caíram, entre eles os do Brasil, Bolívia, Argentina, Uruguai e Equador. Os dois primeiros, por golpes militares, que acabaram sendo derrotados com a volta de governos antineoliberais. Na Argentina, por causa das , a via pela qual volta um governo antineoliberal. 

No Equador, as próximas eleições projetam a possibilidade concreta da volta de um governo antineoliberal. No Uruguai poderia ocorrer o mesmo fenômeno. Na Argentina há uma disputa ainda em aberto.

Na segunda onda de governos antineoliberais, México, liderado por Lopes Obrador; Colômbia, liderada por Gustavo Petro; e Honduras, liderada por Xiomara Castro. A América Latina apresenta, assim, o único conjunto de governos antineoliberais do mundo.

Participei de um grupo de pesquisa que tinha o nome de “O Futuro da América Latina”. Com as mudanças pelas quais passou o campo dos governos antineoliberais, o nome foi alterado para “Los futuros de América Latina”. 

emir saderEmir Sader – Sociólogo. Cientista político. Membro do Conselho Editorial da Foto: Divulgação/ Luís Acosta/ AFP.

 
 
 
 
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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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