Os geoglifos do Acre

Os geoglifos do Acre

Por Altair Sales Barbosa

No atual estágio da Pré-histórica Brasileira, são conhecidos vários tipos de sítios arqueológicos que, de acordo com suas características, se classificam como Pré-históricos, Clássicos e Históricos, e recebem denominações diferenciadas.

Um sítio arqueológico refere-se a um local onde há vestígios de atividades humanas. Os principais são:

  • Sítios Cerâmicos – Geralmente localizados em áreas abertas e quase sempre associados a grupos horticultores que faziam grande uso de vasilhames cerâmicos na labuta cotidiana. Quando abandonavam o local, deixavam a maior parte dos vasilhames na antiga moradia, pois além de frágeis eram de transporte relativamente difícil. Com o intemperismo do tempo essas peças se fragmentavam dando origem a grandes concentrações de cacos de cerâmica;
  • Sítios Líticos – Locais de antiga moradia onde não aparecem vestígios da utilização da cerâmica. Geralmente associam-se esses sítios a grupos com economia de caça e coleta;
  • Sítios Líticos Oficinas – Locais de de matéria prima mineral, para confecção pelos indígenas de suas ferramentas, quer sejam lascadas ou polidas;
  • Sítios em Abrigo Sob Rocha – São locais com vestígios arqueológicos, localizados em grutas e abrigos, e tanto podem conter material lítico ou cerâmico, como também outros grupos de vestígios como restos de alimentos, sepultamentos, e sinalações rupestres;
  • Sítios com Sinalações Rupestres – Estão sempre associados a outros materiais e são colocados numa categoria à parte, porque às vezes são encontrados isoladamente. São caracterizados por pinturas com motivos variados e também com diversas. Os sítios com pinturas, na sua maioria, se localizam em abrigos. Dentro da grande categoria de sítios rupestres, podem ser incluídos os sítios com petroglifos, que são inscrições rupestres encontradas tanto em abrigos como em blocos de rochas isolados, ou em lajedos de rocha dura, rente ao solo; e
  • Sítios Sambaquis – São grandes amontoados de moluscos consumidos por populações pré-históricas, possuindo várias funções. Embora os sítios sambaquis sejam mais frequentes no litoral, também há vários registros de sua existência no interior do Brasil.

Para todas essas principais categorias, a Arqueologia Brasileira tem hoje um entendimento seguro sobre sua existência. Entretanto, em 1977, o arqueólogo Ondemar Dias Junior descobre no Acre, no vale do rio Purus, algumas estruturas até então desconhecidas na Arqueologia do Brasil, às quais atribui o nome de geoglifos. Em 1988, Ondemar Dias e Eliana Carvalho publicam o primeiro trabalho sobre o tema, atribuindo-lhes também a denominação “valetas de terra”.

 

Os geoglifos são grandes sinalizações feitas diretamente no solo, principalmente em solo argiloso, sempre representando figuras geométricas, em sua maioria circulares ou quadradas. Consistem basicamente da escavação de dois fossos ou valetas com profundidades que podem atingir até três metros.

Uma valeta é externa, protegida por uma espécie de mureta cuja terra é retirada da sua própria construção. A outra valeta ou fosso é interna e dista cerca de cinco metros da valeta externa. Ambas formam figuras geométricas, raramente vistas ao nível do solo.

No entorno das duas valetas, que formam figuras circulares, quadradas ou de outras formas, são plantadas, bem juntinhas, fileiras de ananás, planta bromeliácea espinhenta, parente do abacaxi, que funciona como proteção, tanto para humanos como para animais. O grande volume de terras retirado das valetas é acumulado simetricamente nas suas bordas, formando, para quem observa do alto, um desenho geométrico em alto e baixo relevo.

Cada desenho geométrico geralmente possui uma área maior que 150 metros. A construção dessas estruturas pode estar associada aos indígenas de línguas Jê-Pano, Karib, Kaxinawa, Aruak, que também chegaram a habitar a Bolívia e outras áreas da Amazônia brasileira.

Além das formas comuns circulares e quadradas, descobriram-se também retângulos, hexágonos e octógonos com até 350 metros de diâmetro. E, em função do acumulo de terras férteis entre as valetas, os arqueólogos vislumbram que os geoglifos foram construídos para protegerem áreas de cultígenos associados à existência de ocas ou aldeias.

O avanço das pesquisas sobre os geoglifos, principalmente pelo Museu Emílio Goeldi, do Pará, e pelas universidades de Rondônia e Acre, tem motivado vários pesquisadores a produzir dissertações e teses de doutorado.

As pesquisas aumentaram em muito o registro dessas manifestações arqueológicas. Atualmente, só no Acre são conhecidas mais de 500 dessas configurações, que não se restringem somente ao Acre, mas ocorrem também noutras áreas das terras altas da Amazônia e até fora do território brasileiro.

Descobriu-se que há geoglifos que se unem por caminhos retos, às vezes formando outras figuras singulares. Entretanto, esses geoglifos não devem ser confundidos com aquelas figuras imensas que existem no norte do Chile e em Nazca, no Peru. Essas são inscrições feitas no alto ou nas escarpas da Cordilheira e parecem indicar caminhos, como orientação.

Também não podem ser considerados centros de adoração de influência cristã, porque o cristianismo só chegou à região há cerca de 200 anos. As primeiras escavações conduzidas pelo professor Ondemar na região de Xapuri, no Acre, acusam idades situadas entre 2.000 a 2.500 anos A. P.

Outro fator importante a salientar é que não se pode associar os geoglifos como centros cerimoniais de Impérios Civilizatórios, porque a civilização implica uma série de categorias sociais mais complexas. Na civilização existe poder centralizado com divisões de classes sociais, noção de propriedade privada, que o índio brasileiro felizmente não tem.

O brasileiro tende a diminuir a importância da tribal, mas a sociedade tribal é o tipo de sociedade mais equilibrada para o ser humano viver, porque não há diferenças sociais. Felizmente, não temos impérios pré-históricos no Brasil. É possível que os geoglifos tenham sido construídos com base numa orientação religiosa, mas não em função de uma aristocracia.

Esses monumentos arqueológicos são hoje considerados Patrimônios Culturais do do Acre.

 

Fotos: Acervo Altair Sales Barbosa


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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