POESIA DE SER AMAZÔNIA

POESIA DE SER AMAZÔNIA

Poesia de Ser Amazônia

Uma viagem imaginária de percepção do modo de vida na Amazônia – sentida no caminho das águas – ao levar a professora que mora na comunidade da Sova a comunidade do Estirão, no início escolar

Por Clodoaldo Pontes

Um caminho de encantamentos apaixonantes. Em tempo de COP 30, em Belém do Pará, fisga a poesia-realidade da Amazônia, as contradições do debate sobre mudanças climáticas em disputa no mundo e o desejo de uma COP popular, que sonha com justiça climática.

Estamos no estirão do rio. A voadeira corre contra a correnteza. O vento sem chuva balança a mata às margens do Curumitá, nas águas de março. O tempo é sonho, é imaginário, a demora é vida para quem está encantado. Ah, chegar é preciso, por ela, pelas crianças que a esperam na escola. 

O mergulhão boia apressado com peixe ainda no bico e nos acompanha. Dá para ver sua aerodinâmica com os bicos amolados, a velocidade das asas e seu olhar desesperado. O mauari, pausadamente, mais à frente, senta na embaubeira. A garça na premembeca, fica olhando a gente passar. O céu mostra as nuvens de chuva, bem na hora que entramos no furo do rio.

A claridade amável. O sol é companhia.  A mata nos olha. No furo a ternura do sorriso mistura-se com o sabor do vento, o aroma da mata, a meiguice no desvio da ponta de âmago de Touari, derrubado na trovoada da noite. O avoaçar dos cabelos na metade do rosto, tocam os lábios que sorriem para mim. A professora Fátima aprecia o remanso, o voo do socó e da ariramba, que se espantam, a samaumeira e o mulateiropassam rápidos e os murerus dançam no banzeiro.

Iremos longe na memória ancestral, de fartura das águas, de peixe, açaí, mandioca, de animais de carne macia. À distância o isolamento, o cansaço humano. O sangue derramado de Chico Mendes, das águas do Javari, viaja para jamais voltarem, o cheiro que escorre é nobre. As curvas têm luz e solidão. Amores nas águas negras e brancas-barrentas lavam o limo do racismo ambiental, o estereótipo, o dualismo e a desumanidade do mundo. 

De dia o olhar do sol aquece crianças, juventudes, mulheres e homens, translúcidos pelos sons, ventos e cores, do piscar ao céu azul com nuvens e chuvas no caminho da escola. A noite é escuridão, relâmpagos, medo dos bichos. É vida viril. É o melhor tempo. É tempo de vida. É mais alegria, na chegada de dia no porto da comunidade.

As crianças correm alegres pelo corredor da casa à cozinha, fazendo a roda no assoalho. É hora do almoço. Antes de levar a professora Fátima à escola do Estirão do Curumitá, almoçamos no seu Manoel. Ele nos convidou, dizendo:  hoje está caprichado,tem tambaqui cozido, pacu e bodó assado, farinha, pimenta malagueta e açaí. A Dulcineia fez suco de taperebá, Sulinha, uma sobremesa de cupuaçu.

Na cozinha, crianças e adultos ficam sentados no assoalho, no centro da roda ficam a panela e os alimentos. Seu Francisco, vizinho de Manoel, conta histórias de fantasmas da mata, do encontro com a onça e com o sucurijú. Há muitos risos desconfiados, mas reconhecem a coragem.

A jovem Conceição insinua que Jorge, filho de Manoel, tem nova namorada. Manoel lembra que na próxima semana tem reunião da comunidade: vamos planejar o manejo do lago Manarian para a despesca deste ano e daprodução de pirarucu. Dona Raimunda, mulher de Joaquim, levanta-se com os filhos bem alimentados que baixinho combinam ir tomar banho no rio.

Passando rente a mungubeira, saímos do furo. A Professora Fatima agita-se com as águas e o vento forte no Curumitá. Chega-se à escola. As crianças estão esperando-a na ribanceira. É recebida com abraços e beijos. Os pais das crianças também a cumprimentam. A aula já vai começar.

Despeço-me com um abraço, agradece-me com um sorriso meigo. Meu coração está feliz, por ter sentido neste tempo, o tempo da natureza, que fez-me ficar ainda mais encantado.

Daniel, na volta a sua comunidade, iluminado de felicidades, pensa na dimensão de viver na Amazônia. Um lugar de modos e diversidades de vidas. Amazônia é um lugar de comunidades, um lugar alimentado pela natureza. Lembra da sua ancestralidade, que denuncia os desmandos políticos e as violações de direitos na Amazonia. A natureza é um ator político, a natureza tem direitos. É preciso alinhar as ações humanas com a vida da biodiversidade.

Ampliar e criar áreas protegidas e garantir a conservação dos territórios de povos indígenas e comunidades tradicionais. Não é suportável como foram submetidos no passado recente, a planejamentos autoritários que negaram a existência da Amazônia.

E hoje, na Conferência da ONU, na COP 30, em Belém do Pará, se quer simplesmente oóbvio: dialogar como COP Popular singrando corações dos donos do mundo, para acabar com a fome na América Latina, África Subsaariana e Sudeste Asiático, justiça climática sem contradições entre discurso e prática, desmatamento zero e cumprimento do acordo de Paris de vida no planeta, questionar a neutralidade de carbono pela agricultura tropical, de interesse do agronegócio e introduzir a biodiversidade nas políticas públicas de desenvolvimento econômico.

Além de eliminar os vetores de morte, os agrotóxicos, e garantir os de vida, a produção da sociobiodiversidade, agricultura familiar, sistemas agroflorestais saudáveis e sustentáveis, investimentos para assegurar a vida comunitária da Amazônia, com infraestrutura com a arquitetura da região, ciência, tecnologia, direitos sociais e humanidade.

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p style=”text-align: justify;”>Clodoaldo Pontes é Sociólogo

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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