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Subidas e descidas… chegadas e idas pelos rios da Amazônia

Subidas e descidas… chegadas e idas pelos rios da

Gosto de música, isto é fato, afinal sou músico. Bem, na verdade, estou mais pra “tocador”.  Mas tem estilos musicais que me cativam muito, e isso se dá tanto pela beleza da harmonia de sua execução quanto pelas lembranças e sensações que os sons me trazem…

Por Jairo Lima

Em especial, gosto da música e da música Tuareg. Poderia citar vários expoentes dessas vertentes musicais, tão exóticas quanto sensoriais, pelo menos para boa parte do mundo. Ao ouvi-las chego até a sentir a mesma sensação das viagens longas e “intermináveis”, das subidas e descidas de rios, num constante “tô chegando” a cada nova curva dessas veias de água que alimentam a na Amazônia.

Aquela sensação de liberdade que só é experimentada quando nos deparamos com um gigantesco mundo novo à nossa frente, como os rios que cortam e alimentam o mundo ou a imensidão vertiginosa de um deserto. No momento em que escrevo esta crônica ouço essas canções no meu fone de ouvido e não deixo de sentir uma saudade enorme da sensação de estar tão próximo da natureza, pois ela engrandece em nossa pequenez humana, porque assim me sinto parte dessa grandiosidade que tanto nos apequena.

Fico pensando: como explicar essa sensação a quem não a entende, ou que nem esteve perto de entendê-la ou de experimentar? O interminável subir, a expectativa do descer. A percepção de que de nada adianta se ater à prisão silenciosa ou sistêmica do , às lembranças do que se viveu ou à expectativa do que se viverá. 

Mesmo sabendo os caminhos e onde se vai chegar, cada viagem por esse mundão verde que é a não deixa de se ser uma descoberta, um novo viver a cada momento, a cada curva de rio, a cada varadouro vencido.

Ver no horizonte a silhueta de uma aldeia indígena tomando forma e se agigantando, avistar a fumaça das cozinhas subindo preguiçosamente, sentir o cheiro da ou experimentar a forma, por vezes “disforme” da claridade do sol sombreada sob a pálida luz do entardecer, nos enchendo com  uma sensação de vitória, de “chegada”. 

Você sabe o que é essa “sensação de chegada”? Não? Então você ainda tem muito o que viver, pois essa sensação nos enche de um sentimento prazeroso, que mescla alegria, orgulho próprio, e o sentimento do dever cumprido, mesmo sabendo que isso é apenas o começo do que se vai vivenciar.

A ida misteriosa e o retorno transformado. Sempre foi essa a minha sensação ao pular num barco para seguir rumo a “onde o vento aponta”, como dizia minha Helena. Sim, um retorno “transformado”, pois tem-se essa sensação de voltar diferente, com outras sensações e uma nova percepção à sua volta. 

Um vigor ao qual podemos passar incólumes pelos obstáculos e agruras de nosso dia a dia sufocante e compartimento em obrigações, prazos e desilusões, onde se precisa lutar a cada dia com o fantasma da tristeza e impotência ou, pior, com a certeza de que para continuarmos de pé precisamos nos entupir de remédios e palavras de motivação.

Em breve teremos a IV Conferência Indígena da , que será realizada na sede do Instituto Yorenka Tasorentsi, no Acre, em setembro deste ano. Lá, velhos amigos de tantas “rodas de cipó”, das subidas de rios e varadouros se encontrarão. Também, novas amizades serão feitas e novas redes se formarão. Isso tudo é muito importante, mas, neste momento, a canção “Akomaya”, executada pelo querido Iskukua Yawanawá, que ouço agora, faz fluir o meu ser. 

O que faz o meu coração palpitar é, na verdade, saber que em breve viverei tudo isso que descrevi acima, embalando este meu espírito aventureiro e eterno de uma que ainda tem muito o que explorar nas subidas e descidas, nas chegadas e idas pelos rios da Amazônia.

E você “cara pálida”, sabe do que eu estou falando? Não? Pois é… então se liga, irmão!

Foto capa: Andressa Zumpano

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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