Terra, planeta Mulher

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Por Chico Alencar

ELA É nossa totalmente outra, sem a qual jamais existiríamos.

ELA É nossa igual, tantas vezes superior na percepção do mundo e na sensibilidade para com os afundados na “ninguendade”.

ELA É delicadeza guerreira, formosura que floresce, mas se sabe sobretudo caule, tronco e seiva.

ELA É a geradora da , a que arca e cuida, muito mais do que nós.

ELA É beleza quando recusa o padrão consumista da estética e diz “não” aos que insistem em “coisificá-la” como objeto de cama e mesa, sem qualquer ética.

ELA É continuidade da espécie, sem idade, tecida em maravilha: avó, mãe, irmã, companheira e filha.

ELA É vítima secular de discriminação e utilitarismo, em sociedades de diferentes tipos e culturas, com esse traço de desunião: machismo, patriarcalismo, opressão.

ELA É espoliada economicamente, ao longo da história e até hoje, com salários em média 25% menores que os dos homens.

ELA É aquela cujo gênero, aliado à cor da pele e situação social, compõe um dos setores mais vulneráveis e atacados pelo Deus-Mercado.

ELA É o alvo do feminicídio crescente, crime que aumentou mais de 30% entre nós, nos últimos dez anos – reação violenta à sua corajosa afirmação.

ELA É aquela que hoje, nesse exato 8 de março, no – alerta o Atlas da do IPEA e a juíza justa Andréa Pachá – será morta em 13 corpos e histórias, como o foram 4.936 no ano passado, maior número desde 2007.

ELA É atacada e desmerecida, covardemente, por autoridades antirrepublicanas da República e nas redes tacanhas da barbárie, na pessoa de jornalistas, ativistas e lutadoras por seus direitos tão negados.

ELA É aquela sem a qual a não seria.

ELA É, na religiosidade libertadora, o Todo Poderoso , o Deus que faltava, o húmus da humana criatura, a “EvaVida” da divina criação.

ELA, antes de mais nada, É.

E nos reeduca, e se põe de pé.

VIVA O DIA INTERNACIONAL DA MULHER!

Chico Alencar é , escritor e ex-deputado federal pelo PT e pelo PSOL

Artigo originalmente publicado no site A Terra é Redonda

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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