Toca Vó Quirina: Espaço Aberto para a produção agroflorestal no Cerrado

 De como a Toca Vó  Quirina, um sítio pequeno, passou a aproveitar seu espaço para a produção comungada de várias espécies e virou espaço de pesquisas e vivências a serviço da comunidade

Por Vanderlei Luiz Weber e Sinvaline Pinheiro

Dia desses, pelos idos do mês de junho de 2020, voltando das margens do rio Passa Três, em Uruaçu, indo em direção à casinha simples e aconchegante da toca Vó Quirina, conversando com a Sinvaline sobre o espaço no entorno, desmatado antes da sua chegada, nos deparamos com a necessidade de dar vida àquela área, coberta apenas por um capinzal.

Naquele dia, seu Jorge, um vizinho muito solícito em atender as necessidades alheias, se encontrava roçando a área que, segundo a moradora, deveria receber em seguida para que o capim não mais crescesse naquele local. Então, virei pra Sinvaline e lhe disse que, se abrisse mão da queimada, a ajudaria a executar um projeto que iria cuidar de produzir comida para pessoas e animais.

Nascia assim a ideia da produção de pelo Sistema Agroflorestal, em pleno cerrado uruaçuense.

Depois de um período de conversas, visitas e vivências em espaços de experiências agroflorestais em fazendas e ecovilas pelo estado de e após organizarmos o material inicialmente necessário para este modelo de produção, decidiu-se executar a primeira etapa do projeto agroflorestal na toca Vó Quirina. O início da execução foi no dia 2 de outubro do ano de 2020.

O projeto, para além da produção que imita a floresta, pretende aos poucos ir se tornando um espaço de vivências para contato com diferentes espécies frutíferas e medicinais do Cerrado, diversidade de alimentos orgânicos, banhos de rio, oficinas de , utilização e reaproveitamento de produtos do Cerrado, gastronomia tradicional, com a finalidade de ser local de integração das pessoas com a natureza e da formação de uma consciência ambiental respeitadora dos diferentes ecossistemas.

Nessa toada, ao menos cinco etapas de execução já foram realizadas. Etapas essas que contaram com atividades como preparo do solo, abertura e adubação das covas e plantio de mudas frutíferas, tubérculos, leguminosas, hortaliças e plantas medicinais, todas de espécies diversas, na forma de consórcio. Além da constante cobertura orgânica do solo com folhas, pastagem roçada, bagaço de cana e madeiras.

Os desafios deste projeto social, pelo fato de ser o início da experiência, estão se manifestando com certa insistência. Parte deles relacionados ao solo pedregoso, que gera dificuldades de manejo, e às pragas, como as formigas e os cupins que, com sua atividade predatória, atrasam o processo de produção, especialmente das verduras e das frutíferas.

Outros desafios ainda estão por vir, como o de organizar os coagricultores do programa Comunidade que Sustenta a Agricultura (CSA), sua participação por meio dos mutirões e do pagamento de cotas, além do desafio de garantir que os alimentos todos sejam aproveitados de alguma forma, sem que se percam.

No sábado, dia 23/01/21, foi dia de vivência, colheita e partilha. Começou às 8h30, com café da manhã da roça, seguido da observação dos espaços da Toca e de contato com as técnicas de plantio no sistema de agrofloresta, para identificar possibilidade de projetos e organização de outros encontros. No encerramento, foi servido um almoço caipira, com utilização de muitos ingredientes já colhidos na Toca.

De volta para casa, nossos convidados levaram os produtos que colhemos e a cabeça cheinha de verdejantes esperanças de que é possível transformar a cinza em árvores, flores, frutos. Só precisamos de nos dedicar, cuidar, encontrar boas parcerias, e teremos o delicioso prazer de colher o que plantamos com nossas mãos.

E colhemos até por Sinvaline Pinheiro:

À sombra da bananeira

Manhã de sol escaldante, sem vento e recados…

Plantas inclinam o caule pedindo água…

Apresso os gestos para segurar a mangueira, toda a ção tem muita sede.

Minutos, horas, e a água vai entranhando na terra, consigo assimilar alguns agradecimentos…

Após horas debaixo do sol, respiro aliviada com um frescor celestial…

Surpresa, vejo que estou à sombra de uma bananeira muito verde e sagaz…

O cansaço some e nasce um sorrisão…

Em menos de um semestre a terra ergueu os caules, produziu frutos, flores e fungos…

À sombra da bananeira a revive, os sonhos crescem e o desejo de ser, viver e sobretudo amar…

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Sinvaline Pinheiro

Sinvaline Pinheiro – Educadora ambiental. Escritora. Defensora das comunidades tradicionais. Tem quatro publicados, sendo 3 de causos e um de poesias. De Uruaçu – Goiás.

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Vanderlei Luiz Weber – Professor de Direito Ambiental e Agrofloresteiro. Goianésia – Goiás.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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