Trajano Jardim: Reflexões sobre 1964 e 2016, os golpes que eu queria não ter vivido

Golpes de 1964 e 2016, qual a diferença?

Por: Trajano Jardim

Nos dias que antecederam o 1º de abril de 1964, a agitação deixava todos tensos. O comício de 13 de março na Central do Brasil criara um misto de confiança e, ao mesmo , de preocupação sobre que rumo o País tomaria. Cada setor da sociedade tinha uma avaliação particular.

Boatos sacudiam os noticiários dos jornais, do rádio e da televisão, que ainda engatinhava.  O Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) de há muito vinha se reunindo com regularidade, com o objetivo de avaliar a situação e organizar a resistência ao golpe que, na opinião de alguns, “estava em marcha”.

E o golpe que estava em marcha chegou no dia 1º de abril. O dia 2 amanheceu e só aí a “ficha caiu”. E agora? O que fazer? (Voltávamos a Lenin, na derrota de 1905). Naquela época a comunicação não tinha as facilidades de hoje. Os contatos eram interpessoais e institucionais. Concluí que a minha a partir daquele momento iria virar “de ponta a cabeça”.

Não queria acreditar no velho Erasmo, camarada que me filiou ao Partidão, quando profetizou “esse é um golpe para 20 anos”. Infelizmente ele acertou em cheio. Foram exatamente vinte anos, dos quais sete eu vivi na clandestinidade e por quase dois passei exilado na saudosa União Soviética.

Mesmo assim, apesar das muitas baixas sofridas, resistimos à . Reconstruímos, embora de forma frágil e com tropeços, a . Durante a Constituinte de 1988 enfrentamos os mesmos adversários golpistas de 1964. Alinhados no chamado “centrão” impediram progressos sociais consistentes, que poderiam ter feito o Brasil avançar rumo a uma sociedade justa e democrática.

Ficamos no meio do caminho, dentro de um processo híbrido, com as portas escancaradas para o , com suas políticas liberalizantes de entrega do patrimônio nacional.

Embora com incompreensões e equívocos das forças progressistas e de esquerda, em 2003, elegemos um metalúrgico a presidente da República. A esperança ressurgiu. Estávamos diante da possibilidade de construção de um novo processo de voltado para a maioria da população e não acuramos que o inimigo não dorme.

Diante das políticas empreendidas pelo governo democrático e popular, que por certo emancipariam os trabalhadores, os estudantes, as e a população do campo, eles criaram as condições para um novo golpe e, com isso, destruir os avanços conseguidos.

As mesmas forças de 1954, 1961/64, sempre com apoio da grande mídia conservadora e do judiciário-político, criaram o ambiente propício para o retrocesso. Agora com o propósito de retirar as conquistas dos trabalhadores consignadas na Constituição e na Consolidação das Leis do Trabalho, conseguidas a ferro-e-fogo nos processos de lutas, com suor e lágrimas.

Era preciso abalar as estruturas das organizações sociais e sindicais, com o uso de métodos nazifascistas, alicerçados na bandeira da anticorrupção, para ganhar as mentes da classe média despolitizada e dominada pelos meios de comunicação conservadores.

O golpe de 31 de agosto de 2016, tendo como resultado a cassação do mandato de Dilma, embora sem o uso dos tanques e das armas, das e torturas explicitas, foi mais destruidor.

Com métodos políticos similares aos usados pelos nazistas para chegar ao poder, os golpistas de agosto de 2016 criaram um de terror pela via da e podem, inclusive, chegar à suspensão das eleições gerais de outubro.

Daquele 1º de abril que eu vivi nada mudou. As classes dominantes continuam na ofensiva para consolidar o retrocesso social e político e de destruição da soberania nacional.

Foto: https://jornalismoibmec.files.wordpress.com/2014/04/k08_110103911.jpg

Trajano Jardim –  Jornalista e Professor Universitário

 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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