Violações aos Direitos Humanos de Indígenas na Amazônia
Empresas investigadas: Josapar, Paranapanema e Volkswagen…
Por Gilney Viana e Paulo Roberto Ferreira
O Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade (CNV) reconheceu 41 camponeses assassinados durante a ditadura militar e nenhum indígena. Contudo, o Texto Temático da CNV, referente aos camponeses, indica centenas de lideranças assassinadas.
Já em relação aos povos indígenas, o mesmo documento estima em 8.350 o número de pessoas executadas no período de 1946/1988. Em muitos casos, foram identificados os responsáveis, especialmente agentes do Estado. Mas não apontaram empresas que participaram ativamente ou por conivência ou cumplicidade com essas e outras violações aos direitos humanos dos seus empregados, indígenas e camponeses.
Outros relatórios independentes, bem como os da Comissão Camponesa da Verdade, Comissão Pastoral da Terra, do Conselho Indigenista Missionário, indicam um número maior de assassinatos de camponeses e uma variedade enorme de violações aos direitos humanos cometidos por agentes públicos e privados, isto é, por pistoleiros assalariados por empresas.
Essa lacuna da Justiça de Transição no Brasil está agora a ser preenchida a partir do caso exemplar da Volkswagen que, diante das acusações de cumplicidade com a repressão estatal, assinou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério Público Federal, Ministério Púbico do Trabalho e Ministério Público do Estado de São Paulo, reconhecendo sua participação nas violações denunciadas. E disponibilizou R$ 36,5 milhões destinados a indenizações aos empregados atingidos e também para custear novos projetos de pesquisas sobre outras empresas.
Parte desse recurso (cerca de R$ 2 milhões) foi repassada a grupos de estudos e investigações, através da Universidade Federal de São Paulo, que estão apurando a participação de dez organizações: Cobrasma, Petrobras, Folha de São Paulo, Companhia Docas, Itaipu, Fiat, CSN, Aracruz, Paranapanema e Josapar. Busca-se o direito à Memória, à Verdade, à Justiça, e também o direito à REPARAÇÃO EMPRESARIAL, tanto moral quanto material.
PARANAPANEMA E FAZENDA RIO CRISTALINO DA VOLKSWAGEN
Entre as dez empresas investigadas estabelecidas, duas atuavam na Amazônia, a Paranapanema S.A. e a Josapar – Joaquim Oliveira S.A. Participações, além da Volkswagen.
A Paranapanema S.A., na década de 1970, teve um papel importante na construção da Rodovia BR-174 (liga Manaus a Boa Vista), que custou a vida de centenas de indígenas Waimiri-Atroari. A empresa é acusada também de exploração de cassiterita em terras do povo indígena Tenharim, no Igarapé Preto, ambas no estado do Amazonas, com graves danos aos direitos humanos daquele povo.
A Volkswagen, objeto do TAC já referido, voltou a ser investigada pela sua atuação na Amazônia, através da sua subsidiária, Companhia Vale do Rio Cristalino Agropecuária, Comércio e Indústria, instalada no município de Santana do Araguaia, Pará, na década de 1970, com subsídios da Sudam (Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia). Recentemente, em 2022, a empresa foi notificada pela Justiça do Trabalho, por prática de “trabalho escravo”.
JOSAPAR – OBJETO DE INFORME AO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
A Josapar, que atuava na região do Alto Rio Guamá, por meio da sua controlada, a empresa Cia de Desenvolvimento Agropecuário, Industrial e Mineração do Estado do Pará – PROPARÁ (sucessora da Cidapar) e outras, na década de 1980, está sendo pesquisada por um grupo de estudiosos liderados pela professora Alessandra Gasparotto, da Universidade Federal de Pelotas (RS), que coordena o grupo de pesquisa sobre “O caso da Josapar e a violação de direitos humanos de camponeses e camponesas na região do Guamá, Pará (1981-1985)”.
Esse estudo conta ainda, em sua coordenação, com a participação de pesquisadores paraenses como Airton dos Reis Pereira e Venize Nazaré Ramos Rodrigues, ambos da UEPA (Universidade do Estado do Pará); e a colaboração do professor Girolamo Domenico Treccani, da UFPA (Universidade Federal do Pará).
Um documento já foi enviado ao Dr. Enrico Rodrigues de Freitas, Procurador Regional dos Direitos do Cidadão/PR/RS, integrante do Ministério Público Federal, em 31 de agosto de 2022, relatando o estágio atual da pesquisa, que inclui o histórico do conflito e a listagem de posseiros e moradores atingidos, vítimas de homicídios, torturas, estupros, prisões ilegais, destruição de propriedades, violência policial, bem como a atuação da polícia privada da Josapar/PROPARÁ e da Policia Militar do Pará.
O relato destaca o papel da polícia privada, contratada pela Josapar, por meio da PROPARÁ, comandada por James Vita Lopes, que também foi acusado e condenado pela autoria do assassinato do deputado estadual Paulo Fontelles de Lima, que ocorreu em 11 de junho de 1987. Um dos pistoleiros que trabalhava para o chefe da milícia da Josapar, Péricles Ribeiro Moreira, está envolvido no assassinato de outro deputado estadual, João Carlos Batista, morto na frente dos filhos e da esposa, em 6 de dezembro de 1988. Os dois deputados eram defensores dos trabalhadores rurais e apoiadores da causa dos posseiros da gleba Cidapar.
O procurador Enrico de Freitas foi informado também sobre a viagem dos pesquisadores à região do conflito, entre os dias 27 de julho e 2 de agosto, quando foram ouvidas mais de trinta pessoas, entre vítimas, familiares de vítimas e moradores da região que testemunharam os acontecimentos.
Participaram da primeira etapa do levantamento a professora Alessandra Gasparotto, os signatários desta matéria, a professora Regina Coeli, da Universidade de Brasília (UnB), a professora Juliana Patrizia Saldanha de Sousa, a advogada Halyme Antunes e Francisco das Chagas da Silva Vasques, também conhecido como Chico Barbudo, importante liderança política do movimento de resistência da gleba Cidapar.
Uma das primeiras constatações dos signatários desta matéria é que permanece viva, na memória da população da região, particularmente dos mais idosos, a luta travada por Quintino e Abel, líderes da resistência armada na Gleba Cidapar, também conhecidos como “gatilheiros”. Foi também visível a satisfação de moradores ao rever o Chico Barbudo, líder político e sobrevivente daquela luta. Seus testemunhos, sem espírito revanchista, se voltam para o passado para valorizar a luta dos posseiros, que afinal conquistaram a posse de suas terras, e para o futuro, com o reconhecimento dos seus direitos à memória, à justiça e à reparação moral e material.
Aproveitamos a oportunidade para publicar a foto de Chico Barbudo e retificar um equívoco da matéria anterior, assinada por nós (edição 94), cujas fotos devem ser creditadas a Raimundo Dias, conhecido como Zero, Zero, Sete, que na época trabalhava no jornal O Liberal, de Belém (PA).
https://xapuri.info/elizabeth-teixeira-resistente-da-luta-camponesa/