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YAMURIKUMÃ E O MITO DAS AMAZONAS

YAMURIKUMÃ E O MITO DAS AMAZONAS

Yamurikumã e o das Amazonas: A Lenda Revisitada

Por Revista Xapuri

Em 1535, uma expedição liderada pelo navegador espanhol Francisco Orellana deixou sua marca indelével na ao penetrar profundamente na amazônica. Partindo da foz do , Orellana e sua tripulação se aventuraram até atingirem um grande rio de águas escuras, batizado por eles como Rio Negro. Esta jornada, no entanto, não se tratou apenas de uma conquista geográfica. Foi também o berço de uma das mais fascinantes lendas associadas à : o mito das Amazonas, as guerreiras indomáveis.

O Encontro com as Icamiabas

Durante a viagem, Orellana e seus homens encontraram várias aldeias indígenas ao longo do caminho. Muitos desses encontros foram pacíficos, mas outros culminaram em violentas escaramuças. Um dos mais marcantes confrontos ocorreu na região do rio Nhamundá. Ali, a expedição encontrou uma aldeia singular, habitada exclusivamente por mulheres. Estas guerreiras, dotadas de incrível destreza e fúria, repeliram os com tamanha ferocidade que os forçaram a fugir em retirada.

Este episódio foi narrado em detalhes na “Relación”, documento escrito pelo frei Gaspar de Carvajal, que acompanhou a expedição. Carvajal descreveu a luta das , que pareciam personificar as Amazonas da mitologia grega clássica. As mulheres, chamadas de Icamiabas pelos nativos, demonstraram uma força e independência que inspiraram Orellana e seus companheiros a associá-las às lendárias guerreiras gregas, as Amazonas, que segundo o mito viviam sem a presença de homens em suas comunidades.

O Rio das Amazonas

O relato desse encontro com as Icamiabas chegou aos ouvidos do rei Carlos V da Espanha. Fascinado pela ideia de mulheres guerreiras habitando o coração da floresta, o rei decidiu renomear o rio que Orellana havia descoberto. Assim, o rio, que até então era conhecido por diversos nomes, como Rio Grande, Mar Dulce e Rio da Canela, foi batizado como Rio Amazonas. Este novo nome não só homenageava as míticas Amazonas da Grécia Antiga, mas também perpetuava a das corajosas Icamiabas, que se tornaram um símbolo da resistência indígena contra os invasores europeus.

Yamurikumã: O Ritual das Mulheres

Mas o que exatamente motivou a ferocidade das Icamiabas? Muitos historiadores e antropólogos acreditam que Orellana e sua tripulação podem ter encontrado a aldeia em um dia especial: o Yamurikumã. Este era um ritual amplamente praticado em todo o território amazônico, onde as mulheres tomavam os pertences dos homens — cocares de penas, lanças, arcos, flechas e braçadeiras — e se apropriavam do espaço masculino da aldeia.

Durante o Yamurikumã, as mulheres entoavam cantos provocativos, declarando que a aldeia lhes pertencia e que os homens eram seus inimigos. Nesse dia, a aldeia se transformava completamente, passando a ser dominada por uma atmosfera regida pelas regras e tradições femininas. A força desse ritual refletia a importância do papel das mulheres nas sociedades indígenas da Amazônia, um papel que frequentemente desafiava as noções europeias de gênero e poder.

A Repressão e o Esquecimento

Com a chegada dos primeiros europeus à Amazônia, rituais como o Yamurikumã passaram a ser vistos como perigosos e subversivos. As Missões Jesuíticas, que tinham como objetivo converter os povos indígenas ao cristianismo, consideravam essas cerimônias pagãs e proibiram sua prática. A repressão europeia foi tão intensa que, em muitas regiões, o Yamurikumã foi gradualmente esquecido ou se tornou um segredo, transmitido apenas em contextos íntimos e discretos.

No entanto, no alto Xingu, uma região remota e de difícil acesso, o Yamurikumã sobreviveu. Durante décadas, ele foi realizado em segredo, longe dos olhos vigilantes dos colonizadores e missionários. Foi apenas nos anos 1940, com a chegada dos irmãos Villas Bôas, que este ritual foi documentado pela primeira vez no século XX. Os Villas Bôas, conhecidos por sua sensibilidade e respeito às culturas indígenas, compreenderam a importância do Yamurikumã como um símbolo da resistência cultural e da feminina na Amazônia.

A Expedição Yamurikumã 2024

Nos dias atuais, o interesse por rituais indígenas como o Yamurikumã vem crescendo, tanto entre antropólogos quanto entre aqueles que buscam uma compreensão mais profunda das culturas tradicionais da Amazônia. Em resposta a esse interesse, foi organizada a Expedição Yamurikumã 2024, que ocorrerá de 15 a 25 de setembro. Esta expedição oferece uma oportunidade única de vivenciar e aprender sobre este antigo ritual em seu contexto original.

Os participantes terão a chance de visitar comunidades indígenas que ainda praticam o Yamurikumã, observar os preparativos e a execução do ritual, e dialogar com as mulheres que desempenham um papel central na cerimônia. A expedição será conduzida por Renato Soares, renomado fotógrafo e documentarista que dedicou sua carreira a registrar as tradições culturais dos povos indígenas do Brasil.

Preservando a Memória e o Respeito

A Expedição Yamurikumã 2024 não é apenas uma jornada de exploração cultural, mas também um ato de preservação. Ao testemunhar e documentar o Yamurikumã, os participantes contribuirão para a continuidade de uma tradição que quase foi extinta pela colonização europeia. Além disso, essa expedição visa promover um diálogo respeitoso entre as culturas, reconhecendo a importância das tradições indígenas para a cultural e a sabedoria ancestral.

Com apenas quatro vagas disponíveis, a Expedição Yamurikumã 2024 promete ser uma experiência intimista e transformadora. Aqueles interessados em participar devem entrar em contato pelo e-mail renato@renatosoares.com.br para obter mais informações.

A história do Yamurikumã e o mito das Amazonas nos lembram que as lendas e tradições da Amazônia são profundamente enraizadas na realidade e na resistência dos povos indígenas. Embora os europeus tenham tentado suprimir e apagar essas culturas, a força das mulheres indígenas, simbolizada pelas Icamiabas, continua a inspirar e desafiar as narrativas coloniais. O Yamurikumã, com sua celebração do poder feminino, é um testemunho da resiliência cultural e da capacidade das tradições de sobreviver ao tempo e à opressão.

YAMURIKUMÃ E O MITO DAS AMAZONAS
As Yamurikumã do Xingu sob o cair da tarde. Foto: Renato Soares

Texto adaptado e expandido com base no artigo original de Renato Soares.


 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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