O Cerrado quer paz!
Há razões, motivos, condições e requerimentos para que fenômenos físicos e ações humanas aconteçam. Eles amadurecem no tempo e aparecem num espaço, na presença ou na ausência de quem os pode ver e observar.
Desde o primeiro dia em que pus os pés no chão seco do pedaço de cerrado, ao qual demos o nome de Sítio das Neves, e os molhei nas águas frias e limpas do Ribeirão das Lajes, observei acontecimentos e mudanças no comportamento de plantas, de animais nativos e minhas atitudes frente a eles.
Umas das atitudes conscientes da espécie humana, alimentadas por costumes e comportamentos culturais, muito semelhantes aos de qualquer animal com fome, é apropriar-se de bens da natureza em benefício próprio. A mão humana corta árvores, aprisiona e mata animais por necessidade, interesse, medo ou diversão. A labuta dos predadores para preservar a própria vida e a reprodução sabem, por dedução cerebral, que não podem destruir florestas de onde tiram seu sustento. Só a espécie humana faz isso.
Uma das consequências da ação humana na produção de alimentos e na criação de animais domésticos, hoje fortemente apontadas como desastrosas, é a perigosa diminuição da biodiversidade. O complexo natural – árvores, água, animais, cadeia trófica – é uma condição necessária para manter altos índices de biodiversidade importantes para cada forma de vida individualmente considerada.
Nesta corrente do complexo natural faltam muitos elos. A recomposição do complexo natural, o reaparecimento de plantas e animais, a restauração ainda que parcial da biodiversidade dependem de algumas condições.
Ao observar minhas atitudes e meus comportamentos nas relações com a natureza, especialmente com árvores, água e animais, ao longo do tempo, percebi que meu afastamento intencional produzia efeitos surpreendentes.
Compreendi, não sem espanto, que a reconquista dos espaços perdidos, o aparecimento de novas plantas e novas espécies, o retorno de pássaros e animais, normalmente objetos de caça, dependiam de meu afastamento, de minha retirada, de estar a certa distância. A paz depende da retirada do inimigo, do invasor, do dominador.
Na guerra entre a espécie humana e a natureza é imprescindível depor as armas e deixar o campo de batalha. Para que uma população vegetal e animal reconquiste seu espaço, sua terra natal, é necessário que o invasor se retire e volte mais tarde como colaborador. Só a paz vegetal possibilita ao Cerrado reconquistar sua biodiversidade e a convivência pacífica entre florestas, animais e a espécie humana.
Eugênio Giovenardi
Ecossociólogo, Escritor
eugeobservador.blogspot.com.br