Reconstruir o Brasil e garantir direitos
Neste Dia Internacional contra a LGBTIfobia é preciso se amparar no projeto de reconstrução nacional. O objetivo principal é barrar os retrocessos que tanto afetaram a comunidade LGBTQIA+ nos últimos quatro anos.
Por Arthur Wentz e Silva/Revista Xapuri
Nas últimas eleições iniciou-se um caminho árduo de combates à extrema-direita no Brasil. Bolsonaro, derrotado nas urnas e ruas deste país, foi o principal opositor dos direitos LGBTQIA+. Juntamente a sua corja conservadora, seu discurso foi volátil contra a população, constantemente violentada neste país. Como se não bastasse sua inquisição aos nossos diferentes corpos, seu discurso odioso continua vivo dentro da sociedade.
Nesse sentido, derrotar Bolsonaro foi o primeiro trabalho para podermos ocupar os espaços políticos. Ainda que seu projeto político de destruição tenha se afastado do cargo mais alto do executivo brasileiro, encontramos sua herança mais viva do que nunca. É preciso resistir!
São muitos os desafios que leva a população LGBTQIA+ a lutar nos tempos novos do Brasil. Com quatro anos de fascismo, as conquistas foram se desgastando, junto à democracia. Assim, nosso principal papel é reconstruir um país democrático e enfrentador das violências. Sendo assim, a unidade em prol de um país democrático, que evidencie nossos corpos como política pública de garantia de direitos é um caminho dado para superação dos desafios deixados pelo fascismo.
Mercado de Trabalho
O capitalismo é o principal nutriente para a não-garantia de espaços para minorias. Isso é evidente quando falamos de exclusão, violência e preconceito dentro das grandes forças motoras do mercado. A população LGBTQIA+ é constantemente afetada pelos problemas letais do sistema mercadológico.
Em suma, a pesquisa realizada pelo Center for Talent Innovation, com divulgação do Fundo Brasil afirma que 61% dos funcionários gays e lésbicas optam por esconder sua sexualidade dos cargos de chefia e liderança com medo da demissão. Para além, o estudo apontou que 33% das empresas do Brasil dizem não contratar pessoas LGBTQIA+ para cargos de chefia. Acerca da violência, menciona que 41% das pessoas LGBTQIA+ sofreram algum tipo de discriminação em razão da sua orientação sexual ou identidade de gênero no ambiente de trabalho.
Essa violência fica ainda mais explicita quando tratamos da população transsexual. O mesmo estudo narra que 90% de travestis caem na prostituição, devido à ausência de oportunidades no mercado de trabalho, mesmo tendo uma excelente qualificação profissional.
Paralelo a isso, o estudante de Letras na Universidade de Brasília (UnB) e estagiário, Fábio Teixeira menciona as dificuldades de constatação dos recortes de raça e sexualidade no mercado de trabalho: “Devido ao patriarcado heteronormativo, eu como uma pessoa preta e gay, sinto que minhas competências são subestimadas e até mesmo, anuladas perante o que é imposto como “politicamente correto” e “moral” em minha vida profissional. De uma forma nivelada, homens brancos que atendem ao estereótipo masculino normativo são vistas com mais “prestígio” ou dadas como mais competência em mesmas funções que eu mesmo ocupo.”
Segurança
Outro fator que é de fundamental discussão é a segurança. Sobretudo quando se trata da população trans e travesti. Os altos índices de violência exploram o despreparo do Brasil em lidar com isso. Sendo assim, enxerga-se um país que não é seguro para as comunidades que aqui vivem.
Conforme as estatísticas do Observatório de Mortes e Violências contra LGBTI+ no Brasil, ocorreram ao menos 273 mortes violentas a pessoas LGBTQIA+ no país. Sendo, portanto, 228 assassinatos, 30 suicídios e 15 mortes por outras causas. Essas estatísticas apresentam que a cada 32 horas acontece uma morte violenta no Brasil.
Analogamente as pessoas transexuais, o Brasil segue liderando casos de assassinato. A pesquisa revela 167 casos, em que 159 envolvem travestis e mulheres trans, com 58% de composição das mulheres negras e oito homens trans e pessoas transmasculinas, também de maioria negra.
Acesso à saúde
Entendida como direito básico, a saúde ainda é um pilar fundamental na garantia dos direitos à população LGBTQIA+. Nesse parâmetro, o estigma ao HIV e a infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) criam um estereótipo, minimamente adotado pelos aparatos públicos a saúde.
Da mesma forma, no caso de travestis e transexuais, o uso do nome social é um a principal luta dentro de hospitais, clínicas e centros de atendimento. Ainda que o SUS tenha sido o primeiro lugar a adotar o nome social, as realidades se apresentam, em muitos casos, como opressoras. Outro fator que se destaca é a ausência de profissionais devidamente capacitados para lidar com a população trans. Dessa forma, tratamentos clandestinos severamente perigosos à saúde pública se tornam uma opção.
Para pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) o caminho para resolução de demandas e problemas está na Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais. Lançada em 2011, apresenta como principal objetivo na garantia de melhor atendimento na rede pública de saúde.
Angélica Baptista, uma das pesquisadoras do estudo afirma: “A Política Nacional de Saúde Integral das Lésbicas, Gays, bissexuais, Travestis e Transsexuais, do Ministério da Saúde, precisa efetivamente ser colocada em prática. Temos vários estados da Federação que não possuem os conselhos previstos para atender a comunidade LGBTQIA+, conforme indicam dados do aplicativo Dandarah, fruto de projeto de pesquisa da ENSP. Esses conselhos têm o papel fundamental de fomentar uma rede de cuidados para aquela população”.
Acesso à Educação
No que tange a educação, também se percebe um brusco afastamento desses grupos, principalmente no que se relaciona com pessoas trans e travestis. Segundo a V Pesquisa Nacional de Perfil Socioecnômico e Cultura dos (as) Graduandos (as) das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES), realizada em 2018, apenas 0,3% da população universitária do país se identifica como trans.
A evasão também é um cenário real que prejudica e materializa essa construção de violência às pessoas LGBTQIA+. Motivos que levam a tal evasão trabalham com a ideia da violência e ausência de espaços acolhedores dentro de escolas e universidades.
Juntamente com isso, dados da Pesquisa Nacional Sobre o Ambiente Educacional no Brasil 2016, estudados pela Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT) mencionam que 73% dos alunos LGBTs já foram agredidos verbalmente, tendo sua orientação sexual como motivação e 68% por conta de sua identidade de gênero.
Para Diego Ferreira, Diretor de Universidades Públicas da União Nacional dos Estudantes (UNE), o novo período é um período de sonhos, motivados pelo novo processo de reconstrução nacional. Reconhece na Universidade um mecanismo de apresentação real do que acontece na sociedade. Acredita que “um dos desafios é a institucionalização das cotas para pessoas transexuais, como uma medida paliativa, de ação afirmativa, conforme o papel que ela exercerá”. Afirmou ainda que “com a recomposição orçamentária e ampliação desse orçamento é possível sonhar com espaços de acolhimento para a população LGBT+ dentro das universidades.”
O 17 de maio
Em 17 de maio de 1990, a homossexualidade deixou de constar como Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde. Antes da data mencionada, tal orientação sexual era tida como distúrbio mental. A data hoje carrega um sentido mais amplo, sendo reconhecida como o Dia Internacional Contra a LGBTIFOBIA.
Passados 33 anos de reconhecimento da homossexualidade, ainda há grandes desafios correspondentes aos quatro anos de desmonte das políticas de assistência à população LGBTQIA+. Muitos destes desafios vem sendo superados, graças a grande iniciativa de diálogo por parte do atual governo. Entretanto, é preciso buscar mais, muito mais.
Em conclusão, Dani Balbi (PCdoB – RJ), primeira deputada estadual trans da ALERJ, afirmou em tweet na data de hoje (17) “o compromisso da mandata para seguirmos na luta contra a LGBTIfobia e para a luta por direitos para toda a população LGBTQIA+, a fim de romper esse ciclo de violência que permeia a comunidade e garantir uma vida digna e igualitária”.
Balbi, também lembra que apenas em 2018 que a transexualidade foi deixada de ser considerada doença. Fazendo valer a importância das resistências que garantiram conquistas básicas para a população LGBTQIA+ no Brasil. Caso do enquadramento da LGBTIfobia como crime na Lei de Racismo (Lei 7.719/89).
Conquistas recentes
A principal conquista da comunidade LGBTQIA+ se refere a derrota de Bolsonaro nas urnas em outubro do ano passado (2022). A construção da campanha de Lula, desde o início, colocou sob a ótica política, as várias mãos de minorias tão atacadas nos últimos quatro anos pelo projeto odioso na extrema-direita. Apesar disso, o discurso continua intacto e nomes da LGBTQIAfobia se tornam recorrentes nas discussões do Congresso Nacional.
Ainda que tivemos um grande número de parlamentares da extrema-direita com vertentes conservadoras terem sido eleitos no último pleito eleitoral, também tivemos grandes alcances na representatividade destes grupos. Ao todo foram 20 candidaturas eleitas. No Congresso, com a articulação de Duda Salabert (PDT-MG) e Erika Hilton (Psol-SP), temos hoje a primeira bancada trans na história da Casa legislativa.
Para além das conquistas legislativas, temos também o compromisso do Ministério dos Direitos Humanos. Em seu primeiro discurso, o ministro Silvio Almeida afirmou a importância de cada um dos grupos minoritários para o governo federal. Além disso, a articulação e criação da Secretária Nacional LGBTQIA+ vinculada ao Ministério e dirigida por Symmy Larrat.
Já existente em algumas universidades do país, a articulação pela aprovação das cotas para pessoas transexuais e travestis já é uma luta recorrente no cenário político atual. Dani Balbi (PCdoB – RJ) protocolou, na ALERJ, projeto de lei que prevê cotas para trans e travestis nas universidades do Rio de Janeiro. No âmbito nacional, Erika Hilton (Psol – SP) faz pressão para que prática se torne uma realidade consistente.
Arthur Wentz e Silva: Estagiário da Revista Xapuri Capa: Reprodução/Contraf Cut