Ayahuasca: Da Magia à Possível Cura para Alcoolismo e Depressão
Uma nova geração de psiquiatras, psicólogos e cientistas sociais investiga os benefícios da bebida psicoativa para tratar problemas de saúde mental.
Por Pablo Nogueira
Jorge* está na faixa dos 60 anos, trabalha na área empresarial, tem cabelos grisalhos, filhos casados e netos crescidos. As pessoas com quem convive no ambiente corporativo não imaginam que ele participa de rituais religiosos que usam a ayahuasca, o chá alterador de consciência também conhecido pelos nomes de Chá de Santo Daime e Vegetal. Graças à bebida mística, Jorge se tornou abstêmio radical. Uma grande mudança para alguém que, na juventude, era um bebedor de uísque que chegava a comprar várias caixas do destilado de uma vez. “No dia em que compreendi o que era o álcool, abri as caixas e comecei a esvaziar as garrafas na pia da cozinha. Minha esposa ficou chocada”, me contou.
Fanatismo religioso? Talvez não. Sem aderir a nenhuma crença em particular, o cientista americano Robert Rhatigan também recorreu ao chá para superar um problema de alcoolismo. Em 2010, após uma década de tratamentos frustrados, Rhatigan embarcou para a Amazônia peruana, onde participou de quatro rituais conduzidos por um xamã. Numa palestra realizada ano passado, num evento inspirado no TED, ele conta como, sob o efeito da bebida, “viu” os “vários componentes da mente flutuando no espaço, como se fossem as peças de um quebra-cabeça”.
A experiência durou horas, embalada pelos cânticos do xamã e incluiu fortes vômitos. Ao final da cerimônia, ele “enxergou” as peças retornando para dentro de sua cabeça. Aquela que correspondia à sua dependência do álcool não se encaixava mais. Ali soube que estava curado. “Minha transformação ainda não é compreendida pelo modelo ocidental de medicina”, diz.
Mas é provável que o obscurantismo acerca do chá dure pouco tempo. Relatos como os de Jorge e Rhatigan instigam uma nova geração de psiquiatras, psicólogos e cientistas sociais a investigar os benefícios do chá para o tratamento de problemas de saúde mental.
A investigação científica das substâncias capazes de alterar fortemente a consciência humana começou com a descoberta do LSD em 1943. Conheceu um breve período de glória entre as décadas de 50 e 60, antes de ser atropelada pela proibição do LSD em todo o mundo. À época, um dos pesquisadores envolvidos, o psiquiatra inglês Humphry Osmond, batizou as substâncias de “psicodélicas”, palavra derivada do grego que significa “o que revela a mente”.
Desde o inicio do século, a ciência psicodélica, como é chamada por alguns, experimentou um renascimento. Hoje substâncias poderosamente psicoativas, como a psilocibina, a ibogaína e o próprio LSD estão sendo analisadas em hospitais e institutos de pesquisa por todo o globo.
“Na área dos estudos com a ayahuasca, o Brasil é hoje um dos países na vanguarda da pesquisa”, diz Luis Fernando Tófoli, professor do departamento de psicologia médica e psiquiatria da Unicamp e coordenador do Laboratório de Estudos interdisciplinares de psicoativos.
Neste ano, um estudo produzido por brasileiros foi noticiado na prestigiada revista Nature. O trabalho avaliou os efeitos da bebida sobre os sintomas da depressão em dois homens e quatro mulheres, com graus que variavam entre leve e severo. Os participantes ingeriram ayahuasca uma única vez em doses entre 120ml e 200ml preparadas por uma igreja do Santo Daime. Nos momentos seguintes tiveram sua saúde mental monitorada por meio de três diferentes tipos de questionários aplicados em oito ocasiões – o primeira 40 minutos após a ingestão da bebida e o último três semanas depois.
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