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ALDEIA MULTIÉTNICA RECONECTA POVOS INDÍGENAS

Aldeia Multiétnica: (re)conexão com os povos

A Aldeia Multiétnica é um território na Chapada dos Veadeiros dedicado ao fortalecimento das culturas e lutas políticas dos povos indígenas e remanescentes quilombolas, com princípios de preservação, promoção e acesso ao patrimônio material e imaterial brasileiro.

Edição de texto: Iêda Vilas Bôas

Um dos maiores encontros das culturas tradicionais e populares brasileiras, que proporciona uma imersão nos saberes e fazeres originários de nosso País. Uma vivência inesquecível com os habitantes originais da terra brasileira, compartilhando seus modos de vida, cultura e ritos.

Participar desse evento, que envolveu várias etnias, foi um presente do universo pela oportunidade que se teve de aprender, conhecer e praticar atividades culturais com povos de vária etnias. Esse ano de 2019 a Aldeia Multiétnica contou com a presença dos povos Kayapó (Pará), Krahô (Tocantins), Fulni-ô (Pernambuco), Guarany Mbyá (SC), Povos do Alto (Mato Grosso), Xavante (Mato Grosso) e os (Goiás). Conheça um pouco dos povos participantes:

ALDEIA MULTIÉTNICA RECONECTA POVOS INDÍGENAS
Aquivo IVB

Kayapó / Mebêngôkre

O termo “kayapó” foi utilizado pela primeira vez no início do século XIX, porém os próprios índios não se designam por esse nome que foi lançado por grupos vizinhos e significa “aqueles que se assemelham aos macacos” (uma ligação com um ritual em que usam máscaras de macaco).

Os Kayapó preferem se autodenominar “mebêngôkre”, que significa “os homens do buraco/lugar d’água”. Os Kayapó têm a oratória como uma prática social valorizada. Eles se definem como aqueles que falam bem, bonito (Kaben mei). Uma grande representante desse é a guerreira Tuire Kayapó.

As aldeias Kayapó tradicionais são construídas em um círculo de casas ao redor de uma grande praça. No meio da aldeia está situada a casa dos homens, onde as associações políticas, formadas por homens, se reúnem.

Esse centro simboliza a origem da organização social e ritual dos Kayapó, que é de grande complexidade. A periferia da aldeia é constituída por casas repartidas de modo regular, nas quais habitam famílias extensas.

Os Kayapó são monogâmicos. Quando casam, os homens se mudam para o teto da esposa, enquanto as jamais deixam sua residência materna.

Teoricamente, uma casa abriga várias famílias conjugais: uma avó e seu marido, suas filhas com seus esposos e crianças. Quando o número de moradores fica em torno de 40 pessoas, o grupo residencial sofre uma cisão e constrói uma ou mais casas novas próximas à primeira.

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Acervo IVB

Krahô

Os Krahô são conhecidos pelo uso do maracá, um instrumento feito do fruto cuité, utilizado pelos homens para dirigir o canto das mulheres.

A música vocal é um dos aspectos mais elaborados e marcantes da vida ritual e artística dos Krahô. Outra característica da etnia é a tradição dos hotxuás, que são os palhaços sagrados.

Os palhaços desenvolvem um importante papel no cotidiano da comunidade.

Sempre voltados ao riso, atuam em situações do dia a dia, brincando com as possibilidades de ver a vida sob outros ângulos.

Os demais membros da comunidade nutrem pelos hotxuás um grande respeito e afeto.

Maquiados com tintas extraídas do urucum, do jenipapo e de pó de giz, os hotxuás são palhaços por essência; têm disponibilidade para o jogo, a brincadeira e o entretenimento.

O povo Krahô soma dois séculos de contato com os brancos e, nesse tempo, tem vivido reviravoltas em sua situação, ora estão aliados aos fazendeiros, ora sofrem por ataques destes.

O nome Krahô  tem o significado de “pêlo (hô) de paca (cra)”. Alguns indivíduos da própria etnia discordam da tradução, afirmando que Krahô era um nome de origem civilizada.

Os indivíduos da etnia Krahô se autodenominam Mehim, um termo que no passado era provavelmente também aplicado aos membros de outros povos que falavam a língua deles e viviam de acordo com a mesma cultura. Esse conjunto de povos recebe o nome Timbira.

As aldeias Krahô seguem o padrão de disposição das casas característico dos Timbira. Elas vão ao longo de uma larga via circular, sendo cada qual ligada ao pátio central por um caminho radial. Cada casa normalmente abriga mulheres que ali nasceram e os homens que, deixando as moradas de suas mães, vão para as casas das esposas.

O número de moradores da casa não pode aumentar indefinidamente. As casas mantêm sua posição segundo os pontos cardiais mesmo após a aldeia mudar de lugar e as pessoas que nascem em seu seio não se casam entre si.

As mulheres só se incluem como membros com o mesmo critério que os homens nas metades sazonais. Nos outros pares, as solteiras ficam na metade do pai e as casadas na do marido. Embora os homens sejam os participantes por excelência dos grandes ritos, as metades e o grupo de rapazes em iniciação quase sempre têm uma ou duas moças associadas.

Para os Krahô, o indivíduo está genuinamente ligado ao pai, mãe, irmãos, meio-irmãos e filhos por um laço corpóreo de tal natureza que determinados atos (sexo, matar cobra, fumar, falar alto) e o consumo de certos alimentos podem afetar um daqueles parentes que estiver passando por uma crise (período pós-natal, doença, picada de cobra).

São muitos os ritos Krahô. Alguns são mais breves, relativos às crises individuais, como fim de resguardo pelo nascimento do primeiro filho, fim de convalescença, última refeição do falecido etc. Outros são promovidos por iniciativas coletivas ocasionais, como trocas de alimentos e serviços.

Existem ainda os ritos relacionados ao ciclo anual e agrícola, como os que marcam a estação seca e a chuvosa, o plantio e a colheita do milho e a colheita da batata-doce. Há também os que fazem parte de um ciclo mais longo que o anual, como o da iniciação masculina.

Guarani Mbya

O povo Guarani M’byá habita a região meridional da América do Sul, em um amplo território, no qual se sobrepõem os Estados nacionais paraguaio, brasileiro, argentino e uruguaio. Apesar de se reconhecerem cotidianamente pela forma “Mbyá”, sua autodenominação é Nhandeva, termo que quer dizer “nós” ou “nossa gente”, sendo também a autodenominação de vários outros grupos guaranis.

Para se referirem ao grupo identificado pela literatura etnográfica como Nhandeva, os Mbyá usam geralmente a palavra Chiripá.

Os grupos proto-guaranis dos quais descendem os embiás são hábeis ceramistas e cesteiros, produzindo toda sorte de objetos que necessitavam para conseguir, preparar e servir a alimentação de que dispunham.

Em grupos familiares mais ou menos extensos, retiram do ambiente tudo o que necessitavam para a sua existência, desde a coleta de frutos e plantas medicinais, passando pela construção de casas e preparação de armadilhas para a caça, bem como a confecção de cestaria e cerâmica e outras peças utilitárias.

Fulni-ô

Os Fulni-ô também são conhecidos na literatura histórica como Carnijós ou Carijós. A língua materna deles é falada principalmente pelos adultos e os membros mais velhos. Porém, continua cumprindo um papel importante dentro dos rituais sagrados, principalmente dentro do Ouricuri.

Durante esse ritual, que dura os meses de setembro e outubro, todos os Fulni-ô mudam-se para uma segunda aldeia, permanecendo lá até o final da cerimônia. Segundo depoimentos dos próprios indígenas, o povo Fulni-ô é constituído por  cinco outras etnias que se uniram e se fortaleceram:  Tapuya, Carnijós, Foklassa, Brogadá ou Fola.

Exímios artesãos, este povo tem uma ligação com as aves que só um povo que sofre com a ausência de suas matas, rios e caças, poderia ter. Este povo viaja o Brasil para dividir com todos a sabedoria de um povo que conquistou o reconhecimento de suas terras defendendo a coroa na Guerra do Paraguai.

Eles só não imaginavam que ainda assim teriam os limites territoriais de suas terras desrespeitados e que viveriam hoje um dos mais difíceis momentos para a reafirmação de sua identidade.

Abril é considerado um mês de caça para este povo que, sem água, tem na estrada o caminho para gerar renda às suas famílias que permanecem no polígono das secas. Dentro da aldeia, a vida econômica gira basicamente em torno da agricultura de subsistência e também do comércio de artesanatos feitos de palma, como bolsas, esteiras, chapéus e abanos.

Com relação às manifestações culturais dos Fulni-ô, as principais são a dança e a música, inspiradas em vários animais, sendo o Toré o mais tradicional. Os instrumentos mais utilizados são a maráca, o toré e a flauta.

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Arquivo IVB

Xavante

Os Xavante têm a reputação de serem muito agressivos e guerreiros. Os conflitos, em aldeamentos criados pelos não-índios com a intenção de civilizá-los, podem ter contribuído para esta imagem. Para eles, os “brancos” foram os “pacificados”.

Eles se distribuem em várias aldeias no Centro Oeste, no de Mato Grosso. A região, de grande rede hidrográfica, combina a alternância da vegetação de cerrado com a de mata de galeria, rica na matéria-prima da pintura corporal – o urucum.

Rodeados por diversos mananciais, eles se preocupam com a construção de hidrovias, que vão gerar alterações ao ecossistema e no fluxo das águas, além das atividades de agricultura e pecuária nas fazendas. Entre os rituais, o principal é o furo na orelha dos jovens, após confinamento de cinco anos nas Hö, casa que simboliza a passagem para a fase adulta e o momento de se casar com uma índia. Entre as práticas esportivas, apreciam lutas corporais wa’i e corrida de revezamento de tora de , uiwede.

Kalunga

Na língua banto, de origem africana, Kalunga significa lugar sagrado, de proteção. No sentido dado pelos moradores do Sítio Histórico, significa “lugar sagrado que não pode pertencer a uma só pessoa ou família”, ou “lugar onde nunca seca, arável, sendo bom para as horas de dificuldade”.

A terra começou a ser habitada em meados do século XVIII, quando africanos escravizados fugiram em busca de . Os Kalunga representam um povo que se escondeu e luta, há mais de 300 anos, por sua comunidade, pela liberdade e sobrevivência.

O quilombo Kalunga ocupa 237 mil hectares e abriga mais de 4.500 pessoas. São quatro núcleos principais de população: Contenda, Vão de Almas, Vão do Moleque e Ribeirão de Bois, que ficam nos municípios de Cavalcante, Monte Alegre e Teresina de Goiás, na Chapada dos Veadeiros. Esse núcleos são formados por pequenos povoados como Engenho, Diadema, Riachão, Ema, entre outros.

As festas populares dos Kalunga são sua marca registrada. A forte religiosidade do povo é demonstrada por meio dos festejos em aos santos de cada época. As festas são a caracterização genuína da cultura popular, em que o sagrado e o profano se misturam.

Rezas e a dança da Sussa, o tradicional Levantamento do mastro do Divino e a mesa cheia de comidas e bebidas para a Festa do Império Kalunga, com a coroação do imperador e da rainha.

Mais do que comemoração religiosa, as festas têm um papel social. É nessas festas que parentes se reencontram, crianças são batizadas, são realizados casamentos, reivindicações são ouvidas por representantes políticos, etc.

Quando reunidos, a nação Kalunga mostra ainda mais sua humildade, sua alegria e o valor de se preservar as tradições. Sempre dispostos para o e para o festejo, os Kalunga não veem tempo ruim. Um exemplo da brasilidade mais genuína, que mais do que qualquer outra necessidade, requer respeito.

Fonte: Encontroteca 

NOTA DA REDAÇÃO: Este artigo, foi composto e faz parte do legado de nossa Conselheira Iêda Vilas-Boas, que partiu deste mundo em 08/04/2022.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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