Por Zezé Weiss
ATO I – VALDIZA ALENCAR – Seringueira e Sindicalista
CENA 01
VALDIZA – Aqui num cai um pé de pau!
JAGUNÇO – Tem prosa não, dona. Nóis tamo aqui pra dirrubá.
VALDIZA – Rapaiz, cata seus trem e vai imbora. Nóis aqui somo tudo siringuêro. Nóis pesca no mermo rio. Nóis caça na merma espera. Nóis dança no mermo forró. Nóis somu irmão, contra essas dirrubada, nóis temu é qui si ajuntá!
JAGUNÇO – Tem prosa não, dona. Nóis tamu aqui pra dirrubá.
VALDIZA – Rapaiz, faiz isso não. Pra botá boi no pasto, us paulista manda ocêis dirrubá e queimá: dirruba seringuêra, dirruba castanhêra; queima copaíba, queima cumarú, queima tudo. Pode não, mano!
JAGUNÇO – Tem prosa não, dona. Nóis tamo aqui pra dirrubá.
VALDIZA – Pois intão vai tê empate di dirrubada! E é na paiz! As espingarda qui nóis temu é só di caça, em genti nóis num atira. Mais seu patrão pode guspí fogo, qui aqui nóis tamu impatado. Aqui num cai um pé de pau!
JAGUNÇO – Dona, a ordi qui nóis temu é di isparramá u Tordon, é di disfoiá tudo cum essi veneno, pra tirá as imbira, tirá as planta piquena, deixá as capoêra limpa pras motosserra entrá i fazê a dirrubada.
VALDIZA – Rapaiz, tu tá avisado: Motosserra pra entrá aqui, só cum ocê e seus pistolêro passano pur cima di nóis tudo, dus homi, das muié, das criança e dus véio, dus cachorro, e inté dus papagaio. Cê sabi qui é dessi jeito: qui nóis junta todo mundo, vai pra frente dus jagunço e faiz um impate de dirrubada.
JAGUNÇO – Se acarma, dona, deixa qui nóis si ajeita entri us homi, brigo cum muié, não; machuco minino, não; disrespeito os mais véio, não. Eu só priciso é fazê meu sirviço, e é sobre isso qui eu mais os homi vamu tê qui pruseá.
VALDIZA – Rapaiz, agora é eu qui digo: tem mais prosa, não! Pra dirrubá essa mata, a mando dessi povo, qui nóis nunca vimo nem as fuça, ocêis vão tê qui vivê nu remorso di matá gente du seu próprio sangue.
JAGUNÇO – Dona, joga essa praga, não!
VALDIZA – O pió di tudo é qui dispois di fazê o sirviço sujo, ocêis tamém vão sê expulso daqui; ocêis tamém vão vê suas casa invadida; ocêis tamém vão tê suas colocação distruída; ocêis tamém vão amargá o disispero di perdê tudo…
JAGUNÇO – Dona…
VALDIZA – É isso mermo qui ocê tá escutano. Até essis paulista chegá, nóis vivia em paiz nessi nosso pedaço de floresta. Agora é disgraceira pur todo lado, é violência na vida di todo mundo!
CENA 02
CHICO MENDES – Ataque à Floresta (Áudio)
Essa luta da gente é uma história meio assim, meio comprida. Começou a partir de todo o movimento dos empates pela defesa da floresta, principalmente em 76. Em 76, a gente [es]tava no auge, no momento mais acirrado, no momento mais difícil, no momento mais de desespero que já ocorreu nesse Acre. Na época que os fazendeiros começaram a chegar, a partir de [19]70, começa então a expulsão em massa dos seringueiros. Os seringueiros foram expulsos, [viram] seus barracos queimados, suas casas… de repente os jagunços cercavam, tocavam fogo nos barracos. No Seringal Albráçia, em 72, tinha nove pistoleiros. O seringal foi comprado por um paulista por nome Vilela, ele trouxe nove pistoleiros, expulsaram todos os seringueiros dessa região. [E o que é que eles queriam, eles queriam expulsar vocês da região, dos seringais, botar o que no local, eles queriam…] Botar o boi [eles queriam destruir a floresta, desmatar pra botar o boi, é isso? Eles conseguiram destruir a floresta, tirar o seringueiro, tirar a seringueira, a castanheira, as riquezas que existe[m] lá dentro em troca do boi, [de] colocar o boi lá dentro. Ou seja, a substituição do homem na floresta pelo boi. A Bordon nesse momento compra uma grande área no rio Xapuri. A Bordon expulsou em massa e tocou fogo em barraco de seringueiro, matou mulher de seringueiro, queimada. Os outros fazendeiros também reagiram [da mesma forma] e toda a região de Xapuri foi bombardeada. Mais de 70%, naquele momento, dos seringueiros, em desespero são expulsos dessa região aqui e se mandam pra Bolívia e outros pra Rio Branco, pra periferia da cidade, lá. [É] um momento de grande desespero. [Em] 76, eu assumo a diretoria do Sindicato em Brasileia, no Acre. Começa a primeira implantação do Sindicato lá. Em 76, nós sentamos e pensamos: como, como vamos barrar esse processo de desmatamento? Apelamos pra justiça, pro advogado, porque o Estatuto da Terra dá o direito ao posseiro lá na sua colocação não poderia ser expulso. Mas isso, naquele momento, prevalecia a força e o dinheiro. A força policial já vinha em cima do dinheiro do latifúndio. Naquele período de 70 a 76, eles compraram aqui nessa região, seis milhões de hectares de terras, não tiraram um tostão [do bolso], não venderam um boi no sul pra comprar essas terras… [A Bordon? ] A Bordon e outros fazendeiros que vieram do sul do País. Essas terras foram compradas todas com o apoio dos incentivos fiscais da SUDAM. O governo abriu as pernas pra esses latifundiários e, nesses seis anos, nessa nossa região, foram destruídas 180 mil árvores de seringueira, 80 mil castanheiras, e, entre madeira de lei e cedro, o abio, o cumaru-de cheiro, o cumaru-ferro, o amarelão, foram destruídas mais de 1 milhão e duzentas mil árvores, fora as árvores médias que [es]tavam crescendo.
CENA 03
VALDIZA – Coisa abençoada qui é tê rádio! Inda bem qui passô u tempo du patrão proibí o siringuêro di iscutá rádio, cum medo di nóis sabê u preço da borracha, ô di nóis tê nutícia da ditatura deixano os fazendêro botá fogo nu Acre. Inda bem qui nóis demu conta di tê rádio no seringal!
MARIDO – Que nuvidade é essa, muié?
VALDIZA – Tô escutano na rádio, tem um povo em Rio Branco qui ajuda siringuêro a fazê sindicato. Só cum impate nóis num vamu sigurá as dirrubada. Nóis precisa é di ajuntá mais gente, di si organizá mió, di tê mais união. Nóis precisa de ajuda pra fazê um sindicato aqui por Brasiléia.
MARIDO – Indoidô, muié, tu sabe lá u qui é sindicato?
VALDIZA – Sabê, num sei direito, não, mais hei de aprendê. Sei qui é um jeitu di uni os siringuêro pra lutá contra as mardade dus patrão, seje us siringalista, qui já explorô nóis dimais, seje us paulista, qui tão aqui pra ispulsá nóis das nossa colocação.
MARIDO – E tu vai fazê u quê?
VALDIZA – Cum as benção da mãe seringuêra, do caboquinho da mata, di tudo qui é sagrado i que protegi nóis na imensidão dessa floresta, amanhã nu rompê da madrugada eu vô di péis até Brasiléia, e di lá eu pegu um ônibus e vou atraiz dessi povo qui ajuda a fazê sindicato.
MARIDO – E tu pelo meno sabi onde fica Rio Branco?
VALDIZA – Sabê, eu num sei, não, mais eu haverei de achá.
MARIDO – Deixa disso, muié. Tu já tem qui cuidá de mim, qui só ando duente, tu já tem qui cuidá da casa e dus minino, tu já tem qui cortá seringa pra sustentá nossa família, inventa mais nada, não!
VALDIZA – Essa vida nossa é lascada. A gente só dormi cedo e acorda cedo pra cortá siringa na luz da poronga. É correria o dia intêro, pra dá de comê pra família, é só andá por essa mata, sujeito a uma onça cumê ô a uma cobra picá, pr’ainda tê qui sofrê cum invasão di paulista… Dá pra guentá mais não, eu vou atraiz de ricurso!
MARIDO – Muié, tu tem ideia du tamanho da distança qui tu vai tê qui rompê sozinha nus varadôro?
VALDIZA – Andei assuntano. Daqui di casa eu pegu u rumo de Brasiléia. Na minha tuada, são uns 3 a 4 dia. Vou beirano as istrada. Rompu no alumiá du dia, caminho até di tardi, danu cansêra eu vô parano pra durmi nas colocação dus companheiro.
MARIDO – E tu vai sozinha, mermo?
VALDIZA – Vou mais Deus! E di lá eu só vortu cum arguém pra ajudá nóis a fazê u sindicato.
CENA 04
VALDIZA – Eita andança difícil… É passarim cantano, é onça esturrano, é pé inchano, é dia acabano, é noite chegano, é mais dia, é mais noite, i nada di aparecê essa tar de Brasiléia…
VOZ OCULTA – Deixa dissu, vorta pra casa!
VALDIZA – É ruim, heim?! Eu daqui só andu é pra frente, eu só paro quando chegá em Brasiléia, purque é di lá qui eu vô pegá u transporte pra Rio Branco.
VOZ OCULTA – Cê num desiste mermo! …
VALDIZA – E é pra disistí? Tem mais de 100 anu qui nossos pais chegaru aqui, comeru u pão qui u diabo amassô, aprendero a madrugá pra cortar siringa e a brigá pra num ser robado nus barracão da borracha, e quando as coisa miora um tiquim, vem essa bordoada dos paulista botano jagunço pra ixpulsá nóis tudo das nossas colocação…
VOZ OCULTA – Oia lá Brasiléia!
VALDIZA – Minha mãe siringuêra, qui trem grandi qui é essa Brasiléia! Aqui dentro deve di cabê muitas colocação, com as casa, us quintal tudo e us cercado com as criação!
VOZ OCULTA – Sim, sinhora!
VALDIZA – Rodoviária… na rádio falaro qui ônibus pra Rio Branco a gente pega na rodoviária. Bora achá essa danada!
CENA 05
VALDIZA – Meu Jesuis, qui lonjura é essa … Dessi jeitu, num tem farofa qui duri. Ô nóis chega logo in Rio Branco, ô essa lata di carne frita finda, e aí vai sê só u chibé de farinha com água, e oia lá…
VOZ OCULTA – Bem que eu avisei…
VALDIZA – Rio Branco! Qui lugar mais gigante dessi mundo! É luiz di deixá a gente tonta, é casa dimais… Aqui deve di cabê os seringal du Vale du Acre tudo! Eu só num sei é ondi essa gente vai encontrá caça pra alimentá essi povaréu todo…
VOZ OCULTA – Vai achar o povo como?
VALDIZA – Vou achá o bispo, ele haverá de me ajudá.
VOZ OCULTA – E bispo ajuda?
VALDIZA – Tu num cunhece o Dom Moacyr. Tá sempre do lado do pobre. Num tem fraco qui ele num defende. Si tem um qui pode me ajudá, esse um é o Dom Moacyr.
VOZ OCULTA – E acha o bispo como?
VALDIZA – Isso todo siringuêro sabe! Chegano na capital, é só acompanhá a torre da Igreja qui vai dá na casa do bispo, num tem erro!
CENA 06
VALDIZA – Dom Moacyr, benzadeus qui eu achei o sinhô. Já tem é dias qui eu saí lá du seringal. Tenhu passado uns aperto danadu, sinhô bispo, mas vim atraiz de recurso.
BISPO – Dona Valdiza, por Deus, o que é que a senhora está fazendo aqui?
VALDIZA – Vim buscá socorro. Lá pra nóis, chegaru os tar dos paulista e tão acabano cum tudo. Tão botano us jagunço cum veneno e cum motosserra pra dirrubá nossas mata, pra botá nóis pra fora do lugá onde nóis sempre vivemu.
BISPO – Me conte mais sobre o que está acontecendo, minha filha.
VALDIZA – Nossa vida virou uma disgraceira danada. Tão botano fogo em casa de siringuêro cum muié i minino dentru. Nós temu impatado as dirrubada, mais somu fracu. Eu vim atraiz de ajuda pra fazê um sindicato.
BISPO – Minha filha…
VALDIZA – Dom Moacyr, u sinhô é u bispo, u sinhô é a ôtoridade, u sinhô impõe respeito, u sinhô é du nosso lado i nóis sabi qui u sinhô num é frôxo, qui medo u sinhô num tem, intão é cum u sinhô qui nóis têm qui si apegá, nóis precisa da sua ajuda.
BISPO – Minha filha…
VALDIZA – Dom Moacyr, u sinhô num se priocupe. Nóis sabemu qui vai tê perseguição, nóis sabemu qui us fazendêro vão mandá a puliça prendê muitus di nóis, qui pode inté tê morte, nóis sabemu qui tem muita gente vendida, inclusive jagunço qui é parente nosso, mais nóis num tem iscolha e eu daqui só vorto cum gente pra mi ajudá a fazê o sindicato.
BISPO – Pois então vamos lá, dona Valdiza, vamos lá falar com o pessoal do sindicato.
CENA 07
VALDIZA – Dotô, eu iscutei na rádio qui o sinhô tá no Acre pra fazê us sindicato. Lá na nossa região tá bem difícil, é mata cainu, é capim jogado na terra, e nóis siringuêro seno ispulso sem tê lugá pra donde i(r)…
SINDICALISTA – Pois não!
VALDIZA – Nossa vida é na floresta, dotô, fora dela nóis num tem cumo vivê. Nóis precisa do sindicato pra garantí os empate de dirrubada. Eu tenho fé in Deus qui u sinhô vai ajudá nóis a fazê u sindicato.
SINDICALISTA – E como a senhora pensa que podemos organizar o sindicato?
VALDIZA – Dotô, nóis mais ou menu já pensemu numas coisa. O sinhô cheganu lá, nóis ajunta os cumpanhêro e dicide junto cumo é que vai sê o nosso sindicato, nóis vamu ficá muito feliz de criá u sindicato.
CENA 08
VALDIZA – O sinhô seje muito bem-vindu, dotô.
SINDICALISTA – Dona Valdiza, me conta um pouco sobre como é que vocês vivem por aqui.
VALDIZA – Nossas vida é vida de pobre, dotô. A siringuêra é di onde nóis tira u nosso pão. Metade du ano, nu verão, qui pur aqui é quando chovi pôco, de maio até novembro, mais ou meno, toda madrugada nóis sai de casa, teno na cabeça essa lamparina qui nóis chama di poronga, corta as seringuêra da nossa istrada di seringa, dispois nóis vorta colhenu u leite, pra defumá, fazê virá borracha i vendê pra sustentá as nossas casa.
SINDICALISTA – Hum…
VALDIZA – Em abril nóis roça as istrada, qui é pra facilitá nossa caminhada pra dá os corte nas seringuêra. Em agosto, quando a seringuêra troca as fôia, a gente diminui o corte, qui é pra ela tê força pra produzi por muito tempo. É esse nossu jeitu de cortá, nunca machucanu a madêra, qui faiz cum que a seringuêra seje produtiva di avô pra neto e di neto pra bisneto, inté us dia de hoje.
SINDICALISTA – Então a economia de vocês vem da seringueira?
VALDIZA – É qui nem eu disse, doutô. Metadi du ano, nóis corta siringa, na ôtra metadi nóis colhi a castanha, qui cai da árvore nu ouriço da castanheira, nu começo du ano. Além do arroiz e do feijão, nóis também planta macaxêra e milho, pra gente cumê e dá pros bichos di casa. Cum essas duas árvore, nóis tira da floresta os recurso pra comprá u querosene, o sal e tudo o mais qui nóis pricisa de lá de fora.
SINDICALISTA – Quanta riqueza! De fora, vem só isso?
VALDIZA – De fora, é só isso qui vem. O resto, a gente si ajeita por aqui mermo, tiranu u nossu alimento da caça, da pesca e dus roçadu. Até us paulista chegá, era assim qui nóis levava a nossa vida.
CENA 09
VALDIZA – Cumpanherada, bora cumeçá a nossa reunião, qui o dotô tá danu o nomi di assembleia. Daqui hoje nóis sai com o sindicato formado!
SINDICALISTA – Dona Valdiza, primeiro vamos combinar: eu aqui não sou doutor, eu aqui sou só mais um companheiro. É muito bom ver essa união, é animador ver essa conversa bonita de vocês. Agora vocês precisam decidir como vão fazer para formar uma diretoria. Pra fazer um sindicato, a gente precisa de uma diretoria.
VALDIZA – Nóis temu cunversado muito e decidimu que na diretoria fica o Wilson Pinheiro, qui é cumpanhêro muito respeitadu aqui na região, i di secretário fica o Chico Mendes, qui é bem informado i entendi dessa luta di sindicato.
SINDICALISTA – Então fica aprovada a diretoria com o Wilson Pinheiro e o Chico Mendes? Fica criado o sindicato?
VALDIZA – Cum a força dus cumpanhêro!
SINDICALISTA – E eu muito me alegro de dizer que neste mês de dezembro deste ano de 1975, na varanda da casa de paxiúba da seringueira Valdiza Alencar, no Seringal Carmen, na estrada 317, entre os municípios de Brasiléia e Assis Brasil, foi criado o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brasiléia, pra fortalecer a resistência dos seringueiros do Acre e de todos os povos extrativistas da Amazônia! Viva os povos da floresta!
VOZES – Viva! Viva a nossa Luta! Viva o Sindicato! Viva Wilson Pinheiro! Viva Chico Mendes! (Coro pode ser engrossado pelo convite da atriz à plateia para repetir as palavras de ordem).
CENA 10
CHICO MENDES – Mutirão Contra a Jagunçada (Áudio)
Os fazendeiros reagem e dizem que nós [estamos] trazendo dinheiro de fora pra comprar armas, para organizar a guerrilha. Aí chega a polícia federal, o SNI. Mas nós resistimos, a gente insistiu. [Você se lembra, houve mortes, nesse período? ] Sim, eu vou chegar lá. Nesse período então, se organizam várias frentes de luta. E em 79, o maior movimento rompeu-se no Acre, no município vizinho do Acre, fronteira com o Acre, no município de Boca do Acre, do estado do Amazonas, um grupo de seringueiros são ameaçados por jagunços, por pistoleiros, e o Acre, aqui, nós mandamos 300 homens pra cercar o acampamento dos pistoleiros, tomamos todas as armas, eu não fui, mas o companheiro Raimundo, meu primo, foi, e foi o primeiro movimento mais forte que se rompe, que cresce no Acre, liderado pelo companheiro Wilson de Souza Pinheiro, presidente do Sindicato de Brasileia. Isso deu uma repercussão muito forte, e como naquele momento Wilson Pinheiro era a figura principal, nos empates de derrubada, em todo o Acre, os fazendeiros, no mês de junho, todos os fazendeiros da região fazem uma reunião e decidem pela morte de Wilson Pinheiro e de Chico Mendes, que também estava começando a crescer naquele momento. No dia 21 de julho de 1980, eu estava numa Assembleia Sindical no Vale do Juruá, no outro lado do Acre e Wilson Pinheiro estava na sede do Sindicato, assistindo uma televisão com seus companheiros. E nessa noite, um pistoleiro se deslocou pra Brasileia e outro aqui pra Xapuri. O que chegou aqui em Xapuri, perdeu a viagem porque aqui eu não estava. O de Brasiléia acertou em cheio no Wilson Pinheiro. Por ali, no canto da casa, deu três tiros e matou o Wilson Pinheiro. [1980?] 1980. Aquele momento, taticamente, os fazendeiros avaliaram que o Sindicato de Brasileia apesar de ser forte mas ele tava centralizado numa liderança que era o Wilson Pinheiro e que ele deveria morrer, porque matando o Wilson Pinheiro o Sindicato recuaria e eles conseguiriam com isso seu trunfo principal, que era o domínio sobre a terra.
ATO II – CECÍLIA MENDES – Seringueira, Matriarca do Seringal Cachoeira
CENA 11
DONA CECÍLIA – De certa maneira, os fazendeiro acertaram. Aquela morte foi muito violenta, assustou todo mundo. Armaram tocaia no Sindicato e pegaram o Wilson Pinheiro de jeito. Foi morte na hora, sem chance de defesa.
JORNALISTA – Esse assassinato ocorreu como?
DONA CECÍLIA – Os companheiro contam que o Wilson Pinheiro tava lá no sindicato assistindo a uma novela, parou pra jantar e quando voltava pro salão, viu um banco atravessado. Mal ele virou de lado pra ajeitar o banco, já recebeu os três tiro. Um na virilha, outro no braço, outro na nuca.
JORNALISTA – Quanta violência!
DONA CECÍLIA – Violência demais, maldade demais, crueldade demais! O corpo do Wilson Pinheiro foi caindo por cima da mesa do Sindicato. O sangue dele se espalhou pela mesa toda. No dia seguinte, o filho dele encontrou os cartuchos das três balas, junto daquela faixa de sangue quase seco.
JORNALISTA – Foi esse assassinato que desmobilizou o Sindicato?
DONA CECÍLIA – A morte e o que veio depois dela. Na missa de sétimo dia, veio gente do Brasil inteiro, veio o Lula, veio muito sindicalista, veio imprensa. Foi nessa missa que o Lula falou que tava na hora da onça beber água. Os companheiro, é claro, estavam revoltados.
JORNALISTA – O discurso que acabou em processo na Justiça?
DONA CECÍLIA – Os fazendeiro aproveitaram esse clima de revolta pra queimar seu próprio arquivo. Na madrugada, mataram um capataz de fazenda que todos pensavam que era o mandante do crime, e a culpa caiu nos seringueiro.
JORNALISTA – Como assim?
DONA CECÍLIA – Dessa morte em diante, foi desgraça em cima de desgraça. Prenderam as liderança, quebraram os dente, arrancaram as unha deles no torniquete. O Lula, o Chico Mendes, todos foram julgados e condenados. Lei de Segurança Nacional.
JORNALISTA – Então tudo acabou, mesmo?
DONA CECÍLIA – Em Brasiléia não teve jeito, o Sindicato teve que recuar por muitos anos. O que os fazendeiros não contavam é com a Resistência, que veio forte, com o Chico Mendes, a partir do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri.
CENA 12
JORNALISTA – Dona Cecília, a senhora sabe de muita coisa!
DONA CECÍLIA – E eu não sei? Eu vi como a luta começou. Desde que o Chico passou a ser liderança, eu fui acompanhando tudo bem de perto, ele andava sempre aqui pelo Cachoeira, era muito forte a presença dele aqui nessa região de Xapuri.
JORNALISTA – O Chico Mendes?
DONA CECÍLIA – Sim, era meu sobrinho. O pai dele era irmão legítimo do meu esposo. O Chico pra mim era como um filho, ele me considerava muito. Eu tive 15 filhos, já perdi a conta dos netos, passo o dia inteiro e não termino de contar. Mas no meio dessa gente toda, quem me faz mais falta mesmo é o Chico.
JORNALISTA – Então a senhora viu o Chico Mendes crescer?
DONA CECÍLIA – Vi sim, meu filho. Desde muito pequeno que o Chico já era diferenciado. Ninguém nunca entendia aquela doidura dele por café, aquela vontade de saber ler, nem aquela coragem pra se embrenhar sozinho pelo mato quando ficava aborrecido.
JORNALISTA – Desde pequeno?
DONA CECÍLIA – Desde muito pouca idade. O Chico nunca foi de briga, só que de vez em quando ele enfezava. Mas depois que ele cresceu, ele ficou tão calmo, tão bom, tão tranquilo… Quando as pessoas ficavam nervosas, ele acalmava todo mundo.
JORNALISTA – Mesmo?
DONA CECÍLIA – Ele começava dizendo: “Não, assim a gente não resolve nenhum problema. Vem cá, vamos acalmar, vamos conversar…” Quem diria que aquele menino enfezadinho fosse se transformar nessa grande liderança que virou o Chico Mendes!
JORNALISTA – E de onde ele tirou essa capacidade de liderança?
DONA CECÍLIA – Eu tenho pra mim que o Chico já nasceu pra ser líder, ele chegava assim, no meio de uma reunião e logo ele já estava coordenando tudo, era um dom que ele tinha.
JORNALISTA – Mas teve alguém que ajudou na formação política dele?
DONA CECÍLIA – O Chico gostava de dizer que o grande professor que ele teve nas letras e na política foi um homem que a gente conhecia como Pranchão. Eu acho que foi do Pranchão que ele tirou aquela ideia de ensinar o povo a ler, para dar força pro Sindicato.
CENA 13
CHICO MENDES – Euclides Fernandes Távora (Áudio)
Aqui, o patrão não deixava o filho do seringueiro ir pra escola, [era] radicalmente proibido escola em seringais. Eu, por exemplo, comecei com nove anos, engatinhando, aprendendo a andar na mata pra cortar seringa pra ajudar meu pai, por eu tinha que contribuir para o aumento de produção do patrão. Se eu fosse pra escola, se fosse criada uma escola o que que acontecia, a produção ia diminuir porque os filhos dos seringueiros iam ter que ir pra escola (perfeito), iam perder tempo, então o patrão não deixava. O que que acontece, 99% dos seringueiros, dos filhos dos seringueiros, [eram] todos [eles] analfabetos. (Você estudou, né Chico, como é que [vo]cê estudou? ] Bom, eu… o meu professor, (porque você fala muito bem, você estudou… como que você estudou, sozinho? …) Olha, a minha história… (você leu o que, como é que a sua história de conhecimento) A minha história do meu estudo parece até subversão. Eu vivia nessa época nós, muito jovens, juntos, que não sabíamos de nada. Eu tive a sorte, meu pai sabia um pouquinho, o ABC. A minha sorte foi que, no seringal que eu trabalhava, na região que eu morava naquela época, tava a 5, 6 quilômetros da fronteira da Bolívia, [lá] eu descobri um exilado político, companheiro de [Luiz Carlos] Prestes, que foi da Intentona [Comunista] de 35 (riso), foi preso na Ilha de Fernando de Noronha, conseguiu fugir, veio para o Pará, fugiu de Belém também num navio, de calção, foi pra Bolívia, envolveu-se nos movimentos de resistência dos operários bolivianos, e também foi o tempo de repressão na Bolívia, ele não teve como escapulir, ficou encurralado, ele preferiu a opção pela mata, pela floresta. Então ele tinha um barraco (em que local, na fronteira com a Bolívia?) Aproximadamente 7 quilômetros da fronteira com a Bolívia. Então um dia, uma tarde, quando a gente chegava do mato, esse companheiro chegou na nossa casa, a gente tava defumando, ele se agradou de mim, fez um pacto com meu pai para, nos finais de semana, eu caminhar 3 horas de pés numa varação, na selva, pra chegar no barraco dele, que ele interessava em me ensinar a ler. Bom, minhas aulas foram feitas através de recortes de jornais que eu não sei como é que ele recebia. Ele também tinha um rádio e as minhas aulas, parte das aulas, era o seguinte: uma noite, se ouvia os comentários em português da Voz da América, eu não tinha conhecimento com os noticiários internacionais até essa época. Eu não entendia, igual aos outros meus companheiros também. Aí, ele começou a me explicar aquela ideia. Ele começava a me explicar o que que significava aquela ideologia dos americanos e tal. No outro dia, ele me fazia ouvir os comentários da BBC de Londres (no rádio) era o rádio, minhas aulas eram essas. No outro dia, ele ouvia o comentário da Rádio Central de Moscou. Na Rádio Central de Moscou, era na época de 64, tempo do golpe militar, dizia o seguinte: olha, tantas lideranças sindicais no Brasil tão sendo torturadas, a nossa solidariedade internacional aos patriotas brasileiros, que tão sendo torturados, vítima da repressão, da ditadura militar que foi articulada pela CIA, (você pode falar pra gente o nome desse companheiro que ensinou a você ler?) Eu posso, no final eu vou falar. Aí, então, ele me ensinava. A Voz da América dizia, olha, a Revolução Democrática e Popular no Brasil (as duas versões) o perigo do comunismo. Aí ele tirava uma noite pra me explicar… (a situação) a situação, a posição desse aqui, a posição desse (nessa época você tinha nove anos, dez anos?) Não, nessa época eu tinha 19, quase 20 anos já. Mas a gente começou 62, 63. A BBC de Londres fazia um paralelo, ela dava a notícia de um lado e outro, então ele dizia, ó: A BBC de Londres é uma rádio mais ampla, ela não defende a ideologia dos ingleses, do governo, ela divulga o que acontece no mundo, então ele me orientava a ficar mais sintonizado com a BBC. Aí ele me explicou que durante aquele período que a gente tava enfrentando, ele me explicou o que tava acontecendo, apesar de tá isolado, mas que, quem sabe, Chico daqui a cinco, dez, oito anos o movimento de resistência dos trabalhadores vai começar a surgir, vão criar novos sindicatos, a ditadura vai ter que aceitar, agora, vai ser controlado pela ideologia militar, todos esses sindicatos vão ter intervenção (e foi o que houve, mesmo). Agora é o seguinte, você não pode deixar de entrar nesse sindicato, vai chegar, mais hoje, mais amanhã, chegará o sindicato para os seringueiros e você entra, você não pode deixar de entrar no sindicato porque é lá que você vai montar suas raízes, que vai enraizar e eu lhe garanto que, um dia, se eles não te matarem, você vai conseguir ser uma grande força para os seus companheiros. Eu fiquei com aquilo na cabeça, será que isso vai acontecer… O nome dele era Euclides Fernandes Távora.
CENA 14
DONA CECÍLIA – Tem muita coisa da luta que o Chico aprendeu com o Pranchão. Mas tem muita coisa da vida que ele aprendeu foi por aqui, na convivência com o povo dele, aqui no Seringal Cachoeira e nesse mundaréu de floresta, mesmo.
JORNALISTA – Por exemplo?
DONA CECÍLIA – O Chico tinha um respeito danado pelos seres mágicos da mata, ele sabia que, desde que o mundo é mundo, os índios já eram tementes de Mapinguari, o monstro de um olho só, e os seringueiros, depois que chegaram, passaram a adular a ‘Mãe Seringueira” pra garantir a fartura da borracha.
JORNALISTA – Mas ele acreditava nisso, mesmo?
DONA CECÍLIA – Ele tinha respeito. O Chico era muito bom caçador, mas, antes de entrar na mata ele sempre pedia licença pro caboquinho da floresta, pra abater o alimento que ia sustentar sua família.
JORNALISTA – E dava certo?
DONA CECÍLIA – Ele tinha lá os causos dele. Um que ele contava sempre era o do dia em que ele se encontrou com um ser encantado na forma de veado. Ele na espera, cansado. De repente, aparece um veado. Ele aponta a espingarda. O veado vai crescendo, crescendo, até ficar da altura dele na forquilha da galha de árvore de onde ele tentava atirar.
JORNALISTA – E aí?
DONA CECÍLIA – E aí que foi uma correria só. Esbaforido, naquele dia o Chico voltou pra casa sem a comida pros filhos, mas com mais um causo de tirar o fôlego para contar.
JORNALISTA – Um bom contador de causos…
DONA CECÍLIA – Ele sempre tirava um causo desses da cabeça quando queria chamar a atenção de uma visita que pudesse ajudar na luta do Sindicato. Era também o jeito dele de arrumar aliados pra defender essa floresta, que sempre deu sustento pro povo dele.
JORNALISTA – E deu certo?
DONA CECÍLIA – Foi dando. O Chico começou organizando os seringueiros aqui mesmo, pelo Vale do Acre. Depois, ele passou a viajar e a andar com os índios, a falar que todo mundo tinha que se juntar, que era preciso fazer uma grande aliança.
CENA 15
CHICO MENDES – Aliança dos Povos da Floresta (Áudio)
Xapuri, que [es]tava caminhando, engatinhando naquele tempo, retoma o movimento (com força) retoma com força o movimento com uma experiência diferente: a liderança, nós não devemos ter uma liderança única, mas todos os trabalhadores devem ser líderes. Agora, como sempre acontece no movimento dos trabalhadores no Brasil, o pessoal começa a centrar força mais num nome, e esse nome ou por sorte ou azar caiu em cima de mim. É o Chico Mendes que começa a liderar o movimento. Então, nós começamos a pensar o seguinte, começamos a montar as escolas, começamos a construir novas lideranças, com as escolas, em cada escola começam a surgir lideranças porque o seringueiro começa a ter uma visão e começa a participar mais ativamente do movimento. Isso começou a chegar lá fora, a imprensa começa a dar um maior destaque nessa luta de Xapuri. E aí nós pensamos numa ideia, ora, o seringueiro não é reconhecido como classe, poxa, então nós vamos ter que encontrar uma forma de pressionar as autoridades federais, lá em Brasília, que tá o foro das decisões, o seringueiro nunca foi a Brasília e nós vamos ter que defender agora uma forma do seringueiro ir a Brasília e contar a sua história lá. A Mary [Allegretti] começa a articular com algumas entidades, me chama, eu vou a Brasília em maio de 85, e se começa a articular então o Encontro Nacional dos Seringueiros em Brasília. E aí em outubro de 85 a gente marca na história da luta do seringueiro da Amazônia o I Encontro Nacional dos Seringueiros da Amazônia. E isso foi um encontro que ficou histórico na luta dos seringueiros, em toda a história desde 1870 pra cá, aí começa a aparecer os aliados, começa a engrossar a luta nos empates, começamos a ter vitórias. Com essa experiência de Xapuri em realizar esse Encontro Nacional em Brasília, aí nesse encontro se começa a descobrir outras lideranças que viviam isoladas, que desperta a sua consciência e começa então a se expandir pra toda a Amazônia essa luta. E surge a proposta de aliança com as principais lideranças indígenas, a partir daí pra se unificar essa luta dos seringueiros. E aí começa então, com a criação do Conselho Nacional dos Seringueiros, se pensa numa possibilidade de manter contato com a direção da União das Nações Indígenas. Se faz um contato através do Ailton Krenak, a partir com Biraci Brasil, a discussão começa a se ampliar e hoje começa-se já a acontecer os encontros dos índios com a participação dos seringueiros e a Aliança começa a se ampliar. A nível de cúpula ela está ampliada, só falta agora se estabelecer essa Aliança nas bases dos índios com os seringueiros. Denomina se com isso a Aliança dos Povos da Floresta Amazônica.
CENA 16
DONA CECÍLIA – A vida do Chico era só luta e conflito. Mas no meio daquelas ameaças todas, o tinhoso do meu sobrinho conseguiu romper uma inimizade histórica dos índios com os seringueiros e juntou todo mundo pra defender os povos da floresta não só aqui no Brasil, mas no mundo inteiro.
JORNALISTA – O tempo inteiro teve ameaça?
DONA CECÍLIA – Pois não teve? Da morte do Wilson Pinheiro, que ele também era pra morrer no mesmo dia e só não morreu porque quando o pistoleiro chegou pro ataque ele tava de viagem, até o 22 de dezembro, quando por fim deram conta de tirar a vida dele, o Chico sempre foi um cabra marcado para morrer.
JORNALISTA – Marcado pra morrer?
DONA CECÍLIA – A cada luta, era mais um risco. A cada viagem, era mais um perigo. A cada vitória do movimento, o Chico ficava mais perto da morte, e ele sabia disso, mesmo não querendo, ele sabia que ia ser morto.
JORNALISTA – Ele sabia que ia morrer…
DONA CECÍLIA – O Chico sabia que o latifúndio não deixaria ele vivo.
JORNALISTA – O que mais irritava o latifúndio?
DONA CECÍLIA – Tudo era motivo de violência. O latifúndio atacava o Chico por tudo: pela resistência dos empates, pelo sucesso das Reservas Extrativistas, pelas viagens internacionais com a volta pra casa cheio de prêmios, pelo apoio que o movimento ganhava no mundo, pela luta toda.
JORNALISTA – Mas houve algum momento, alguma situação em que a situação ficou mais grave?
DONA CECÍLIA – Eu acho que a gota d´água foi o empate do Cachoeira, porque com esse empate os assassinos do Chico se viram obrigados a ficar de fora do seringal da família Mendes, que é esse mesmo Cachoeira onde todo mundo vive até hoje. Isso já era demais pra cabeça deles.
JORNALISTA – Foi mesmo?
DONA CECÍLIA – Uns dias antes do Chico morrer, ele veio aqui e falou comigo: “Tia, agora acabou, agora o Cachoeira é nosso, mesmo. Agora todo mundo vai ser dono de sua colocação, todo mundo vai ser dono do seu lugar, só que essa luta vai custar sangue, e o sangue que vai derramar é o meu.”
JORNALISTA – Nossa, dona Cecília…
DONA CECÍLIA – Eu dizia: Deixa disso, meu filho. “Mas ele me dizia: “Não tia, não tem jeito: o seringal é nosso, mas eles vão cobrar o meu sangue por isso.” Ele sabia do que ia acontecer… Eu me lembro muito bem do empate do Cachoeira. Foi o último empate com o Chico em vida.
CENA 17
DONA CECÍLIA – Eu me lembro de cada minuto daquela luta. Era maio de 1988. O dia começou quente e tenso. Estava previsto o confronto final na disputa decisiva pelos 25% das matas do Cachoeira. Elas tinham sido griladas pelo mandante do assassinato do Chico Mendes, que você sabe quem é.
JORNALISTA – Um momento decisivo…
DONA CECÍLIA – O empate já durava uns três meses. Do nosso lado, eram mais de 150 homens e mulheres, lutando contra a entrada dos jagunços que, inclusive, tiveram autorização do Juiz de Xapuri para entrar no Seringal. O pessoal formou os batalhões em todas as entradas pra não deixar entrar ninguém.
JORNALISTA – E ninguém entrou?
DONA CECÍLIA – A hora que foi de entrar, o pessoal falou: Não passa! Eles vinham trazendo o oficial de justiça pra ver se assim passavam. Aí quando chegaram e viram aquele montão de gente, o oficial de justiça falou: “quer dizer que não passa? ” E o Chico falou: “Não passa, de jeito nenhum, não passa! ”
DONA CECÍLIA – Enquanto a gente estava empatando a entrada dos pistoleiros no Cachoeira, começou uma derrubada no seringal Equador, que era vizinho. Empatamos lá também, aí o Juiz de Xapuri autorizou a polícia a proteger o desmatamento.
JORNALISTA – O juiz autorizou?
LEIDE – Autorizava sempre. Pra enfrentar seringueiro, a jagunçada vinha com a retaguarda da polícia. Mas a gente resolveu que ia empatar assim mesmo, com o Chico no comando. Do lado deles, uns quantos jagunços, pistoleiros, e a polícia, com ordem de fazer o enfrentamento e tirar a gente da nossa floresta.
JORNALISTA – E então?
DONA CECÍLIA – A situação era tensa. O movimento já tinha feito uns 50 empates, tinha ganhado uns 15. De vez em quando, a polícia parava o empate, pra dar tempo do Chico ir a Xapuri, tentar algum acordo. Naquela madrugada, a gente estava firme dizendo “não passa”, mas o Chico tinha notícia de que não ia ter jeito, ele foi informado que a polícia ia garantir a derrubada.
JORNALISTA – E garantiu?
DONA CECÍLIA – Você sabe, nos empates a gente ia tudo junto, homens e mulheres paravam junto na frente das motosserras. Naquele dia, a Marlene Mendes, que era prima do Chico e professora do Cachoeira, comunicou pra ele que o empate ia ser diferente. À frente iam as mulheres com as crianças, depois os homens, os mais jovens seguidos dos mais velhos.
JORNALISTA – E o Chico Mendes concordou?
DONA CECÍLIA – Não tinha do que concordar. Era decisão das mulheres, ele sempre respeitava. Chegando no Recanto, que era onde estava sendo desmatado, uns 50 policiais estavam no meio do ramal, armados para impedir o empate, a Marlene e as outras professoras do Cachoeira, todas elas seringueiras, começaram, com as crianças, a cantar o Hino Nacional.
JORNALISTA – Qual foi a reação?
DONA CECÍLIA – Aquele foi um dos momentos mais emocionantes da resistência nos empates. Como durante o canto dos hinos pátrios os militares devem estar perfilados, o oficial comandante deu uma ordem e todos os policiais se colocaram imediatamente em posição de sentido para ouvir o Hino Nacional.
JORNALISTA – Que ousadia!
DONA CECÍLIA – A ousadia surtiu efeito. O comandante da operação concordou em adiar o desmatamento. Em Xapuri, no dia seguinte, o Chico não conseguiu cassar a licença do desmatamento, mas deu tempo de um técnico do órgão ambiental encontrar uma irregularidade no tamanho da área a ser desmatada.
JORNALISTA – Que história!
DONA CECÍLIA – Com isso, o Cachoeira e o Equador continuam em pé. O Cachoeira, de fato, depois virou Projeto de Assentamento Extrativista e está na nossa mão até hoje. Mas o Chico tinha razão. Eles cobraram a vida dele por isso.
ATO III – LUCÉLIA SANTOS – Atriz, Diretora, Militante Socioambiental
CENA 18
CHICO MENDES – Reservas Extrativistas (Áudio)
A proposta das Reservas Extrativistas é o seguinte: as terras [es]tão supostamente aí nas mãos dos grandes latifundiários. Em toda a área do Acre, apenas dez donos dominam todo o poderio de terras no Acre. Dez mandantes. O que nós queremos é o seguinte: É que essas terras passem para o domínio da União, que o governo desaproprie essas áreas, que elas passem para o domínio da União, não do Estado, da União, e que elas se transformem em usufruto para os habitantes da floresta, ou seja, para os seringueiros. E aí nós estamos colocando como proposta [o] cooperativismo, nós estamos colocando como proposta prioritária uma melhor forma de comercialização da borracha, a comercialização da castanha; nós queremos criar indústrias caseiras para se dar prioridade às outras riquezas porque, veja bem, quando nós defendemos a Reserva Extrativista, e quando nós defendemos e que nós apostamos que a Reserva Extrativista é economicamente viável para o Brasil, para a Amazônia e para a humanidade, é que nós não defendemos simplesmente hoje só a economia da borracha, não só a economia da castanha, mas a copaíba, os produtos extrativistas que são vários em toda a região da floresta e que estão sendo destruídos: o coco da tucumã, o patoá, o açaí, a copaíba, outra série… falta pesquisa nessa Amazônia, as árvores medicinais que é impossível ser[em] contadas, falta pesquisa… Basta que o governo leve a sério e nos dê essa possibilidade que em pouco tempo nós vamos provar que é possível se conservar a Amazônia e transformar essa Amazônia numa região economicamente viável para o Brasil e para o mundo. (Perfeito!) Isso, nós temos clareza disso!
CENA 19
LUCÉLIA – (Depoimento escrito por Lucélia Santos)
Cheguei a Xapuri no dia primeiro de maio de 1988. Chico já estava em Rio Branco a minha espera no aeroporto. Ele me pegou na porta do avião, o que me deixou muito feliz e emocionada, eu senti por esse gesto um grande carinho. Me senti recebida!
Seguimos pra Xapuri no quatro por quarto do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri, que havia sido presente da Embaixada do Canadá, me contou o Chico. E assim começou meu envolvimento com essa luta que dura até os dias de hoje. Cheguei no meio desse turbilhão de violência e resistência. O convite era para participar do primeiro encontro de mulheres seringueiras do Acre.
Aconteceu dias antes no Rio de Janeiro, no Encontro Nacional do PV, do qual eu era vice presidente àquela altura, e que tinha partido de Alfredo Sirkis o convite a Chico para nos falar sobre o seu projeto de Reservas Extrativistas. Foi a primeira vez que eu o ouvi e fiquei totalmente mobilizada.
Pensei: Esse é o projeto de reforma agrária mais bem equilibrado do qual jamais ouvi antes falar. E com a perspectiva mais visionária de defesa da Floresta e dos povos da floresta, com perfeita harmonia e sintonia entre meio ambiente e economia sustentável, entre os seres encarnados e os seres mágicos da Amazônia. Muito semelhante à questão das terras indígenas. Me lancei em apoio, sem rede de salvação, e foi com esse espírito de luta que cheguei ao Acre.
Lá estava eu cruzando aquela estrada de terra vermelha , a BR364, que fazia parte também do conflito latifundiário que envolvia os fazendeiros locais e Chico Mendes, mais pontualmente o mandante do seu assassinato.
O Acre naquela época era um lugar muito distante, fora da rota de referência do movimento socioambiental brasileiro e menos ainda do resto do planeta. Então resolvi não perder um segundo e perguntar tudo ao Chico, tudo o que pudesse nos atualizar e nos impulsionar na luta em defesa da Floresta.
Foi assim que surgiu essa entrevista que fiz com Chico num daqueles dias, aqui mesmo nesta casa, sentados em bancos de madeira numa mesa como essa e tomando café aguado e com muito açúcar em latinhas de leite moça recicladas.
Durante 33 anos guardei essa preciosidade gravada em fitas cassete, sem conseguir lidar com esse meu luto por muitos anos.
Meu coração seguia triste pela morte extemporânea do companheiro e pela ideia de Brasil que havia sido totalmente transformada em mim. Acabou o romantismo sobre o Brasil que eu alimentava antes, desde a infância, a partir do assassinato de Chico Mendes.
Hoje compartilho as palavras de Chico com vocês sob forte emoção, na voz do próprio Chico, e reafirmo meu compromisso com essa luta e mais, faço questão de sustentar que a história do Brasil tem de ser reescrita do ponto de vista dos trabalhadores e dos oprimidos, dos sem-terra e de todos que não têm ainda suas terras garantidas pelo Estado.
Sua soberania respeitada.
Direitos humanos e direitos culturais respeitados.
Chico, diz aí, como é que você foi parar nos Estados Unidos?
CENA 20
CHICO MENDES – Estados Unidos (Áudio)
Bom, a minha viagem para os Estados Unidos foi interessante. A partir desse Encontro, em janeiro de 1987 eu recebo uma visita da ONU, representante da ONU aqui em Xapuri, da UNEP (a partir do Encontro Nacional?) É, dos seringueiros, e essa pessoa fez questão de ir comigo ao seringal, conhecer a experiência nossa. E quando foi em março, eu fui convidado pelas entidades ambientalistas para uma viagem aos Estados Unidos, a Miami, e essa viagem de Miami que começa então a pegar fogo, que começa então a história do reconhecimento internacional da nossa luta. Daí, da minha participação na Conferência do BID, quando eu denunciei os projetos de desenvolvimento para o Brasil, principalmente para a Amazônia, financiados pelos bancos internacionais, (Banco Internacional…) Banco Interamericano de Desenvolvimento e Banco Mundial, denunciei, a primeira vez na história que um seringueiro conseguiu ir nos Estados Unidos denunciar as políticas de desenvolvimento (deles próprios) deles próprios, financiadas pelos bancos internacionais para a Amazônia. E aí eu pela primeira vez (houve uma fiscalização, dos bancos) os bancos voltar atrás, resolvem fiscalizar, com a minha participação numa audiência no dia 28 de março (deste ano?) Do ano passado, com o chefe da Comissão da Operação de Verbas do Senado Americano, inclusive a Comissão de Verbas do Senado Americano pediu que eu fosse o interlocutor de todos os projetos que são desenvolvidos na Amazônia pelos bancos internacionais, para avisar o que está acontecendo. (E agora me fala sobre essa vinda do BID amanhã, é amanhã que cê vai ter um encontro com o BID, o que é se pretende desse encontro, Chico?) O contato do BID comigo começa também na minha terceira viagem internacional o ano passado, pra Nova York, eu fui levado a Washington, para uma audiência com o BID, e mais uma vez, na sede do BID, eu coloquei a situação dos seringueiros na Amazônia. E o BID, com a pressão das entidades ambientalistas e com o apoio dos grandes jornais americanos, começa então a me reconhecer como uma pessoa séria, como uma pessoa dedicada à causa da Amazônia. Então, o resultado disso tudo é que agora o BID tá chegando no Acre, quer conversar comigo, quer ir comigo numa área de reserva dos seringueiros, e, segundo o que se sabe, eles estão dispostos a acatar a proposta do Conselho Nacional dos Seringueiros, que é criar-se Reservas Extrativistas em todos os pontos estratégicos de conflito na Amazônia, principalmente no Vale do Acre. Essa é a intenção deles: Acatar nossa proposta, e é exatamente isso que nós vamos defender.
CENA 21
LUCÉLIA – (Depoimento escrito por Lucélia Santos)
O latifúndio não deixou o Chico viver para ver implantado seu projeto de Reservas Extrativistas para a Amazônia. As quatro primeiras reservas extrativistas só surgiram depois da morte dele, em março de 1990 e foram criadas por decreto presidencial.
São elas: Alto Juruá e Chico Mendes, no Acre; Rio Ouro Preto em Rondônia; e Rio Cajari no Amapá. Hoje existem Reservas Extrativistas em todos os biomas brasileiros. Só na Amazônia, elas ocupam cerca de 25 milhões de hectares de floresta, onde vivem 1,5 milhão de pessoas.
Em 22 de dezembro de 1988, ao anoitecer, no quintal da sua casinha azul e rosa, nessa pacata rua de Xapuri, aqui mesmo, um tiro de escopeta disparado por um pistoleiro entocaiado, a mando do latifúndio, tirou a vida do seringueiro Francisco Alves Mendes Filho, que acabara de completar, dias antes, 44 anos de idade.
Tiraram a vida de Chico e o arrancaram do nosso convívio; ele nem pode celebrar sua grande conquista junto à companheirada toda: os povos da Floresta. Chico havia afirmado em entrevista, dias antes, quando perguntado sobre as perseguições que vinha sofrendo:- “Eu quero viver. Ato Público e enterro numeroso não salvarão a Amazônia. Quero viver.”
Chico Mendes, o maior líder ambientalista do Brasil, foi enterrado na manhã chuvosa do dia 25 de dezembro de 1988, o Natal mais triste que passei nessa vida! O enterro de Chico Mendes marcou o começo de uma nova etapa de resistência na luta para os povos da Floresta.
CENA 22
LUCÉLIA – Discurso de Lucélia Santos no velório de Chico Mendes (Áudio)
Você foi um dos companheiros mais iluminados que eu tive (…) e dos seres humanos mais puros que eu conheci. Você era o verdadeiro homem da floresta. E a floresta taí, a tua luta taí, o teu projeto social a gente vai continuar encaminhando. Em nome da tua obra, de tudo o que você plantou, de tudo que você ensinou pra esse país e pra todo mundo que te premiou, que te aplaudiu e que vibrou com o teu trabalho. Na terra, gente vai lutar pela punição de quem te matou. A gente vai pedir justiça, justiça pra quem mandou te matar. A gente vai lutar pela Reforma Agrária, pra que outros assassinatos como esse não voltem a acontecer. A gente vai lutar pra acabar com essa UDR nojenta. A gente vai lutar para estabelecer uma democracia de verdade nesse país, que fica dizendo que é democrático e continua matando no campo os trabalhadores no campo. Em maio quando eu vim aqui, a pedido do Chico, pro Encontro das
Mulheres e pra que se tirasse a chapa [da] nova presidência do Sindicato, eu disse, a UDR, nesse dia 1º de maio, eu quero dizer nessa praça de Xapuri que a UDR tem que aprender a respeitar os trabalhadores. A UDR continua não respeitando os trabalhadores. A violência, a brutalidade, a maldade no campo é uma coisa horrível. As pessoas não têm noção do que fizeram matando Chico Mendes. Não tem noção da burrice, da estupidez de matar um homem como Chico Mendes, não que as outras vidas que foram tiradas não tenham o mesmo valor, mas só que o Chico era conhecido no Brasil inteiro, amado no Brasil inteiro, conhecido fora do Brasil, foi premiado na ONU, era um homem de uma luz pessoal extraordinária e que atravessava fronteiras. Nós queremos Justiça! Hoje o Lula disse aqui: Um ministro da Justiça que não pune a morte de 80 camponeses num ano, que se deponha! Fora! Trabalhadores do campo, nós queremos uma Reforma Agrária no Brasil. Nós temos que reabrir esse Congresso, não esperar um ano, nem um dia. Assim que estourar o novo ano, 1989, a gente tem que botar uma campanha nas ruas, pedindo, exigindo, lutando por uma Reforma Agrária. A gente vai continuar unido em nome da vida do Chico, da força do Chico, da luz, do seu brilho, da sua gana, de tudo que ele representou pro movimento ecológico brasileiro e internacional, ecológico e social. Cada gota de borracha que ele tira de uma seringa, que ele quer preservar a árvore em pé, ou de uma castanheira, é cada gota de suor de um trabalhador que tem que se transformar em pão, os trabalhadores têm direito a uma via normal, decente, digna. Em nome de tudo o que o Chico defendeu e que eu tive a honra de poder, humildemente, em algum momento, defender ao lado dele, em nome de todos o sonho de Chico Mendes, em nome de todos os nossos sonhos que são um sonho só, é um sonho de uma sociedade harmoniosa, justa, humana, com pão pro todo mundo, com alegria no coração e o direito a um a Natal com amor e felicidade e alegria. Em nome de toda a vida, de todo o amor, de toda a pureza do nosso companheiro, do nosso amado Chico Mendes, eu abro esse ato, e não adianta a gente continuar repetindo o discurso político, a gente tem que se juntar, se organizar e exigir uma resposta do governo brasileiro.
CENA 23
LUCÉLIA – CONCLUSÃO (Depoimento escrito por Lucélia Santos)
Há exatos 33 anos eu gritava e clamava por justiça pelo assassinato de Chico Mendes e por justiça social aos trabalhadores do campo. Por reforma agrária e respeito aos povos da floresta. Nesses anos todos sempre houve pressão sobre as Reservas Extrativistas e outras áreas de proteção ambiental guardadas por populações tradicionais. Mas nunca tanto quanto agora.
Existe uma articulação de destruição orquestrada pelo Governo Federal e Congresso Nacional, uma sanha criminosa que desmata e queima desbragadamente. Descontroladamente! São milhares de focos de incêndio que se transformam em cinzas dos troncos derrubados; já se vê mais árvores a morrer do que a nascer… já se produz mais gás carbônico do que ela, a própria floresta, é capaz de absorver.
A Floresta sofre. Os animais da Floresta sofrem. Os humanos habitantes da Floresta sofrem.
Os povos indígenas nunca foram tão perseguidos e mortos como agora. Nem as crianças eles poupam! Nesse exato momento em que toda a humanidade sofre junto por causa da projeção irreversível de super aquecimento planetário.
Desnecessário afirmar que a Floresta Amazônica, bem como o Cerrado e outros biomas brasileiros, são protagonistas absolutos no enredo desse embate sobre emissão e redução de gases de efeito estufa. O Brasil é a grande estrela! Os tempos chegaram. Se Chico vivesse ele teria apenas que repetir o que falou, escreveu e criou há 33 anos atrás. Ele estava à frente de seu tempo. Muito à frente!
Já nós, não. Nosso trabalho sem Chico, agora é dobrado, além de repetir, teremos de ensinar as crianças a sobreviver. As matas a sobreviver. Os animais a sobreviver. A nós mesmos a sobreviver.
Penso que a única coisa que nos resta a fazer agora é reflorestar incansavelmente sobre o que foi e vem sendo destruído. Através de muitos projetos de agro floresta; e gritar, espernear, continuar o empate das derrubadas que aumentaram quase que em escala industrial de lá pra cá. Só assim para estancarmos a destruição e a morte.
A própria Reserva Chico Mendes, o Seringal Cachoeira, onde até hoje vive a família de Chico Mendes, está ameaçada. A Resex sofreu um surto de invasão de grileiros, há 3 anos , e se mantém como a unidade de preservação mais desmatada da Amazônia.
Existem projetos no Congresso Nacional que defendem a liberação da criação de gado e exploração de madeira dentro da RESEX Chico Mendes. Regularizam as invasões e legalizam crimes cometidos dentro da RESERVA EXTRATIVISTA, favorecendo a pecuária.
Os criminosos têm nome, sobrenome, CPF e agora, costas quentes! O próprio governo os apoia. Famílias extrativistas voltaram a ser perseguidas e expulsas de suas casas no meio da floresta, de suas colocações, como nos anos 70, pela presença de facções criminosas, pois há trechos na reserva propícios à rota de fuga de quem porta armas e drogas. Isso chama-se narcotráfico!
São tempos difíceis com os quais não contávamos, não sonhávamos, não queríamos jamais… Mas é o que temos pra hoje. E vamos continuar a lutar! E como somos jovens, somos jovens há muito tempo… né? temos de ressignificar a nossa forma de viver na Terra, despertando amor pela Floresta! Onde já há, propagando mais e mais, onde não há, fazendo aspirações e ações concretas para que surja esse amor e ensinando humildemente, mas firmemente, a RESISTIR. Dizemos:
- Aqui não cai um pé de pau!
- Não Passa, não passarão!
- Ninguém abandona a defesa dos povos da Floresta!
- Ninguém desiste do legado de Chico Mendes!
- Ninguém solta a mão de ninguém!
FIM
Zezé Weiss – Jornalista. Escritora. Editora da Revista Xapuri. Peça escrita por solicitação de Lucélia Santos, para honrar a memória e seguir em defesa do legado de Chico Mendes. A construção da personagem Valdiza Alencar foi inspirada em matéria do jornalista Elson Martins – “A mulher do Sindicato”, publicada originalmente em seu blog Alma Acreana e no livro Vozes da Floresta (2008). A personagem de Cecília Mendes foi composta em entrevista da autora com a matriarca, em 2008, e no perfil de dona Cecília, publicado por Gomercindo Rodrigues (Guma) em seu livro “Caminhando na Floresta com Chico Mendes”. Os áudios de Chico Mendes foram gravados por Lucélia durante sua primeira viagem ao Acre, a convite de Chico Mendes, em maio de 1988. As ilustrações internas são de Igor Strochit, diagramador da Revista Xapuri.