Paulo Freire: A Educação como processo de humanização no combate ao Racismo
Compreender o racismo numa perspectiva das ideias freirianas é algo fundamental para construir uma educação direcionada à emancipação daqueles que lutam contra a opressão. Como o foco é a questão racial, a intenção é demonstrar que o pensamento de Paulo Freire é uma grande irradiação no combate ao racismo.
Stânio de Sousa Vieira
É fato que Freire faz sua leitura a partir da perspectiva de classe, não debatendo de forma direta as questões sobre racismo. O pensamento dele é descrito na escola do pensamento marxista. No entanto, a extensa aproximação de Paulo Freire com as ideias de pensadores que condenam a opressão de classe, inclusive numa lógica racial, como Franz Fanon e Amílcar Cabral, proporciona uma interação para entender as ideias freirianas como fundamentais para uma educação antirracista.
A educação como liberdade e emancipação do oprimido contra a imposição do poder do opressor é uma construção ideológica de classe orquestrada de forma bem planejada por aqueles que possuem os meios de produção e objetivam a manutenção da ordem para a legitimação da opressão. No caso do racismo à brasileira, esse processo de opressão foi construído socialmente com sequências históricas baseadas em um processo de aparelhamento ideológico, em que a educação formal, assentada nos bancos escolares, tem sua face bem delineada.
Nesse sentido, na obra Pedagogia do Oprimido, o escritor e filósofo Paulo Freire aborda que a educação serve a pequenos grupos e acrescenta que isso seria uma forma calculista de opressão das massas, para torná-las manipuláveis e alienadas aos interesses dos opressores. Partindo desse ponto, ele lança uma nova perspectiva a essa prática pedagógica, utilizando-se da pedagogia libertadora, que pode levar os oprimidos à liberdade de expressão.
A intenção de Freire é fazer o oprimido socialmente sujeito de sua história, relacionando-se com o mundo, deixando de lado o papel de receptor e tornando-se um mediador do processo. Freire alerta, ainda, que a liberdade da opressão precisa ser coletiva. “Ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho. Os homens se libertam em comunhão” (FREIRE, 1987, p.29).
Trazendo para a nossa análise do racismo à brasileira, essa relação opressor x oprimido tão bem salientada por Freire sintetiza bem o cenário do racismo, em particular, no Brasil. Compreendemos que o racismo é a negação do outro. E como se constrói? Podemos construir essa explicação pela via do pensamento de Freire quando ele aborda no primeiro capítulo, “Justificativa da pedagogia do oprimido”, da obra Pedagogia do Oprimido.
Em observação muito exuberante, ele socializa a construção da ideia de desumanização feita pelo dominador ao dominado, em que se constrói uma deslegitimação ao oprimido para aceitar a sua situação de subalternidade mediante a aceitação dos valores do opressor. Assim, podemos analisar que o racismo é um sistema culturalmente construído e que se baseia na negação, tornando-se legitimo por meio de um processo de desumanização do oprimido.
Na análise de Freire, o papel do educador será de libertar o educando, fazendo com que ele seja um ser social comprometido com uma visão holística da sociedade. A educação bancária retratada por Freire como algo mecânico e depositário de ideias lineares não atenderia à educação, uma vez que não transformaria esse educando. Ora, o racismo, a discriminação, o preconceito são instrumentos, portanto, dessa educação bancária que aposta numa visão positivista e na manutenção do status para controlar a ordem e, assim, impor suas regras a partir da ótica do dominador.
Essas regras de dominação ao oprimido constituídas pelo opressor são detalhadas no sistema de opressão antidialógico, em que Paulo Freire descreve elementos utilizados para a realização da dominação. Podemos ressaltar dois pontos importantes pelos quais o opressor impõe suas regras: a cultura e a divisão das massas. Fazendo a relação com o racismo, essa compreensão de Freire explicando os caminhos de controle do opressor, recorrendo à dominação cultural e à desmobilização política por meio da divisão de massas, constitui a base da naturalização do racismo.
Desse modo, ao analisarmos a estruturação do racismo brasileiro numa abordagem crítica da obra Pedagogia do Oprimido, de Paulo Freire, sem dúvida, constatamos que a educação libertária é uma necessidade real, seguida de problematização para o processo da educação como consciência humana, na perspectiva da humanização, a fim de combater o racismo e suas consequências não civilizatórias.
Stânio de Sousa Vieira – Professor de Sociologia do Instituto Federal do Tocantins. Coordenador Estadual do Movimento Negro Unificado – Tocantins. Coordenador de Formação Política do Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica, Profissional e Tecnológica – Seção IFTO Tocantins.
NOTA DA REDAÇÃO: Matéria enviada por Iêda Leal de Souza – Militante do Povo Negro – Dirigente da CUT, CNTE – Sintego. Coordenadora Nacional do MNU. Conselheira da Revista Xapuri.