Dezenove anos da retomada Xavante em Marãiwatsédé
Dez de agosto de 2004, guerreiros do povo Xavante que estavam acampados há 3 meses na beira da BR 158 recebem a notícia que três de suas crianças vieram a óbito.
Por Ana Paula Sabino
Naquele momento, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas aguardava uma liminar pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que garantiria a ocupação territorial, que desde 1968, após uma remoção forçada, estava ocupada por fazendeiros.
Na década de 60, esse grupo de indígenas Xavante foram expulsos, removidos pelos aviões da Força Aérea Brasileira para dar lugar ao maior latifúndio do mundo.
![Dezenove anos da retomada Xavante em Marãiwatsédé 1](https://xapuri.info/wp-content/uploads/2023/08/xavante_4.jpg)
Os Xavante de Marãiwatsédé quase foram dizimados, enfrentaram epidemias de sarampo e tuberculose. No primeiro momento, foram jogados em uma Missão Salesiana de São Marcos, depois foram construindo aldeias dispensas em outras terras ocupadas por Xavante, mas sempre sentiam que não era o lugar de origem, onde eles escolheram estar.
Por fim, construíram a aldeia Água Branca na Terra Indígena Pimentel Barbosa, um território Xavante já demarcado mais próximo de suas terras originárias. Essa seria uma estratégia para ficar mais perto de suas terras, lá onde era conhecido como a antiga Fazenda Suiá-Missu.
![Dezenove anos da retomada Xavante em Marãiwatsédé 2 Foto antiga wara antes da retirada dos Xavante de maraiwatsede](https://xapuri.info/wp-content/uploads/2023/08/Foto-antiga-wara-antes-da-retirada-dos-Xavante-de-maraiwatsede.jpg)
Ou seja, em 1988, a data contabilizada na tese do Marco Temporal, os Xavante de Marãiwatsédé estavam fora de suas terras. Sendo assim, o retorno dos Xavante às suas terras originárias, lá onde deixaram cemitérios, roças e suas casas, lugar onde o grupo escolheu para fazer a sua morada, não seria garantido, violando o artigo 231 da Constituição Federal.
Uma questão bastante contraditória, ainda mais quando um grupo é removido de forma forçada, sem nenhum entendimento de como será seu futuro.
“Não somos gado para comer tanto pasto”, relatou a professora Carolina Rewaptu, se referindo a degradação ambiental que encontraram em suas terras. Ela lembra, também, que estava com sua sogra, hoje já falecida, no momento da retomada, “ela estava na cadeira de rodas e nem esses desafios impediu a volta para nosso território”.
Os 440 Xavante ficaram acampados na BR 158, morando em barracas de lonas plásticas, aspirando poeira da estrada, bebendo água cheia de coliformes fecais e estavam sendo constantemente vigiados por peões e pistoleiros. Eram 43 barracas, sem acesso à escola e posto de saúde, me lembro bem desse momento, eu estagiava na comunicação da Funai.
Os diversos invasores desmataram e destruíram a Terra Indígena Marãiwatsédé, que chegou a ser considerada a terra mais devastada da Amazônia Brasileira.
Em 2012, o Ministério Público Federal precisou intervir novamente, através de um pedido para suspender uma liminar do TRF1, que impedia o retorno dos Xavante. Além disso, solicitava que o Governo Federal fizesse a extrusão dos invasores e de fato devolvessem as terras aos indígenas.
Porém, a guerra de informações e de cobiça aos territórios dos Xavante ainda continua, hoje, eles estão nas mãos de fazendeiros que insistem na criação de gado ilegal dentro das terras sagradas.
Após quase duas décadas de ocupação e de desafios, o povo Xavante de Marãiwatsédé ainda aguarda por justiça social, ambiental e econômica, de forma que seja respeitado e levado em consideração o modo de vida do povo Xavante.
E por fim, quero lembrar que hoje é um dia de comemorar a retomada e a resistência do povo Xavante de Marãiwatsédé, para tanto temos muito o que reconhecer da luta das lideranças de lá, em especial o cacique Damião Estevão e a professora cacica Carolina, além de todos os parceiros que prezam pelo fortalecimento e garantia dos direitos indígenas.
Ana Paula Sabino – Jornalista e Conselheira da Revista Xapuri. Foto de capa: BBC/ Adriano Gambarini/ OPAN.