Krenak: Admitir indígena na ABL é admitir 200 línguas diferentes

Krenak: Admitir indígena na ABL é admitir 200 línguas diferentes

Escritor e filósofo se disse “muito surpreso” com escolha de seu nome

Por Bruno de Freitas Moura/Agência Brasil

O mais novo imortal da Academia Brasileira de Letras (ABL), o escritor, filósofo e ativista Ailton Krenak considera surpreendente a eleição dele para uma instituição que resguarda a língua portuguesa. Krenak será o primeiro indígena a ocupar uma cadeira na ABL. Ele foi eleito na noite de quinta-feira (5), com 23 votos.  

“A academia é de língua portuguesa, então, admitir o Ailton lá é admitir mais ou menos 200 línguas diferentes”, disse à Agência  e Rádio Nacional.

“Isso não é brincadeira, é como se a academia tivesse se abrindo para uma multiplicidade de diálogos que implicaria traduzir os textos para dezenas de línguas nativas”, observa o escritor que completou 70 anos no último dia 29.

Ailton Krenak se disse “muito surpreso” com a escolha de seu nome para a cadeira de número 5 da academia: “eu fiquei muito surpreso com a minha admissão neste lugar que, historicamente, nunca se abriu para a diversidade das culturas dos ”. 

Um fato que confirma a surpresa é que o escritor não acompanhou a votação na sede da ABL. Ele estava em um táxi, quando recebeu a ligação do presidente da academia, Merval Pereira, com a notícia de que fora eleito.

Para o mineiro de Itabirinha, na região do Vale do Rio Doce, o resultado da eleição rompe uma na ABL. “A academia é uma instituição da lusofonia, da língua portuguesa, ela vigia o bom desenvolvimento da língua portuguesa. O Brasil é um país colonizado onde eu nasci, onde outros parentes nasceram de várias etnias”, diz.

Direito na Constituição

Autor das obras Ideias para adiar o fim do  (2019), A vida não é útil (2020), Futuro ancestral (2022) e Lugares de origem (2021), entre outras, Krenak é ativista socioambiental e pelos direitos dos povos . Um dos marcos na trajetória dele foi o discurso que fez na Assembleia Constituinte, em Brasília, em 1987.  

Representando a União das Nações Indígenas, ele subiu à tribuna de terno claro e pintou o rosto de preto em uma crítica ao que classificava como postura anti-indígena nas discussões parlamentares. Foi uma voz ativa para que a magna brasileira garantisse os à e à .

A eleição para a ABL aconteceu justamente no dia em que a Constituição completou 35 anos. Passadas essas três décadas e meia, Krenak avalia que a Constituição Cidadã é fundamental para os povos originários. Ele ressalta o papel do Supremo Tribunal Federal (STF) para o cumprimento dos direitos garantidos pela lei. “Se não fosse assim, os povos indígenas teriam sido triturados”.  

Exemplo

Preocupado com o legado para representantes de comunidades indígenas, o novo imortal diz que não deixa uma mensagem, mas sim, exemplo.

“A gente não deixa mensagem, deixa exemplo. Quem convive comigo, outros jovens indígenas, crianças, meus netos, eles têm o meu exemplo, eles que escolham o que querem fazer”.

Novas gerações

A trajetória de Krenak inspira outros artistas de origens indígenas. Um deles é a ativista e artista visual Daiara Tukano. “Ele é um pensador de Brasil e sua flecha é afiada”, disse à Agência Brasil.  

Para Daiara, o acolhimento de Krenak pela ABL significa “muito mais que a chegada da primeira pessoa indígena nesse grupo historicamente fechado e dominado por homens brancos”.  

“Ailton tem a rara qualidade de ser um corpo coletivo de território e pensamento. Caminha acompanhando as histórias de muitos povos e embalado nas vozes dos rios, das florestas e da própria . Sua produção é mais que literária: carrega a força da oralidade que bate na alma ao declarar que o amanhã não está à venda, que a vida não é útil e o futuro é ancestral”, disse a artista plástica, inspirada em nomes de obras do novo imortal.  

“Ele está espalhando sementes que conseguem segurar a terra no seu lugar, que nos permitem pensar em outros futuros”, conclui Daiara, que espera ver mais representantes de minorias eleitos para a ABL, para que a população brasileira “de fato, se reconheça”.

“Que possam vir não apenas os indígenas. Eu quero ver o mestre Antônio Bispo, com o pensamento quilombola, contracolonial, a Conceição Evaristo, uma mulher negra, uma filósofa”, conclui.

A eleição desta semana na ABL foi marcada pelo fato de ter dois candidatos representantes de minorias. O também indígena Daniel Munduruku ficou em terceiro lugar, com quatro votos. A historiadora Mary Del Priore obteve 12.

A posse de Krenak ainda não está marcada, mas deve ocorrer em 2024, segundo informações da ABL. A cadeira número cinco, era ocupada por José Murilo de Carvalho, morto em 13 de agosto de 2023.

*Colaborou Cristiane Ribeiro, repórter da Rádio Nacional

Edição: Denise Griesinger

Fonte: Agência Brasil Capa: Wikimedia/Coletivo Garapá


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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