SENADO APROVA O PL DA DEVASTAÇÃO AMBIENTAL
Com 54 votos favoráveis e 13 contrários, o Senado Federal aprovou na noite desta quarta-feira (21/5) o Projeto de Lei 2.159/2021, que enfraquece profundamente as normas de licenciamento ambiental no país. Considerada a mais significativa ofensiva à legislação ambiental desde a promulgação da Constituição de 1988
Por Maria Letícia/Revista Xapuri
A proposta teve como principal articulador o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, e amplia os retrocessos do texto já aprovado na Câmara dos Deputados em 2021. Entre os pontos mais controversos está a inclusão da Licença Ambiental Especial (LAE), inserida por emenda do próprio Alcolumbre, momentos antes da votação.

ATAQUE AOS POVOS INDÍGENAS E QUILOMBOLAS
O Projeto de Lei 2.159/21, conhecido como “PL da Devastação”, representa um dos maiores ataques já registrados às conquistas ambientais e sociais do Brasil. Apresentado com o argumento de “simplificar” o processo de licenciamento ambiental, o projeto, em tramitação no Senado desde 2021, ameaça desmontar o principal mecanismo de proteção da natureza, da saúde pública e da vida — e, de forma direta, os direitos dos povos indígenas, comunidades quilombolas e tradicionais.

Entre os pontos mais alarmantes está a limitação da atuação de órgãos responsáveis pela defesa dessas populações, como a FUNAI, que só poderá interferir em casos que envolvam terras oficialmente demarcadas. Na prática, isso significa que territórios em processo de reconhecimento ou ainda não homologados ficarão desprotegidos diante de projetos que podem causar impactos profundos. Para os autores da proposta, essas comunidades simplesmente não existem.
Outro ponto extremamente grave é a exclusão da exigência de consulta livre, prévia e informada às comunidades que podem ser afetadas por grandes empreendimentos, em total desacordo com a Convenção 169 da OIT, da qual o Brasil é signatário. Segundo Grégor Daflon, da Frente de Povos Indígenas do Greenpeace Brasil, ao ignorar o direito de escuta das populações impactadas, o Congresso demonstra desrespeito aos compromissos internacionais assumidos pelo país.
A exclusão dessas comunidades dos processos decisórios aprofunda a histórica violação de seus direitos. De acordo com a Comissão Pastoral da Terra (CPT), em 2024 os povos indígenas foram os mais afetados por conflitos no campo, respondendo por 29% das vítimas diretas de violência fundiária, além de serem os mais atingidos nos conflitos pela água. Esses dados mostram como a violência cresce quando há omissão do Estado — cenário que tende a se agravar com a aprovação desse projeto.
Daflon ressalta que o texto atual transfere os danos ambientais dos grandes empreendimentos para quem não tem culpa, aprofundando a invisibilidade de povos originários, quilombolas e comunidades tradicionais. Ao facilitar a apropriação de territórios não reconhecidos oficialmente, o Congresso atua contra os direitos humanos e em favor de um modelo econômico predatório, que não respeita a floresta nem as pessoas.
RETROCESSO AMBIENTAL
Em nota, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) reforçou que o PL representa uma “desestruturação significativa do regramento existente sobre o tema”, além de “representar risco à segurança ambiental e social no país”.
A pasta também alertou que a proposta “afronta diretamente a Constituição Federal, que no artigo 225 garante aos cidadãos brasileiros o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, com exigência de estudo prévio de impacto ambiental para instalação de qualquer obra ou atividade que possa causar prejuízos ambientais”.
A declaração do MMA se soma às críticas de movimentos sociais, organizações ambientais e representantes de povos indígenas e comunidades tradicionais, que denunciam os riscos de invisibilização e violação de direitos caso o projeto seja aprovado.
LEIA ABAIXO DECLARAÇÕES DE ESPECIALISTAS DO OBSERVATÓRIO DO CLIMA:
“O Senado, liderado por David Alcolumbre, cravou nesta quarta-feira a implosão do licenciamento ambiental no país. O texto ainda irá à Câmara dos Deputados, mas no retorno à Casa iniciadora muito pouco pode ser feito para corrigir os seus inúmeros problemas e inconstitucionalidades. O licenciamento se transformará, na maioria dos processos, num apertar de botão, sem estudo ambiental e sem avaliação de impactos ambientais. Contribuíram para o resultado a visão arcaica e negacionista da bancada ruralista, a miopia de representantes do setor industrial que querem meio ambiente só na esfera discursiva e a lentidão e fraqueza do governo federal em suas reações no Legislativo. Lembraremos por muito tempo do dia em que se fragilizou completamente a principal ferramenta de prevenção de danos da Política Nacional do Meio Ambiente.” Suely Araújo, coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima.
“Dentre os diversos problemas do texto aprovado no Senado, o jabuti que altera a Lei da Mata Atlântica abre caminho para o desmatamento. Impacta justamente os 12% do que resta da cobertura original da Mata Atlântica, responsável por serviços ambientais essenciais, como a segurança hídrica, climática, a biodiversidade e o bem estar da população. É uma distorção sem precedentes que leva o Brasil na contramão do Acordo de Paris e potencializa tragédias climáticas.” Malu Ribeiro, diretora de políticas públicas da SOS Mata Atlântica
“Hoje foi um dia de derrota para a nação brasileira. Um retrocesso ambiental, agravado pela criação de um novo instituto, que é a Licença Ambiental Especial e que, na prática, torna o procedimento de licenciamento para os casos definidos como estratégicos para o governo como de rito unitário e político, definido pelo Conselho de Governo. Desrespeita os povos e comunidades tradicionais, o meio ambiente e toda a população brasileira, que ficará cada vez mais sujeita aos crimes e degradações ambientais.” Alice Dandara de Assis Correia, advogada do Instituto Socioambiental (ISA)
“O resultado da votação do PL 2.159 é de terra arrasada. Todos os parâmetros técnicos e científicos que embasam o regramento ambiental atual foram desmontados. O Brasil está voltando ao padrão de desenvolvimento que criou exemplos como o de Cubatão, com gravíssimos danos à saúde pública, ao meio ambiente e até mesmo ao desenvolvimento econômico. Todos os posicionamentos apresentados em destaques pela sociedade civil baseavam-se na Constituição Federal, em acordos internacionais firmados pelo Brasil e na ciência. O que se anuncia a partir dessa votação é mais um desmonte de processos participativos da democracia a olhos vistos – também daqueles que foram eleitos para protegê-la.” Marcos Woortmann, diretor adjunto do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS)
“A Licença Ambiental Especial (LAE) dá um bypass perfeito para aprovar projetos polêmicos. Vai ser como uma rota alternativa que contorna o Ibama e seu corpo técnico. Enquanto analistas que têm o dever de Estado deixam de avaliar os riscos, a LAE faz valer a vontade de quem tem a caneta. Não se trata de agilidade, mas de um atalho perigoso, cujo resultado serão obras sem o crivo de quem entende de impactos reais, e o país pagando a conta em conflitos, degradação e desastres anunciados.” Mariana Mota, gerente política do Greenpeace Brasil
“A votação de hoje do PL do Licenciamento Ambiental evidencia a irresponsabilidade, o negacionismo climático, o desconhecimento sobre a matéria e os interesses econômicos do Senado Federal. O retrocesso aprovado ameaça vidas, biomas e o desenvolvimento seguro do país. Os empreendimentos que se beneficiarão dessa medida são os mesmos que trazem contaminação, tragédias, condições degradantes de trabalho, jornadas exaustivas e redução de direitos. Aliado a esse conjunto de ameaças está também a degradação da saúde da população brasileira com um ambiente cada vez mais devastado.” Letícia Camargo, consultora de advocacy socioambiental do Painel Mar
“Com a aprovação do PL 2159/21, o Senado Federal promove o desmonte do licenciamento ambiental e ataca diretamente os direitos humanos, ao ampliar isenções e autorizar o autolicenciamento sem estudos técnicos ou condicionantes eficazes. A completa ausência da palavra ‘clima’ no texto – justamente no ano da COP 30, que será realizada no Brasil – expõe nosso país a retrocessos inaceitáveis, deixando comunidades vulneráveis à contaminação de solo, água e ar, ao aumento de riscos de desastres e ao deslocamento forçado.” Thales Machado, assessor de defesa dos direitos socioambientais na Conectas Direitos Humanos
“É inaceitável que, em plena emergência climática, o Senado escolha fragilizar ainda mais o controle ambiental, violando acordos internacionais e isolando o Brasil das boas práticas globais. Ao fazer isso, ignora o papel vital das florestas, dos rios e da biodiversidade na regulação do clima e na proteção da vida. O PL 2.159 sinaliza ao mundo que o Brasil está disposto a sacrificar seu maior patrimônio coletivo em troca de interesses políticos imediatistas. É uma decisão que nos afasta da liderança ambiental e mergulha o país em um caminho perigoso de destruição silenciosa, desigualdade e impunidade.” Ana Carolina Crisostomo, especialista de conservação e políticas públicas do WWF-Brasil
“O falso discurso da segurança energética se consolida hoje com a lamentável aprovação do PL da devastação no Senado – em especial o Art. 10. Abre-se a principal porteira para acelerar a expansão do gás fóssil no Brasil com o licenciamento simplificado para térmicas a gás. O tempo urge pelos vetos presidenciais.” Renata Prata, coordenadora de advocacy e projetos do Instituto Arayara
“A Proteção Animal Mundial lamenta a aprovação do PL da Devastação (PL 2159/21) no Senado Federal. O texto, da forma como está, terá um efeito catastrófico na nossa fauna silvestre. Infelizmente, o Senado segue priorizando um modelo de desenvolvimento que vitima nossa biodiversidade.” Natalia de Figueiredo, gerente de políticas públicas da Proteção Animal Mundial – World Animal Protection Brazil
“O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, grande parte do plenário e das comissões de Agricultura e Meio Ambiente ignoraram completamente a mobilização popular, optando por interesses das grandes empresas. Desconsideraram a voz de milhares de pessoas que prezam pelo meio ambiente, pela vida e pela saúde da população. Ao aprovar o PL da Devastação, ignoraram aproximadamente 70 mil pessoas que enviaram seus e-mails, marcações no Instagram e o diálogo com dezenas de organizações que percorreram o Senado com argumentos técnicos em prol do meio ambiente.” Lucas Louback, gestor de campanhas e advocacy.

MANIFESTAÇÃO DA ARTICULAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS DO BRASIL – APIB:
”O Projeto de Lei nº 2.159/2021, conhecido como “PL da Devastação”, é uma das maiores ameaças aos povos indígenas e ao meio ambiente atualmente em debate no Congresso. O texto pode ser aprovado com rapidez, ainda nesta quarta-feira, nas Comissões e no Plenário do Senado Federal.
Em nota do Observatório do Clima – rede da qual a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) faz parte -, é criticada a permissão para o autolicenciamento e a dispensa de análises técnicas prévias, o que abre caminho para obras de alto impacto sem avaliação adequada dos danos ao meio ambiente, à saúde e aos modos de vida de diversas comunidades.
Isso amplia o risco de contaminação de rios, solos e ar, além de favorecer tragédias como a de Mariana. Mesmo com decisão do STF limitando a Licença por Adesão e Compromisso (LAC) a empreendimentos de baixo risco, o PL propõe aplicá-la também a projetos de médio impacto.
Para nós, povos indígenas, os ataques são ainda mais graves. O projeto restringe a participação de órgãos de proteção aos direitos indígenas ao licenciamento de atividades apenas sobre as terras indígenas já homologadas, gerando insegurança jurídica para inúmeras comunidades indígenas que ocupam tradicionalmente suas terras.
Além de ignorar que o Estado brasileiro deveria ter concluído em 05 anos, após a promulgação da Constituição de 1988, a demarcação de todas nossas terras tradicionais. Assim, se aprovado o PL nº 2159/2021, nós seremos duplamente atacados: pois seremos penalizados diante da omissão do Estado em demarcar nossas terras com a não escuta do órgão indigenista federal, que deveria resguardar nossos direitos, no processo de licenciamento ambiental.
A proposta também esvazia o papel da Funai e de outros órgãos técnicos, tornando seus pareceres apenas consultivos. Na prática, isso permite que decisões sobre os territórios indígenas sejam tomadas sem considerar a opinião técnica do órgão indigenista federal.
Por fim, reafirmamos com firmeza: Nada sobre nós sem nós!
O PL da Devastação ignora completamente nosso Direito à Consulta Livre, Prévia e Informada, assegurado pela Convenção 169 da OIT, tratado internacional do qual o Brasil é signatário. Esse direito é essencial para garantir a participação efetiva das comunidades nas decisões que afetam seus territórios, modos de vida e culturas.
Ao flexibilizar o licenciamento ambiental, reduzir a exigência de estudos e omitir a obrigatoriedade da consulta, o PL da Devastação viola compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro, desrespeita acordos históricos e fragiliza ainda mais a proteção dos direitos coletivos. Ao abrir caminho para retrocessos irreparáveis, tenta silenciar as vozes de quem sempre esteve na linha de frente da defesa dos territórios e da vida”.
Sem consulta, não há legitimidade!
Maria Letícia M – Colunista voluntária da Xapuri.
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