O QUE É UM ESTADO PÁRIA? 

O QUE É UM ESTADO PÁRIA? 

Há um consenso em torno da desvalorização do direito internacional como solução para os conflitos bélicos contemporâneos. O sistema internacional de proteção aos direitos humanos efetivamente não resolve os grandes impasses, mas tem muita serventia para enunciar os abusos na conduta de Estados e de indivíduos diante de um conflito armado.

Por Carol Proner

Sem perder a perspectiva crítica ao direito internacional, que ressalva o uso instrumental pelos interesses geopolíticos, ao menos em temas humanitários o direito convencionado em pactos e declarações se consolida para criar limites considerados imperativos éticos, válidos em qualquer lugar e a qualquer tempo.

O direito possibilita tipificar condutas que violam especialmente as leis internacionais, constatando possíveis crimes de assassinato, tortura, tomada de reféns, uso de armas proibidas e ataque a civis e pessoas vulneráveis. 

Algumas condutas são especialmente atrozes, caracterizadas pela sistematicidade e indistinção contra civis, mulheres e crianças. São os chamados “crimes de lesa-humanidade”, que vão além das vítimas diretas, ameaçando a humanidade como um todo. 

Extermínio, transferência forçada de população, perseguição a grupos étnicos ou religiosos, desaparecimento forçado, apartheid e genocídio estão entre as condutas censuradas pelo Estatuto de Roma, documento que estabeleceu a competência do Tribunal Penal Internacional (TPI). Menciono o TPI, mas poderia citar a Corte Internacional de Justiça (CIJ), que é órgão constitutivo da ONU, e outros vários conselhos e instâncias universais e regionais designadas para julgar e condenar condutas que extrapolam os limites ético-humanitários.

É inegável que estes organismos têm limitações de neutralidade. Mas, ainda que o funcionamento seja dificultado pela recusa de certos Estados em ratificar os compromissos ou pela usurpação de competências, as resoluções, quando alcançadas, normalmente são descritivas de condutas gravemente criminosas, servindo de métrica para, em tempos melhores, estabelecer algum nível de responsabilização em cada caso.

Nesse sentido, e sem apelo a qualquer universalismo abstrato, o direito ajuda a descrever aquilo que foi consenso na comunidade internacional e que consolidou padrões de elevado sentimento humano diante da barbárie. O sentimento de justo/injusto, mesmo diante de decisões precárias dos intérpretes e organismos decisórios, é o que move a indignação frente a condutas extremamente violentas e desumanas nos conflitos contemporâneos, com especial ênfase no que ocorre em Gaza.

O genocídio em curso tem um sentido que vai além do território da Faixa de Gaza. Este é um exemplo muito evidente de alcance do que seja “lesa-humanidade”, crimes que ameaçam a humanidade como um todo, censuráveis em qualquer sistema de justiça e em qualquer tempo histórico, além de imprescritíveis.

Também por isso nos emocionam especialmente, pois seria inimaginável pensar que chefes militares e governantes, cientes das obrigações imperativas e conhecedores dos horrores das grandes guerras, repetiriam as atrocidades do passado.

Em julho de 2025, momento em que este artigo é escrito, mais 600 mil pessoas deixaram de existir em razão da resposta de Israel ao ataque do Hamas de 7 de outubro de 2023. A Corte Internacional de Justiça (CIJ) investiga a aplicação da Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio na Faixa de Gaza, instando o governo a suspender imediatamente a ofensiva militar contra o povo palestino. 

O Tribunal Penal Internacional (TPI) solicitou, em decisão preventiva, a emissão de mandados de detenção não só para o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, e o seu ministro da Defesa, Yoav Gallant, mas também para dirigentes do Hamas possivelmente mortos.

Nesse mesmo sentido, as principais instâncias internacionais de proteção aos direitos humanos vêm se manifestando contra o genocídio, assim como o Secretário-geral da ONU e os grandes líderes políticos do mundo. 

A perversidade em alvejar uma população famélica e em estado de fuga permanente tem motivado manifestações de repúdio nas principais capitais do mundo, bem como declarações de centros acadêmicos que, com frequência, comparam o horror e a iniquidade às mortes provocadas pelo nazismo durante a Segunda Guerra Mundial.

É nesse ambiente de debate que tem sido discutida a condição de Estado pária, também chamado de pária internacional ou pária global. Israel tem sido designado, nos círculos de política internacional, como uma nação cuja conduta é considerada fora das normas internacionais e, como tal, merece ser sancionada. 

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O curioso é que a condição de pária internacional surge como fruto do autoisolamento. O governo de Israel se recusa a cumprir minimamente as recomendações humanitárias e estabelece um confronto explícito com as autoridades da ONU. A condição de pária, nesse sentido, passa a ser construída por Israel como uma espécie de autopunição, já que necessariamente cobrará um preço no futuro.

O QUE É UM ESTADO PÁRIA?  Carol Proner – Doutora em Direito. Professora da UFRJ. Diretora do Instituto Joaquín Herrera Flores – IJHF. Fonte: Brasil 247

Capa: Ronen Zvulun/Pool/File Phot

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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