Ubuntu: Paulo Freire e a filosofia africana da Gentileza
“Tudo isso me tomou todo e me fez perceber que eu era mais africano do que eu pensava”. O encantamento e identificação de Paulo Freire com as belezas naturais e a cultura da Tanzânia, na década de 1970, demonstram a proximidade das raízes brasileiras com o continente considerado berço da humanidade e das civilizações.
Sem saber, Freire vivenciava, na prática, a filosofia africana UBUNTU, que na língua bantu significa “eu sou porque nós somos”. Trata-se do jeito de viver e conceber as relações humanas que pensa a comunidade em seu sentido mais pleno, como uma grande família. E é nesse sentido, nesse espírito de coletividade, no qual se vivenciam os princípios de partilha, do cuidado mútuo, e da solidariedade, que a África dá mais uma lição e nos ensina sobre a cosmovisão do mundo negro-africano.
Seríamos, assim, uma teia de relacionamentos, que proporciona ao indivíduo reconhecer-se no outro, a partir da mudança de olhar do “eu” para o “nós”. Ou seja, não estamos soltos no mundo e precisamos da interação para nos realizarmos como grupo. “A educação deve partir, sempre, da coletividade. E o racismo será vencido porque nós estamos no coletivo fazendo este trabalho, CNTE, movimento negro, escola e sociedade”, lembra Iêda Leal, secretária de Combate ao Racismo da CNTE.
Reinterpretando, ao longo da história, o UBUNTU é ainda mais atual, ao inspirar a luta por uma sociedade democrática, igualitária e com amplo acesso às oportunidades para a vida com dignidade. Juntos, seremos mais fortes para o enfrentamento dos desafios e a superação das inúmeras formas de discriminação e desigualdade.
Fonte: Jornal Mural da CNTE – Novembro, 2017
Paulo Freire (1921-1997) foi um educador brasileiro, criador de um método inovador para alfabetização de adultos. Ao mesmo tempo em que alfabetizava em tempo recorde trazia um exercício de cidadania por meio de debates. Tão celebrado mundo afora, Paulo Freire foi contestado em seu próprio país. O problema foi a associação do seu trabalho à ideologia das ditaduras comunistas do século XX.
Juventude e formação
Paulo Freire nasceu no Recife, Pernambuco, no dia 19 de setembro de 1921. Filho de Joaquim Temístocles Freire, capitão da Polícia Militar, e de Edeltrudes Neves Freire, morou na cidade do Recife até 1931.
Em seguida, a família mudou-se para o município vizinho de Jaboatão dos Guararapes, onde permaneceram durante dez anos.
Paulo Freire iniciou o curso ginasial no Colégio 14 de Julho, no centro do Recife. Com 13 anos perdeu o seu pai e coube a sua mãe a responsabilidade de sustentar todos os 4 filhos.
Sem condições de continuar pagando a escola, sua mãe pediu ajuda ao diretor de Colégio Oswaldo Cruz, que lhe concedeu matrícula gratuita e o colocou como auxiliar de disciplina.
Em 1943 Paulo Freire ingressou na Faculdade de Direito do Recife. Paralelamente, estudou filosofia da linguagem e foi ser professor de Língua Portuguesa, para jovens do ensino médio.
Em 1947, foi indicado ao cargo de diretor do Departamento de Educação e Cultura do Serviço Social de Pernambuco.
Depois de formado em Direito, não atuou na área e continuou lecionando português no Colégio Oswaldo Cruz e Filosofia da Educação na Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Pernambuco.
Em 1955, junto com outros educadores, Paulo Freire fundou, no Recife, o Instituto Capibaribe uma escola inovadora que atraiu muitos intelectuais da época e que continua em atividade até os dias de hoje.
Método de Alfabetização de Paulo Freire
Em 1960, preocupado com o grande número de adultos analfabetos na área rural dos estados nordestinos – que formavam consequentemente um grande número de excluídos, Paulo Freire desenvolveu um método de alfabetização.
Sua proposta de ensino estava baseada no vocabulário do cotidiano e da realidade dos alunos: as palavras eram discutidas e colocadas no contexto social do indivíduo. Por exemplo: o agricultor aprendia as palavras, cana, enxada, terra, colheita etc.
Os alunos eram levados a pensar nas questões sociais relacionadas ao seu trabalho. A partir da palavras base é que se ia descobrindo novos termos e ampliando o vocabulário.
O “Método Paulo Freire” foi aplicado pela primeira vez em 1962 na cidade de Angicos, no sertão do Rio Grande do Norte, quando foram alfabetizados 300 trabalhadores da agricultura.
O projeto ficou conhecido como “As 40 horas de Angicos”, porque nesse período tão curto, os adultos analfabetos já conseguiam ler e escrever uma série de palavras, que faziam parte de sua rotina. A alfabetização mais completa levou 45 dias.
Quando a palavra a ser estudada era “trabalho”, a conversa girava em torno das condições dos trabalhadores: remuneração, garantias, horário de entrada e saída. Os fazendeiros da região chamavam o processo educativo de “praga comunista”.
Em março, no final do experimento de 45 dias, o resultado ganhou as manchetes dos jornais. A repercussão foi tanta que a cerimônia de encerramento do projeto contou com a presença do presidente da República João Goulart.
Paulo Freire se tornou uma estrela da educação brasileira, e Jango, que era entusiasta das Reformas de Base, aprovou a multiplicação dessa experiência no Plano Nacional de Alfabetização.
A ditadura militar e o exílio
Com o golpe militar de 1964, a Ditadura, imediatamente, extinguiu o Plano Nacional de Alfabetização e Paulo Freire foi acusado de agitador e traidor da pátria. Foi levado para a prisão onde passou 70 dias. Em seguida, após ser libertado foi viver na Bolívia e depois se exilou no Chile durante cinco anos.
No Chile, Paulo atuou na Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação e desenvolveu trabalhos em programas de educação de adultos no Instituto Chileno para a Reforma Agrária.
Após a temporada no Chile, Paulo Freire passou um ano em Cambridge, antes de se mudar para Genebra, Suíça, onde foi consultor especial do Departamento de Educação do Conselho Municipal das Igrejas. Só voltou ao Brasil em 1979, com a anistia do governo do presidente Geisel.
Estabelecido em São Paulo, o educador resolveu entrar para a política. Filiou-se ao PT e se tornou secretário de Educação da cidade de São Paulo, quando Luiza Erundina era a prefeita, ficando no cargo entre 1989 e 1991. Foi também professor da UNICAMP e da PUC.
Livro “Pedagogia do Oprimido”
O livro, “Pedagogia do Oprimido”, lançado por Paulo Freire, em 1968, é uma importante obra de educação e foi construído a partir da sua experiência como educador vivida durante os anos passados no Chile.
O autor procura orientar educadores a conscientizar e capacitar a população, de modo que ela não seja facilmente manipulada. Isto é, que desenvolva consciência crítica.
Livro “Pedagogia da Autonomia”
A obra, “Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa”, foi a última obra publicada em vida pelo educador.
No livro, o pedagogo resume as questões que o motivaram ao longo da vida e discute aspectos chaves da educação como, por exemplo, o fato de que ensinar não é apenas transferir conhecimento.
Reconhecimento
Por seu trabalho na área educacional, Paulo Freire foi reconhecido mundialmente. Ele é o brasileiro com mais títulos de Doutor Honoris Causa de diversas universidades. Ao todo são 41 instituições, entre elas, Harvard, Cambridge e Oxford. Em 1986 recebeu o Prêmio da Unesco de “Educação para a Paz”.
Vida Pessoal
Em 1944, Paulo Freire se casou com Elza Maria Costa de Oliveira, professora primária, com quem teve cinco filhos.
Após a morte de sua primeira esposa, casou-se com Ana Maria Araújo Freire, conhecida como Nita Freire, uma ex-aluna do Colégio Oswaldo Cruz.
Morte
Paulo Freire faleceu em São Paulo, no dia 2 de maio de 1997, vítima de insuficiência cardíaca.
Obra de Paulo Freire
- Educação Como Prática da Liberdade (1967)
- Pedagogia do Oprimido (1968)
- Cartas à Guiné-Bissau (1975)
- Educação e Mudança (1981)
- Prática e Educação (1985)
- Por Uma Pedagogia da Pergunta (1985)
- Pedagogia da Esperança (1992)
- Professora Sim, Tia Não: Carta a Quem Ousa Ensinar (1993)
- À Sombra Desta Mangueira (1995)
- Pedagogia da Autonomia (1997)