Samarco

Negligência da Samarco: crime que se renova

Crime que se renova: três anos de lama no Rio Doce

Atingidos denunciam negligência da Samarco e afirmam que revivem diariamente os impactos do desastre

Por Amélia Gomes e Júlia Rohden
Rio Doce
Estudos realizados após o crime evidenciam negligência por parte da empresa / Lorena Zschaber / Mídia Ninja

Na tarde de 5 de novembro de 2015, a barragem de Fundão da mineradora Samarco rompeu e despejou 50 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro ao longo de 43 municípios de Minas Gerais e Espírito Santo, até desembocar no mar. O crime deixou 19 mortos e afetou de diferentes formas pessoas que viram suas vidas se transformarem com a passagem da lama tóxica. O maior desastre socioambiental do completa hoje (5) três anos sem que houvesse nenhuma condenação dos responsáveis na Justiça.

Nos anos que precederam o rompimento, a Samarco aumentou significativamente sua produção, elevando consequentemente o volume de rejeitos. Relatórios da própria empresa mostram que em 2011 eram produzidos cerca de 15,6 milhões de toneladas de rejeitos por ano. O número subiu para 21,8 milhões em 2015.

Diversos estudos realizados após o crime evidenciam negligência por parte da empresa. Um laudo realizado pela Polícia Federal, apresentado em 2016, apontou falhas graves de manutenção da barragem e a omissão da Samarco em reparar os problemas detectados ainda em 2014. Ainda de acordo com o , 28% da lama despejada em Fundão em 2014 vinha da Vale e não havia licença ambiental para a operação.

Outro relatório realizado pelo Ministério Público Federal afirma que a Samarco promoveu “alterações significativas na barragem de Fundão, de forma ilegal, sem qualquer licença ou controle” e que “a empresa induziu os órgãos ambientais a erro, apresentando estudos, laudos e relatórios falsos, por omissões gravíssimas, nos procedimentos de licenciamento e fiscalização”.

De acordo com dados do Departamento Nacional de Produção Mineral, a jazida da Samarco, de onde vieram os rejeitos de Fundão, representa 12,5% da reserva brasileira de minério de ferro. Segundo relatórios da própria mineradora, a jazida tem potencial de de 2,9 bilhões de toneladas. Até a data do rompimento da barragem, a empresa mantinha uma exploração anual de 25 milhões de toneladas. De acordo com levantamento realizado pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), a jazida ainda tem potencial exploratório para mais 115 anos.

“Tudo aponta que a Samarco optou por ignorar a segurança da população e produzir mais para não afetar seu lucro. Não foi um desastre, mas um crime que vinha dando sinais que iria acontecer”, afirma Pablo Dias, da coordenação estadual do MAB.

“Apesar de não ter reparado os atingidos, a mineradora já afirmou que pretende retomar a exploração. O que deixa claro que a prioridade é o lucro e não as pessoas”, completa.

Famílias seguem sem acesso a água

O caminhão pipa passa sempre às segundas, quartas e sextas-feiras. Cada casa só pode abastecer mil litros de água por vez. Nessa situação vivem, há 3 anos, 93 famílias atingidas da comunidade de Ipaba, no Vale do Aço (MG). Uma delas é a do jovem Luciano Souza. O estudante também traz no próprio as consequências da lama. Ele é umas das pessoas que sofrem com descamação de pele, queda de cabelo e coceira, sintomas recorrentes em diversos atingidos ao longo da bacia. Mesmo passados três anos do crime, para ele é impossível esquecer o rompimento.

No fundo do lote da sua casa corre o Rio Doce, mas já não é mais possível plantar nada no quintal, que foi coberto pela “” de rejeitos. A região sempre enfrentou enchentes, mas agora toda vez que chove a lama da Samarco retorna para dentro das casas. Os moradores que antes viviam à beira do rio hoje precisam manter uma distância de no mínimo 50 metros do leito. A determinação foi feita pela própria Samarco, mas mesmo perdendo acesso a uma parte do seu lote, a família de Luciano não foi reconhecida como atingida pela Fundação Renova, criada para ser a empresa responsável pela reparação dos atingidos.

”Eles falaram que a gente não tem direito ao PIM água [Programa de Indenização Mediada], mas nós queremos entender porque que não temos direito. Porque nós estamos sem água há três anos”, desabafa Luciano.

As situações são inúmeras e a negação dos direitos acontece de distintas formas. Até hoje existem famílias que não foram reconhecidas como afetadas e outras que fizeram o cadastro para receber a reparação, mas não receberam nenhuma resposta da Fundação. É o que afirma Thiago Alves, do Movimento dos Atingidos por Barragens

“A Renova foi criada para retirar o nome das empresas criminosas das denúncias e transformar o direito dos atingidos em mercadoria. Ela atua como um grande instrumento de dispersão e desarticulação dos atingidos. Um exemplo disso é não ter critérios claros para nenhum tipo de programa de reparação, principalmente para as indenizações”, explica.

O balanço do Movimento dos Atingidos por Barragens é de que nesses 3 anos o processo de reparação foi marcado pela lentidão e a negligência. O movimento, que antes estimava o montante de 1 milhão de atingidos, hoje acredita que o número seja de quase 2 milhões. No site, a Fundação Renova afirma ter gasto de R$ 2 bilhões com a reparação dos atingidos. No entanto, nenhuma casa do reassentamento prometido aos moradores de Bento Rodrigues, município completamente inundado pela lama, foi construída. Centenas de famílias seguem em moradias de aluguel, outras milhares ainda estão sobrevivendo apenas com o cartão emergencial fornecido pela Fundação, e a grande maioria das famílias atingidas segue sem nenhuma forma de reparação.

Além dos problemas econômicos e estruturais, no início deste ano um exame realizado pela Universidade de (USP) comprovou que 15 atingidos pela lama estão contaminados com metais pesados. Os estudos foram realizados apenas com moradores da cidade de Barra Longa, um dos primeiros municípios atingidos pelo rejeito, mas o Movimento dos Atingidos por Barragens estima que toda a população da Bacia do Rio Doce esteja na mesma situação.

Lama além mar

Além de contaminar toda a bacia, a lama de rejeitos da Samarco também ultrapassou os limites da foz do Rio Doce e chegou até o litoral baiano, na cidade de Abrolhos. É o que aponta um estudo realizado em julho de 2017, pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Após o laudo, o Comitê Interfederativo – CIF, articulação governamental criada para orientar a atuação da Renova, determinou que a entidade também reconheça como atingidos os moradores dos municípios de São Mateus e Conceição da Barra, ambos no Espírito Santo.

No entanto, até hoje a Fundação Renova nega a reconhecer à região. “Essa determinação do CIF obriga a Renova a iniciar o cadastramento, os programas de auxílio emergencial e indenização. O prazo para cadastramento de todas famílias era agosto do ano passado, mas eles sequer terminaram esse processo”, explica Tchenna Manso, do MAB.

Direitos conquistados com a

A lama de rejeitos que percorreu o Rio Doce deixou um rastro de destruição, mas também fecundou a semente da indignação e da luta. Desde o rompimento da barragem, inúmeras foram as manifestações, protestos e trancamentos da ferrovia da Vale. E a luta não foi em vão. Um dos frutos da organização dos atingidos foi a conquista das assessorias técnicas. As equipes, formadas por profissionais de diversas áreas, como direito, , arquitetura e serviço social, são responsáveis por acompanhar os atingidos e fornecer laudos técnicos que comprovam os danos causados para a vida dos moradores.

Samarco
(Lorena Zschaber / Mídia Ninja)

Atualmente, apenas 4 dos 43 municípios afetados pela lama contam com o apoio: , Barra Longa e as de Santa Cruz do Escalvado e Rio Doce, que dividem a mesma equipe. Estão garantidas mais 8 assessorias para municípios mineiros e 8 para o estado do Espírito Santo.

A conquista veio logo no primeiro ano do crime, em outubro de 2016, mas a morosidade na contratação das assessorias dificulta e retarda o apoio aos atingidos. O último prazo para a confirmação das escolhas das demais assessorias era até este 5 de novembro. No entanto, apenas a equipe do distrito de Colatina, no Espírito Santo, foi confirmada.

Apesar da lentidão no processo de instalação das assessorias, as equipes têm papel fundamental na garantia dos direitos dos atingidos. Gesteira, distrito de Barra Longa, foi uma das regiões beneficiadas com o apoio. Antes da assessoria, apenas nove famílias haviam sido contempladas com a garantia do reassentamento. Depois dos laudos da equipe, a Fundação Renova, que se recusava a reconhecer mais atingidos, ampliou o número de reassentados para 33 famílias.

Na cidade também houve o reconhecimento de outros 200 imóveis que tiveram suas estruturas abaladas por causa do trânsito de maquinários. A princípio a Renova não reconhecia essas famílias como atingidas. Agora, após laudos da assessoria, os moradores entraram na lista de reparações.

“Lá na minha cidade nós tivemos que lutar para garantir a assessoria, tivemos que lutar contra prefeito, contra empresários.. E eu sei que tem muitos atingidos sendo manipulados e pressionados, mas não desistam! Lutem pela assessoria porque é ela quem vai garantir os nossos direitos. Não escolham assessorias que representam os ricos e sim que represente os atingidos”, alerta Simone Aparecida, moradora de Barra Longa.

ANOTE AÍ

Fonte: Brasil de Fato

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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