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Metais pesados em nossas águas

Metais pesados em nossas águas

Em agosto deste ano, o jornal Estado de São Paulo trouxe reportagem sobre um norte-americano, Dewayne Johnson, que desenvolveu câncer em função da exposição a um herbicida com glifosato. Não que se tenha estabelecido uma relação causal, mas a empresa Monsanto foi condenada a pagar milionária indenização ao trabalhador por não advertir no rótulo seus possíveis danos à saúde humana.

Por Cláudia Costa Saenger

Já em terras goianas, o Tribunal Regional do Trabalho (TRT-GO) tardou em reconhecer agrotóxico como causa de envenenamento de uma trabalhadora, em Tuverlândia, que pleiteava a bagatela de 10 mil reais. A cortadora de cana-de-açúcar apresentava vômitos, ardência nos olhos, taquicardia e hipertensão.

A diferença entre os dois casos é que uma doença é crônica; a outra, aguda. Aqui se nota: quando se trata de doenças crônicas, como o câncer, há vários fatores que podem estar envolvidos. Já a intoxicação tem curso agudo, portanto o agravo tinha sido logo após a exposição, e é mais fácil de diagnosticar a causa.

O fato é que a relação entre uso de agrotóxicos e prejuízos à saúde é razoavelmente conhecida no que diz respeito a danos posteriores à exposição àqueles produtos. Isso porque os estudos que estabeleçam nexo causal só são realizados após 20 ou 30 anos dos seus lançamentos. Em revistas europeias diz-se do respeito ao “princípio da precaução”, ou seja, primeiro se observam os efeitos para, então, se lançar o produto.

Há vários tipos de estudos epidemiológicos, uns que partem do diagnóstico de doenças/agravos, individual ou coletivamente, e outros que partem da exposição, individual ou coletivamente. Uns retrospectivos, outros prospectivos. Entre os retrospectivos estão os estudos ecológicos, que absolutamente nada têm a ver com Ecologia. São, sim, estudos de observação (e não intervenção) populacionais.

O dito ensaio clínico, duplo cego, ou ainda, triplo cego e randomizado é tido como o padrão-ouro dos estudos epidemiológicos. O problema (ou solução?) do ensaio é que, na maior parte das vezes, esbarra na questão ética da pesquisa. Não é possível submeter pessoas a agrotóxicos pra saber dali a alguns anos que tipo de manifestações vão ter (ainda bem!). Neste aspecto, os estudos ecológicos fornecem hipóteses que outros desenhos epidemiológicos podem vir a complementar.

Em minha dissertação (mestrado), recentemente aprovada, eu quis ver de que maneira as variáveis intoxicação e utilização de agrotóxicos estavam relacionadas, se existem regiões em que há maior probabilidade de intoxicação, e se a ocorrência dessas intoxicações pode ser associada ao uso de agrotóxicos. Usei o estado de Goiás, um dos maiores consumidores, como exemplo.

DEFINIÇÕES

Os chamados “casos” são assim definidos por meio de diagnósticos laboratoriais, clínicos ou epidemiológicos, de maneira isolada ou cumulativa. Quer seja por exames de sangue, manifestações sintomatológicas ou com nexo espaço-temporal entre as vítimas, eles são classificados em ocupacionais ou não-ocupacionais.

Os envenenamentos podem ser ambientais, ou seja, pela terra, ar ou água; acidentais, que normalmente ocorrem com crianças; e habituais, quando a exposição ocorre na lida com os produtos, além de tentativas de suicídio. Nota-se que nem todos os casos habituais são ocupacionais. Estudos científicos revelam que o contato continuado com alguns venenos leva à depressão e ao suicídio.

Também é digno de nota que, ao se mencionar o termo “intoxicação”, estamos nos referindo a seres humanos. No caso de objetos inanimados, usa-se o termo “contaminação”.Ano 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016

Foi utilizado o coeficiente de incidência, que nada mais é do que uma proporção, em que o numerador é uma fração do denominador. Esse coeficiente é definido pelo número de casos novos de intoxicações de uma região racionalizado pela população dessa região, multiplicado por cem mil. Cem mil é uma padronização pra evitar distorções, já que quanto maior a população, maior a probabilidade de ocorrerem casos.

PRODUÇÃO E UTILIZAÇÃO

Dados recentes do Censo do IBGE (2018) apontam o estado de Goiás como o segundo maior produtor de cana, terceiro de milho e quarto de soja, quando comparado às demais unidades da federação. A produção agrícola de Goiás a cada ano se supera. Isso se traduz também na utilização de mais agrotóxicos nas lavouras. Apenas as culturas mencionadas respondem por mais de 70% do uso de agrotóxicos no estado.

O quadro abaixo indica a quantidade de ingredientes ativos (IA) vendidos em Goiás, de acordo com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Os dados foram obtidos pela Lei de Acesso à Informação

AGROTÓXICOS

A partir dos dados, é possível concluir que a venda de ingredientes ativos dobrou no período considerado. Mas o que isso tem a ver com a intoxicação de pessoas? Como dito de início, não se pode falar de causalidade, mas, sim, associação: à medida que a venda aumenta, o número de casos de pessoas intoxicadas também.

AGROTÓXICOS

E aumenta tanto que, à medida que dobram as vendas, o coeficiente de incidência triplica, como se observa no gráfico abaixo: de 1,2 casos a cada cem mil habitantes (em 2007) pra 3,5 casos a cada cem mil habitantes (em 2017).

METAIS PESADOS

É verdade que a legislação brasileira é muito mais liberal quanto ao uso de alguns agrotóxicos do que em países europeus, ou mesmo nos Estados Unidos. Isso para substâncias utilizadas em lavouras de soja, como parationa metílica, lactofen e paraquate, entre outros, que são proibidos naqueles países.

Foi a partir da divulgação pela Companhia de Saneamento de Goiás (Saneago) sobre os metais pesados que pudemos especializar as informações acerca da contaminação das águas superficiais neste estado. Os dados que antes estavam em formato somente de leitura (pdf) agora são informação disposta em website, ao público em geral.

Para isso foi necessária a utilização do sistema de informações geográficas com ajuda de programação. Dizendo assim como “pilote um avião”, por si só, em uma frase, parece simples.

O geoprocessamento não tem tanta complexidade quanto pilotar um avião, mas pede alguns conhecimentos preliminares. O processo foi compreendido em basicamente duas etapas: extrair as informações dos arquivos de leitura para um formato editável, no que me ajudou meu amigo Rogério Baptista de Souza, e uma etapa de geoprocessamento propriamente dito, que consistiu em coincidir os pontos de captação nas linhas que representam os rios. Os pontos e as linhas são tipos de um formato, dito vetorial, na linguagem do geoprocessamento.

Daí a pergunta que sucede é “pra que serve isso, enfim?” ou mutatis mutandis “onde você quer chegar com esse avião?”. Respondo: serve primeiramente pra comparar quanto os índices superaram ou observaram os limites da resolução 357/05 do Conama, que regula o setor. Pode-se também comparar um valor de um ano ao outro e ver se os índices aumentaram ou diminuíram com relação aos metais descritos na tabela abaixo, de acordo com os parâmetros:

AGROTÓXICOS

Os destinos desse avião podem ser tantos quantos as utilidades que o sistema de informações geográficas nos fornece. Com ele, é possível rastrear focos de contaminação, desde que tenhamos análises mais recentes (de preferência do mesmo mês). Com isso quero dizer que, se há um ponto de coleta contaminado, ele só pode vir da montante. Pra onde essa contaminação vai e se são resíduos de agrotóxicos ou de mineração são outros quinhentos, mas é possível saber, desde que se faça análise específica.

A título de exemplo, no estado de Goiás são municípios em que foi feita coleta d’água e houve extrapolações do limite para o elemento chumbo, em 2012: Porangatu (0,0353mg/L), Santa Tereza de Goiás (0,0128 mg/L), Estrela do Norte (0,0247 mg/L), Itapaci (0,0102 mg/L), Aragoiânia (0,0426 mg/L) e Petrolina de Goiás (0,0161 mg/L). Já, em 2013, houve cinco extrapolações: Alvorada do Norte (0,0206 mg/L), Aragoiânia (0,0258 mg/L), Leopoldo de Bulhões (0,0261 mg/L), Guapó (0,0843 mg/L) e Carmo do Rio Verde (0,0156 mg/L). Em 2014, por sua vez, os municípios de Amorinópolis (0,0119 mg/L) e Doverlândia (0,0107 mg/L) foram as vítimas.

Convém dizer que não é em todos os municípios goianos que são realizadas análises de água. É o caso de Aporé, Cabeceiras, Caçú e Mineiros, alguns desses municípios localizados na mesorregião sul goiana, mas é justo ali que ocorre o maior número de casos de intoxicação humana.

Mas, sem mais delongas, segue o site das análises da Saneago:

http://www.geoviewer.com.br/geoviewer/mapa/projeto/p/23

claudiacostaCláudia Costa Saenger
Médica-Veterinária. Mestre em Geoprocessamento.

 


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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