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FORMOSA: "CAUSOS DA MINHA MEMÓRIA", SEGUNDO CIDA OPA

FORMOSA: “CAUSOS DA MINHA MEMÓRIA”, SEGUNDO CIDA OPA

: “Causos de minha – os que  vi acontecer ou os que ouvi contar”

O que lhes vou expor neste momento são causos de minha memória – ou os vi acontecer ou os ouvi contar. Um profundo sentimento religioso sempre impregnou a formosense. A chegada dos dominicanos em 1905 certamente influiu de forma significativa neste aspecto.

FORMOSA: "CAUSOS DA MINHA MEMÓRIA", SEGUNDO CIDA OPA

Por Maria Aparecida Hamu Opa (in memoriam

A velha matriz, amparada em um paredão vertical à direita, que chamávamos de gigante, era o centro da comunidade local; rezas, festas religiosas, casamentos, promessas e devoções.

Destas, as que maiores saudades me trazem aconteceram no mês de maio. Um frio intenso nos acompanhava às 6 da manhã para a missa em latim, durante o mês todo e à noite havia a oferta de flores. As alunas das escolas, ensaiadas pelas irmãs, iam vestidas de branco oferecer flores a Nossa Senhora.

Enfileiradas, cantando, em formações variadas e originais, contornavam o interior da igreja e subiam até o altar-mor para que as primeiras das filas, vestidas de anjo, coletassem as flores e as depositassem aos pés da Virgem.

E cantávamos:

Vinde povos trazer flores/ Cantar hinos de alegria/ Saudar com mil louvores/ A doce Virgem Maria. Neste mês de alegria/ Tão lindo mês de flores/Queremos de Maria Celebrar os louvores (…).

No dia 31, com maior solenidade, a Mãe do Céu era coroada. E com que emoção participávamos da subida aos degraus do altar para ficar no topo, tocando o teto e ao lado da imagem de Nossa Senhora da Conceição.

A Semana Santa, embora silenciosa e triste, constituía  realmente,  durante  toda a Quaresma, um tempo de contrição e de recolhimento.

As imagens todas eram vestidas de roxo, às sextas-feiras não se comia carne e à noite, à via sacra, se cantava:  A morrer crucificado/ Meu Jesus é condenado/ Por teus crimes, pecador!

Sexta-feira da Paixão a tristeza baixava sobre a cidade e parecia que neste dia até os galos cantavam tristes. Não tocavam os tradicionais sinos da igreja.

A hora da pro- cissão do enterro era avisada pela matraca: uma alça frouxa de ferro afixada numa tábua que, agitada, fazia um ruído característico e conhecido. Isto sem falar das inúmeras crendices que provocava este dia: – Tirar ? Saía sangue. – Carrear? Virava penada após a morte e passava anos carreando pelas madrugadas das sextas-

As imagens todas eram vestidas de roxo, às sextas-feiras não se comia-feiras e assombrando a gente. Quem da minha geração não ouviu o canto do carro de boi assombrado? E o monjolo daquele indivíduo que socou arroz na Sexta-feira da Paixão? Como era feliz, ingênuo e crédulo o nosso !

FORMOSA: "CAUSOS DA MINHA MEMÓRIA", SEGUNDO CIDA OPA
Histórico

Eu juro que até pelos anos 54 e 55 ouvi um carro cantador na Sexta-Feira e Oh! E medo mesmo eu tive do ! As coisas mirabolantes que contavam com tanta veemência e riqueza de detalhes abalam até hoje a nossa incredulidade no sobrenatural.

Passei certa vez, há menos de 20 anos, pela casa onde ele reinou, lá pelos lados da Fazenda Bocaina. Ouvi tantas histórias, que planejei mil vezes procurar os antigos moradores ainda vivos então, e morando cá na cidade, correndo da tal assombração. Não o fiz. E sinto por isto.

Várias lendas povoaram a minha : a palmeira da Lagoa Feia; a serpente da Praça Rui Barbosa; o porco imenso que à meia noite aparecia sob o velho jatobazeiro da Bica: a querida e famosa Bica, que hoje nada mais é que um córrego canalizado sob o asfalto da Av. Brasília, foi logradouro importante para a nossa juventude.

Era lá que, às tardes, antes da reza na matriz, íamos passear.  Sem as preocupações e as contaminações de agora, bebíamos com as mãos em concha a água fresca que descia da nascente. Daí o chiste popular, que não é só nosso, como cita o Dr. Pimentel (Antônio Pimentel é historiador) também em seu livro Sobre Luziânia: “Quem bebe água da bica, aqui fica”.

Maria Aparecida Hamu Opa Professora (in memoriam). Excerto de texto publicado na Revista DF Letras, edição 25/26, ano III. Com edições de Iêda Vilas-Bôas, encantada em 08/04/2022.  Publicado originalmente em 18/07/2019.  

FORMOSA: "CAUSOS DA MINHA MEMÓRIA", SEGUNDO CIDA OPA
Romãozinho – Desenho de Weliton Rodrigues para o livro “O do Romãozinho”, Iêda Vilas-Boas

 

 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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