Sangue Indígena: Nenhuma gota a mais!

Sangue Indígena: Nenhuma gota a mais!

Documento final da Aty Guasu – Grande Assembleia Guarani-Kaiowa – 2019

Nós do povo Kaiowá e Guarani de Mato Grosso do Sul, reunidos de 26 a 30 de novembro de 2019, com mais de 300 lideranças de 23 aldeias, na nossa grande assembleia – ATY GUASU – na Indígena Ñande Ru Marangatú, Município de Antonio João, estado de Mato Grosso do Sul, , saudando a memória de nossos guerreiros que tombaram na pelos nossos direitos, vimos apresentar nosso documento final.

Temos a pior situação de violação de direitos de todo Brasil. Somos uma das maiores populações indígenas do Brasil com os piores índices de demarcação de terras tradicionais e os piores índices de acesso a direitos fundamentais. A violência contra nosso povo é histórica e de conhecimento público da sociedade brasileira, internacional e dos órgãos do Estado brasileiro. As violações de direitos do povo Kaiowá e Guarani de Mato Grosso do Sul já foi amplamente noticiada e denunciada pela imprensa e organismos Nacionais e Internacionais.

Assistimos diariamente a falta de justiça e a impunidade contra aqueles que há décadas provocam através de vários meios, um verdadeiro genocídio do nosso povo. Não vemos assassinos de nossas lideranças serem julgados e condenados. Por outro lado, vemos a criminalização, perseguição e assassinato de nossas lideranças que lutam e reivindicam nossos direitos. Há muitos anos, em todos os Governos, desde a Constituição Federal de 1988, lutamos e esperamos soluções concretas para a demarcação definitiva de nossos territórios tradicionais e de nossos direitos.

A monocultura e a pecuária, que financiados por dinheiro público e todo tipo de apoio governamental, tomam o espaço de nossos tekohá. Inviabilizam a agricultura familiar indígena, levando nosso povo a rumos incertos sobre nossa alimentar e econômica, visando a sobrevivência e bem estar de nossas futuras gerações. Além disso, vem destruindo o pouco que ainda resta de nossas florestas e recursos naturais indispensáveis para nossa sobrevivência física e cultural.

Há anos vimos repudiando a postura do Governo Federal em não buscar soluções concretas para a demarcação de terras do Estado de Mato Grosso do Sul, conforme várias orientações já feitas pelo Ministério Público Federal, inclusive com mecanismos legais que já foram criados visando indenizações de ocupantes não-indígenas estabelecidos em nossas terras tradicionais. Até hoje nada foi resolvido e assistimos atualmente uma drástica e muito grave piora desse quadro com o atual Governo Federal a cargo do Presidente Jair Bolsonaro.

Vimos há anos empreendendo todos os esforços de diálogo com as autoridades para que sejam efetivados nossos direitos fundamentais, sem quaisquer resultados efetivos. Pelo desespero de nossas comunidades muitas vezes partimos para nossas manifestações e retomadas e somos massacrados por aqueles que são contra nosso povo com o apoio dos órgãos dos Governos.

A sociedade brasileira e os órgãos do Governo devem entender que nossa luta remonta há muitas décadas e nosso povo nunca irá abandoná-la, especialmente a luta pela demarcação de nossos tekohá, pelo atendimento de saúde e educação de qualidade! O povo indígena de Mato Grosso do Sul quer a paz e nunca a violência! Os Governos e a sociedade brasileira devem entender que a conquista de nossos direitos é garantia de nossa sobrevivência humana.

Demarcar as terras de nosso povo não afetará a do estado e o que queremos é muito pouco perto daquilo que perdemos ao longo da história e de todo mal que estamos sofrendo! Soluções existem para a garantia de nossos direito básicos. O que falta é a vontade política, de sermos ouvidos e consultados pelo respeito a nossa autonomia!

Temos uma grande preocupação sobre a situação da FUNAI no Brasil, especialmente na nossa região de Mato Grosso do Sul em vista da inviabilidade de ações efetivas do órgão conforme determina a Legislação brasileira. É visível que o órgão vem sofrendo intervenções de ordem política sem quaisquer critérios técnicos e plausíveis e que estão comprometendo as ações básicas de atendimento às comunidades.

É lamentável que durante um momento tão importante como uma Aty Guasu nenhum servidor representante do órgão (FUNAI) tenha sequer comparecido para participar das discussões feitas pelo povo Kaiowá e Guarani visando levar as pautas dos debates para os agentes políticos do Governo Federal.

É preocupante as informações que chegam a nossas comunidades acerca da orientação vinda do Governo Federal em não permitir que servidores públicos desse órgão venham participar, ouvir e apoiar as reivindicações do povo Kaiowá e Guarani. Percebemos que mesmo depois de mais 30 anos, a FUNAI continua nos abandonando e se posicionando contra nossos direitos constitucionais.

Percebemos claramente que a atual conjuntura política brasileira não tem interesse de sequer ouvir as pautas e reivindicações das comunidades indígenas do Brasil. Situação que fere direitos fundamentais dos povos indígenas em nível Nacional e Internacional.

Recebemos com muita tristeza e preocupação a absurda informação de que o presidente da FUNAI anunciou que o órgão não irá atender o povo Kaiowá e Guarani com assistência jurídica, seja administrativa ou judicial, e material em áreas que não estão totalmente regularizadas pelas demarcações, inclusive com o corte de envio de cestas básicas para as famílias.

Denunciaremos esse fato em nível nacional e internacional em todas as instâncias pois quase a totalidade dessas áreas possuem decisões judiciais favoráveis à posse da terra pelo povo Kaiowá e Guarani. O Ministério Público Federal será comunicado pelas nossas lideranças para que tome as providências jurídicas previstas na Constituição de 1988.
Estamos diante de um retrocesso jamais visto na história da brasileira no que tange à política indigenista do Governo Federal! Decisões claramente inconstitucionais estão sendo tomadas diariamente e poderão gerar o caos e a desgraça nas comunidades!

Queremos manifestar que a falta de diálogo com as comunidades é marca visível do atual Governo que vem tratando os povos indígenas como sujeitos à margem dos valores fundamentais da dignidade humana, excluindo suas decisões internas e comunitárias das políticas administrativas do Governo. Nega-se o protagonismo histórico do povo Kaiowá e Guarani nas lutas pela conquista e efetividade de seus direitos e acima de tudo de sua autonomia.

Volta-se mais uma vez o tratamento colonizador das autoridades brasileiras, muito visto durante as ditaduras do século XX, onde se tomam decisões “de cima para baixo” totalmente contrárias àquilo que realmente as comunidades historicamente vem lutando e reivindicando.

As decisões dos órgãos do Governo Federal na atualidade, que visam atender os povos indígenas, descumprem todos os preceitos fundamentais da Constituição Federal Brasileira de 1988 e de todos os tratados internacionais os quais o Brasil é signatário. Inclusive, já foram encaminhadas às autoridades internacionais várias denúncias de violações de direitos dos povos indígenas do Brasil que vem sendo praticadas pelo atual Governo Federal.
Há muitos anos o povo Kaiowá e Guarani vem sofrendo pela omissão e ação do Governo Brasileiro e o que vemos é uma piora muito grande dessa realidade histórica!

Desde muito tempo é denunciado para o mundo a situação difícil que vem passando nosso povo. Somos um dos povos mais numerosos do Brasil com os piores índices de acesso à direitos fundamentais. Todos os Governos vem negando nossos direitos à terra, saúde, educação, segurança, sustentabilidade e autonomia. Com muita tristeza vemos o atual Governo piorando ainda mais aquilo que já era ruim.

As políticas e ações voltadas para a saúde indígena do povo Kaiowá e Guarani, a cargo da Secretaria Especial de Saúde Indígena do Governo Federal, vem sendo uma das piores já vistas ao longo desses anos.

Reivindicações básicas e previstas na legislação não são cumpridas pelos agentes do Governo que estão responsáveis pelo órgão.

Precisamos ser ouvidos e consultados sobre as políticas públicas da saúde indígena do povo Kaiowá e Guarani. A legislação assim determina e não temos qualquer efetividade nesse sentido.

Combo Mariele Paulo Krenak

Nosso povo vem reivindicando há muito tempo a criação do DSEI para atendimento exclusivo de nosso povo, tal como já ocorre em outras regiões do Brasil com nossos parentes indígenas.

Ouvimos promessas de deputados acerca dessa possibilidade. Inclusive o atual Ministro da Saúde do Governo Federal, Luiz Henrique Mandetta, é parlamentar de Mato Grosso do Sul e já manifestou a sua concordância há muito tempo sobre essa possiblidade. Agora que é Ministro da Saúde estamos aguardando o cumprimento de sua promessa, mas nada foi feito.

Recebemos em nossa Assembleia o atual coordenador da DSEI de Campo Grande, Sr. Eldo Elcidio Moro, e apresentamos todas as nossas reivindicações e reclamações. Não houve naquele momento nenhuma resposta razoável por parte desse representante do Governo sobre as reivindicações, mas esperamos que sejam levadas ao Ministro da Saúde, que é de nossa região e conhece a nossa realidade.

Nosso povo está vivendo momentos de incertezas e de evidentes violações de direitos básicos já amplamente assegurados pela Legislação brasileira e internacional. O que estamos assistindo é o total descaso e abandono por parte das autoridades brasileiras do Governo Federal acerca das políticas públicas necessárias ao bem estar de nosso povo.

É importante que as autoridades públicas entendam que JAMAIS iremos desistir de nossa luta história pelo nossos direitos e pelo bem estar de nosso povo e de nossas futuras gerações!

Foram séculos de lutas, com o sangue derramado de nossos guerreiros! Continuaremos até o fim com nossas lutas e fortalecendo ainda mais a nossa organização! A cada dia que passa conhecemos mais o desafio que teremos que enfrentar. A cada dia que passa mais forte estaremos, até alcançarmos a paz e o bem estar de nosso povo conforme nossa cultura e nossa memória!

Reivindicamos políticas objetivas dos Governos, em todas as esferas. Precisamos de projetos claros e objetivos para a produção de alimentos, saúde, educação e segurança. Para isso, também precisamos de recursos públicos para que esses projetos sejam efetivados e atendam nossas expectativas. Porém, sem que os Governos nos consultem e ouçam nossas reivindicações nada será feito.

A educação Escolar Indígena deve ser feita conforme a Legislação vigente e conforme as deliberações feitas pelas comunidades indígenas. Uma educação que seja bilíngue, pluricultural e de qualidade.

Reivindicamos políticas sérias sobre para nossas aldeias. A violência interna e externa há anos vem afetando nosso povo. As polícias não vem cumprindo seu papel constitucional para com nosso povo.

Precisamos de uma Polícia que nos atenda nas demandas diárias e que esteja devidamente preparada. As polícias do estado e federal precisam de formação adequada para trabalhar junto com nosso povo e atender nossas comunidades. Estamos abandonados pela segurança pública. Precisamos de uma Polícia que esteja do lado de nosso povo e não contra nós.

Pedimos ainda a todos os organismos internacionais de direitos humanos e sociedades de todos os países do mundo que acompanhem de perto e que apoiem nossa realidade e nossa luta histórica pela justiça e efetivação de nossos direitos diante do absurdo instalado na política indigenista brasileira para evitar mais tragédias, constantemente vista em governos passados, e drasticamente na atual conjuntura, evitando-se que haja ainda mais genocídios perpetuados.

Por fim, agradecemos a presença de todos nossos aliados que compareceram em nossa Aty Guasu, como o Ministério Público Federal, e todas as pessoas de bem que compreendem a nossa realidade e se somam à nossa luta por dias melhores para nosso povo.

Nossos rezadores estão conosco e sabemos que o bem vencerá!

As rezas de nossos Ñande Ru e Ñande Sy nos fortalecem a cada dia!

Sabemos de nossa força e desafios, junto com nossas lideranças, jovens e .

Sangue Indígena: Nenhuma gota a mais!

Jamais desistiremos de nossa luta e estaremos cada dia mais fortes!

Terra Indígena Ñande Ru Marangatu, Antonio João, Mato Grosso do Sul, Brasil, 29 de novembro de 2019.

Fonte: APIB  jornada headersite

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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