Gado Agroecológico na Amazônia?

Gado Agroecológico na Amazônia?

Como criar gado de modo sustentável na Amazônia? Especialistas explicam

Comunidades ribeirinhas amazônicas criam animais em modelo alinhado com conservação da biodiversidade do bioma

Por Redação

Com as queimadas que ainda afligem flora e fauna de parte da Amazônia, o impacto ambiental da indústria agropecuária brasileira veio à tona em noticiários e meios de discussão. Em contraste com as grandes áreas desmatadas para a criação de gado e cultivo de monoculturas, comunidades ribeirinhas de regiões do interior da Amazônia também criam bois e cultivam vegetais. Surge, então, o questionamento: seria possível uma criação de gado de menor impacto em um dos biomas mais importantes do mundo?

De acordo com Jerusa Cariaga e Paula Araújo, técnicas do Programa de Manejo de Agroecossistemas (PMA) do Instituto Mamirauá, esse tipo de manejo não apenas é possível como também pode contribuir para a conservação da biodiversidade do bioma.

A Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã, uma das principais áreas de atuação do Instituto Mamirauá, é exemplo disso. A unidade de conservação foi uma das primeiras no Brasil de sua categoria – reserva de desenvolvimento sustentável, que em sua gestão considera a presença das populações tradicionais que vivem dos recursos naturais da região e que podem também vir a ser agentes de conservação do bioma.


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“Naturalmente” agroecológicos

“O gado não é o grande vilão; a forma que é feita essa produção é que pode ser maléfica ou não”, explica a engenheira agrônoma Jerusa Cariaga.

Isso porque os criadores de gado da Reserva Amanã, além de estarem em uma unidade de conservação, têm as limitações impostas pelo próprio bioma. A unidade de conservação tem florestas de firme e de várzea, ecossistema cujas áreas alagadas servem como limitador “natural” para a expansão de áreas de pastagem em um nível que possa causar desequilíbrio no ecossistema.

Os meios de produção agropecuária praticados pelos ribeirinhos também seguem preceitos da . “Esse modelo preserva as relações entre os seres e também estimula que elas aconteçam de forma equilibrada”, explica a veterinária Paula Araújo.

Na agropecuária convencional, apenas os sintomas são tratados. “Se há algum problema acontecendo, é este que será tratado e se desconsideram outras relações que podem ter sido responsáveis pela causa”, diz Paula. “A agroecologia passa a observar o ambiente como um conjunto de relações, assim a gente consegue entender onde estamos falhando para ter esse olhar mais apurado.”
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O realizado pelo Programa de Manejo de Agroecossistemas (PMA) do Instituto Mamirauá, organização social fomentada pelo Ministério da , Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), visa fortalecer as práticas sustentáveis junto a comunitários e, ao mesmo , tornar a produção agropecuária uma fonte viável de renda para os envolvidos na atividade. “O nosso trabalho é valorizar o que eles fazem de positivo. No que pode ter um impacto negativo, a gente trabalha para, junto com eles, construir uma alternativa”, explica Paula.
Entre as ações, o grupo promove desde 2016 oficinas de manejo agroecológico de gado, embasada na metodologia proposta pelo Pastoreio Racional Voisin (PRV).
No modelo idealizado pelo pesquisador francês André Voisin, o gado fica em uma área delimitada até no máximo três dias. A defecação e a urina dos animais nesse período contribuem para reestruturação do solo. Posteriormente, os animais são transferidos para outra parcela, respeitando o período de descanso para recomposição do pasto e novo pastejamento. Com esse incremento de produção de pasto, reduz-se a demanda pela abertura de novas áreas na .
Conservação da biodiversidade
Os ribeirinhos também participam ativamente do processo de conservação da biodiversidade do ecossistema onde vivem.
Em análise, uma das questões apontadas pelos pesquisadores e técnicos do Instituto Mamirauá foi o baixo pH do solo, ou seja, o alto nível de acidez do mesmo. “O pH elevado é responsável pela disponibilidade de alguns nutrientes e fertilidade do solo. Se o solo é ácido, então como esse solo, depois de 15 anos de abertura de área, ainda consegue sustentar a pastagem? Pode ser um resultado do aporte intenso de matéria orgânica proveniente da floresta e das árvores que também compõem os campos de pastejo”, explica Jerusa.
“É a paisagem atuando naquele ambiente e o ser humano faz parte dela”, diz.
Os próprios criadores também passaram a entender que, sem o cuidado com a floresta, a produção não seria possível. Vivem em relações de dependência. “Se não respeitarem a paisagem em que estão inseridos e se não se preocuparem com a biodiversidade, amanhã isso vai ter consequência na própria produção”, afirma Paula.
Alta liquidez
O gado criado na Reserva Amanã é considerado importante pelos criadores porque a produção tem alta liquidez, ou seja, é vendida rapidamente e durante todo o ano, diferentemente de recursos nativos e sazonais, como o pescado.
“Serve como uma poupança, uma para a financeira dessas famílias caso surjam emergências e eventualidades”, afirma Paula.
Além disso, complementa Jerusa, a criação de gado na região também se tornou uma tradição. Grande parte das comunidades ribeirinhas da região do Médio Solimões foram formadas a partir de famílias advindas de outras regiões do Norte após o fim do ciclo da borracha. Trouxeram também cabeças de gado. “Provavelmente imaginavam que as opções de proteína na região não seriam muitas”, diz Jerusa.
Longe dos centros urbanos, as comunidades dependem da caça e da pesca para sobreviver. Neste contexto, o gado torna-se uma opção a mais de fonte de proteína.

Grandes desafios

Com grandes custos de produção e dificuldades logísticas para escoamento do produto, são poucas as famílias que encaram o desafio de criar gado na várzea amazônica. Atualmente, a Reserva Amanã conta com cerca de 600 cabeças de gado, entre bois e búfalos, criados por cerca de 25 famílias.
“Há também uma grande lacuna de conhecimento das características agronômicas sobre plantas nativas utilizadas pelos criadores em suas respectivas pastagens. Aos poucos vamos superando”, explica Paula.


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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