“Petra Costa já venceu”

“Petra Costa já venceu”

Do Brasil 247 – Em texto compartilhado pela jornalista Maria Lúcia Rangel no Facebook, o colunista do jornal O Estado de S.Paulo Sérgio Augusto afirma que, mesmo se Petra Costar não levar o Oscar, ela “já venceu”. A cineasta dirigiu o documentário Democracia em Vertigem, sobre o golpe contra Dilma Rousseff em 2016.

“Os elogios que Democracia em Vertigem recebeu e ainda recebe, aqui e no exterior, superaram amplamente as críticas e os insultos, muitos bem pesados e beirando a boçalidade, que nos últimos dias lhe foram dirigidos. Esse desequilíbrio a seu favor não conta voto na Academia de Hollywood, de resto já recolhidos àquela inviolável pasta da Price Waterhouse, a ser aberta amanhã à noite, mas gratifica o ego da diretora e lava a de seus apreciadores, entre os quais me incluo, mesmo fazendo-lhe algumas restrições”, diz ele.
Veja a íntegra do :
Sérgio Augusto escreve sobre Petra Costa e sua indicação ao Oscar: “Acusar Petra de difamar o Brasil lá fora é minimizar o que o presidente mais tem feito, inclusive de presente, desde que assumiu”.
Mesmo se não levar o Oscar, Petra Costa já venceu
Com a entrega dos Oscars já dobrando a esquina e a possibilidade, ainda que remota, de Democracia em Vertigem levar uma estatueta, a desinformação e a má-fé se deram as mãos e invadiram as mídias impressas e digitais, seu trottoir de eleição. A desinformação de quem ignora a elasticidade do gênero documentário e crê ingenuamente em sua mítica imparcialidade; a má-fé de quem se aproveitou do filme de Petra Costa para exorcizar seus demônios, vestir a carapuça de golpista ou isentão, que até hoje insistem em negar o que o primeiro beneficiário do golpe e um de seus artífices, Michel Temer, já admitiu ter ocorrido.

As modalidades esportivas mudaram, a metáfora ainda é a mesma.
Os elogios que Democracia em Vertigem recebeu e ainda recebe, aqui e no exterior, superaram amplamente as críticas e os insultos, muitos bem pesados e beirando a boçalidade, que nos últimos dias lhe foram dirigidos. Esse desequilíbrio a seu favor não conta voto na Academia de Hollywood, de resto já recolhidos àquela inviolável pasta da Price Waterhouse, a ser aberta amanhã à noite, mas gratifica o ego da diretora e lava a alma de seus apreciadores, entre os quais me incluo, mesmo fazendo-lhe algumas restrições.
Não existe filme imparcial, neutro, seja ele de ficção ou documentário. A verdade no , mais que uma utopia, é uma falácia. A angulação da tomada já é uma interferência no real, uma escolha subjetiva. Elementar, meu caro Watson Macedo.

Democracia em Vertigem poderia apresentar uma visão bolsonarista de nossa história recente; felizmente não o fez. Se o fizesse, a única academia que o consagraria seria a das Agulhas Negras, que, como se sabe, não premia filmes.
Não quero relativizar coisa alguma. Tirantes certos detalhes, a meu ver irrelevantes (procurem no Google o significado da expressão “catar pulga em leão”), o filme de Petra Costa reproduz na tela o essencial da escalada neofascista que há oito meses contemplamos com nojo e horror diariamente renovados. Ninguém nos contou, nós vimos e vivemos aquilo tudo. Está tudo gravado, documentado. E ainda fresco em nossa .
“Com seu fluir tranquilo, narrado por uma voz que nada tem de assertiva ou panfletária, o filme nos passa a sensação da inevitabilidade, de um monstro movido por inércia, que nada nem ninguém poderia deter ou tirar do seu rumo”, escreveu Luiz Zanin Oricchio, no Caderno 2 do Estadão, em junho passado. Se a voz não fosse da própria autora, desqualificá-la como “chatinha” seria apenas um juízo de valor, não uma objeção inoportuna, com viés de implicância.
A uma entrevista de Petra Costa na TV americana, serenamente contundente e sem qualquer acusação que não seja do conhecimento público, burocratas do governo, sicofantas de sua base parlamentar e o que sobrou dos bolsominions arrependidos desencadearam uma blitzkrieg digital com quase indistinta diferença entre os que gritavam “mata!” e os que gritavam “esfola!”.
Com uma hashtag sufixada com um “liar” (mentirosa, em inglês), Petra foi acusada de espalhar calúnias lá fora, de ser uma “militante anti-Brasil” e outras injúrias que são, notoriamente, uma especialidade de B*******ro. Marco Feliciano, um fariseu evangélico atolado em casos de e nostálgico da , chegou a pedir o enquadramento da cineasta na Lei de Segurança Nacional.
Quando o chefe da Secretaria de Comunicação do governo, Fábio Wajngarten, utilizando-se de um perfil oficial, sustentado, assim como ele, com os nossos impostos, soltou um vídeo abjeto e tuitou calúnias a respeito da entrevista, só os muito distraídos não se deram conta de que ele estava tentando, mais do que executar ordens, desviar a atenção das denúncias de corrupção, pelo MP, que ganharam destaque nos jornais do dia seguinte.
Acusar Petra de difamar o Brasil lá fora é minimizar o que o presidente mais tem feito, inclusive de corpo presente, desde que assumiu. Qualquer dano que ela e seu filme possam causar à reputação do país terá o mesmo efeito que teria um bombardeio da cidade alemã de Dresden pelas forças aliadas depois do dia 15 de fevereiro de 1945, quando ela já estava em ruínas. Ou um oitavo gol da Alemanha, na Copa de 2014.
Imaginem o que teriam feito com Petra Costa se ela tivesse repetido, literalmente, as litanias contra o brasileiro que, poucas horas depois, um telejornalista mais desacreditado que João de Deus regurgitou em seu canal no You Tube, na presença do presidente, que o endossou entusiasticamente e ainda repercutiu a afronta em sua rede social.
Alguém comparou o escarcéu de Wajngarten à retórica persecutória do governo Médici, que a todas as denúncias de torturas cometidas pela ditadura militar reagia com o mesmo bordão: Fulano “difama Brasil no exterior”. Fizeram isso com o bispo Dom Helder Câmara, entre outros. Petra Costa é a inimiga expiatória da vez.
Capa:  Foto Divulgação/Diego Bresani/Reuters

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247 abertamente impressionista sobre o Brasil de ontem e hoje virou saco de pancada da ultradireita, sobretudo desta, vilã insofismável do putsch parlamentar que derrubou Dilma Roussef desequilíbrio a seu favor não conta voto na Academia de Hollywood, de resto já recolhidos àquela inviolável pasta da Price Waterhouse, a ser aberta

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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