Carta aberta aos ministros do STF sobre as cotas para candidatos negros

aberta aos ministros do STF sobre as cotas para candidatos negros

Por Edson Santos

Senhores ministros, por meio dessa, respeitosamente faço chegar a vossas excelências algumas impressões compartilhadas pelos militantes da luta antirracista no , em particular pelos integrantes das organizações do movimento social negro. Falo sobre matéria que em breve será submetida ao vosso juízo, que versa sobre a aplicabilidade imediata de resolução do Tribunal Superior Eleitoral para implentar as cotas financeiras para candidatos negros em nosso sistema eleitoral.

É de conhecimento geral que a resolução tem por objetivo promover mudanças substanciais na composição da representação parlamentar no Brasil, hoje composta majoritariamente por brancos, a demonstrar a distorção do conceito de democracia representativa em um país no qual os negros formam a maioria da população. Medida que foi recebida com muita simpatia e, porque não dizer, entusiasmo por parte de todos que reconhecem no Brasil o déficit de representação negra em nossos parlamentos.

No entanto, como já era possível prever, não tardou a surgir uma oposição organizada, com argumentos frágeis e negacionistas, a esta medida fundamental para o avanço da democracia em nosso país. A principal linha de argumentação contrária está baseada na incapacidade de rápida adaptação do sistema político brasileiro, pois os partidos não estariam preparados para operacionalizar o que demanda a resolução. O que nos lembra, dentre outros exemplos semelhantes em nossa história, um episódio da luta abolicionista, quando os opositores da abolição da escravidão, liderados por João Maurício Wanderley, o Barão de Cotegipe, diziam que a brasileira não sobreviveria à libertação dos homens e escravizados. Alegação à qual acrescentavam que os libertos também não estariam preparados para sobreviver enquanto homens livres.

Teria dito o Barão, líder da bancada escravagista no Senado, às vésperas da aprovação da Lei Áurea:

“É sobremodo injusto, Exmo. Sr. a forma por que se quer chegar de improviso à libertação de todos os escravos deste Império, sem considerar bem a grande questão financeira que essa idéia se prende, nem atender para os múltiplos interesses a que ela profundamente afeta… Existe, porém, muito quem reflita sobre o futuro da para não querer que a questão do elemento servil seja resolvida sem prudência, sem critério, com sacrifício da fortuna particular e pública e, o que é mais ainda, com desvantagem para a própria ”.

Há exemplos mais recentes de como reagem aqueles que são contrários às chamadas medidas afirmativas, tomadas com o propósito de corrigir distorções raciais em nosso país. Após a fixação das cotas raciais nas instituições públicas de ensino médio e superior, e.g. – após longo e acalorado na sociedade, no e também no Poder Judiciário, por meio das audiências públicas realizadas pelo Supremo Tribunal Federal – seus opositores até hoje argumentam, embora a realidade os contradiga, que as universidades e escolas técnicas brasileiras não estavam preparadas para assimilar tal transformação no perfil de seus alunos. E, é claro, que os cotistas não teriam preparo educacional suficiente para acompanhar o “alto nível” do ensino nessas instituições.

Passa o , mudam os fatos, mas os argumentos são quase os mesmos.

Pelo exposto, senhores ministros, peço que ouçam as vozes que clamam contra o estrutural que marca nossa sociedade, para que o país possa dar mais este importante passo na superação do racismo. Nesse sentido, rogo a Vossas Excelências que ratifiquem no Plenário do Supremo Tribunal a medida cautelar, determinada pelo Ministro Ricardo Lewandowski, pela aplicabilidade das cotas financeiras para candidatos negros nas eleições municipais de 2020.

Respeitosa e cordialmente,

*Edson Santos – Ministro da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) entre 2008 e 2010.*

Fonte: WhatsApp

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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