Indaiá: Os campos de palmeiras do professor Ab’Sáber

INDAIÁ: OS CAMPOS DE PALMEIRAS DO PROFESSOR AB’SÁBER

Indaiá: Os campos de palmeiras do professor Ab’Sáber

Nos subsistemas que compõem o Sistema Biogeográfico do Cerrado, existiam diversos ambientes particularizados, endêmicos, que caracterizavam fisionomias próprias, singulares, do ponto de vista da flora e da geomorfologia.

Por Altair Sales Barbosa

Assim eram os Covais ou Campos de Murundus, no sudoeste de Goiás, atualmente reduzidos a pequenos remanescentes ou totalmente desconfigurados. Também no sudoeste de Goiás, existia uma profusão imensa de cupinzeiros, que formavam os Campos da Bioluminescência.

No local, atualmente existem grandes plantações, que caracterizam extensas áreas com monocultivos, e até uma grande cidade denominada Chapadão do Céu, ocupa a outrora área, dominada pelos cupinzeiros.

Entre esses ambientes particulares podem ser incluídas as intermináveis Campinas dos chapadões ocidentais da Bahia. Também as Campinas salpicadas de gramíneas do hoje denominado Setor Universitário, em Goiânia, Goiás. E, na mesma cidade, os Campos de Macambira, local ocupado essencialmente pelo Setor Pedro Ludovico.

Outro exemplo de singularidade ambiental era constituído pelo Mato Grosso Goiano, cuja fisionomia vegetal constituída por florestas subúmidas ombrófilas, associadas a um solo de alta fertilidade natural, se estendia desde as nascentes do rio Meia Ponte até a cidade de São Miguel do Araguaia, em Goiás.

Esse ambiente era tão marcante que, na antiga divisão geográfica de Goiás, constituía-se numa Microrregião Homogênea. Atualmente, apenas alguns relictos desse ambiente existem; ainda assim, também desconfigurados.

Entre o município de Alto Paraíso em Goiás e Aurora do Tocantins, existiam, em grandes concentrações, os Campos de Arnica, hoje reduzidos, devido ao extrativismo sem controle.

Outro exemplo de ambientes singulares expressivos eram os Mini- Pantanais, inclusive, ostentando o mesmo tipo de fauna que caracteriza o grande Pantanal Mato-Grossense. Esses pequenos pantanais estavam situados no município de Acreúna em Goiás, entre os rios Turvo e Verdão, e ocorriam também entre os municípios de Alvorada do Norte e Flores de Goiás, na vertente do rio Corrente que deságua no Paranã.

Desde 1972, percorri com o professor Ab’Sáber vários desses ambientes peculiares, para entendermos as particularidades do Cerrado, principalmente aquelas referentes aos eventos passados, que modelaram fisionomias geológicas, geomorfológicas e botânicas. No caso do professor Ab’Sáber, ele procurava complementar dados colhidos em viagens anteriores. Infelizmente, a maior parte desse material se encontra inédito.

Um desses ambientes que mais impressionava o professor Ab’Sáber era aquele denominado por ele de Campos de Indaiá, situado no sudoeste de Goiás.

Todavia, antes de comentar sobre esse ambiente, quero dedicar algumas palavras ao grande mestre, embora reconheça que sejam desnecessárias, mas não custa ressaltar.

O professor Aziz Nacib Ab’Sáber foi um dos mais lúcidos intelectuais brasileiros dos séculos XX e XXI, tinha um senso de observação apurado, comum aos grandes pesquisadores.

Tudo era observado dentro de uma visão de globalidade, que tinha sempre como parâmetros espaço e tempo, mas não se detinha somente nas paisagens. Era um crítico responsável e criterioso do sistema político brasileiro, dos modelos de universidades, das formas de ocupação do espaço, ocorridas ao longo do tempo, no território brasileiro.

Foi criador da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC – e esteve presente na reunião de Arqueologia, em Goiânia, em 1980, onde ajudou de forma decisiva na criação da Sociedade de Arqueologia Brasileira – SAB.

Os Campos de Indaiá ocupavam, de forma mais concentrada, o interflúvio entre os rios Doce e Claro, no município de Jataí, Goiás, onde ocorre uma certa mistura de rochas, de formações geológicas de idades diferenciadas, como os arenitos Botucatu e Bauru, intercalados com solos intemperizados da Formação Serra Geral.

Esta paisagem foi classificada por Ab’Sáber, quando da sua primeira viagem ao Centro-Oeste do Brasil, em 1946, acompanhado de Miguel Costa, em expedição patrocinada pela Fundação Brasil Central.

A fisionomia que caracteriza os Campos de Indaiá é uma paisagem geomorfológica ligeiramente plana, onde predomina de forma muito densa a ocorrência de tufos da palmeira campestre, conhecida pelo nome científico de Attalea geraensis.

Trata-se de uma palmeira, Família Arecaceae, com caule subterrâneo. As folhagens na forma de touceiras chegam a um metro de altura, acima da linha do solo, com copas de até três metros, que se sobressaem das vegetações herbáceas ali existentes. Sempre nas proximidades dos indaiás existe um cupinzeiro.

Era comum ver comunidades de tamanduás-bandeira (Myrmercophaga tridactyla) no local. Segundo depoimento oral do professor Horieste Gomes, a quantidade de perdiz existente no local era tanta, que motivava caravanas de caçadores provenientes de São Paulo, que chegavam até o local para caçar este animal aos montes. Após abatidos, eram preparados ali mesmo e conservados em latas de banha e, depois desse processo, seguiam para abastecer restaurantes de luxo, na capital paulista.

A última vez que pude visitar esses campos, juntamente com   o professor Ab’Sáber, foi em julho de 1975. Embora já modificado, o ambiente ainda mostrava certa singularidade e ainda observamos algumas famílias de tamanduás que ali sobreviviam.

Atualmente, este significativo ambiente não existe mais. No local só se veem plantações de canaviais e outras monoculturas. Parece que não, mas se penetrarmos além das aparências, logo constataremos os sinais dos desequilíbrios ambientais causados por essa situação.

Os escritos do professor Ab’Sáber estão por aí, nas bibliotecas, num livro, num arquivo etc. De certa forma sobreviveram. Quem sabe um dia teremos tecnologias e conhecimentos suficientes para vencermos as entropias ambientais que provocamos. Caso contrário, seguiremos os caminhos das incertezas, até quando pudermos.

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NOTA DA REDAÇÃO: Esta matéria saiu em nossa edição 78, publicada no mês passado. Sai de novo este mês porque erramos feio, muito feio, na diagramação. Embora o autor tenha nos enviado as fotos certas, por descuido, trocamos a palmeira indaiá-do-cerrado pela palmeira indaiá. Com sinceros pedidos de desculpas ao professor Altair Sales Barbosa, nosso parceiro de longa data, segue a linda palmeira indaiá-do-cerrado, com seus fartos cachos de cocos rente ao chão.

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p style=”text-align: justify;”>Altair Sales Barbosa – Doutor em Antropologia / Arqueologia. Sócio Titular do Instituto Histórico e Geográfico do Estado de Goiás. Pesquisador Convidado da UniEvangélica de Anápolis.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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