Tudo o que existe e vive precisa ser cuidado
“Tudo o que existe e vive precisa ser cuidado para continuar a existir e a viver: uma planta, um animal, uma criança, um idoso, o planeta Terra. Uma antiga fábula diz que a essência do ser humano reside no cuidado. O cuidado é mais fundamental do que a razão e a vontade. A ótica do cuidado funda uma nova ética, compreensível a todos e capaz de inspirar valores e atitudes fundamentais para a fase planetária da humanidade.”
Por Leonardo Boff
A sociedade contemporânea, chamada de sociedade do conhecimento e da comunicação, está criando, contraditoriamente, cada vez mais incomunicação e solidão entre as pessoas. A internet pode conectar-nos com milhões de pessoas sem precisarmos encontrar alguém.
Pode-se comprar, pagar as contas, trabalhar, pedir comida, assistir a um filme sem falar com ninguém. Para viajar, conhecer países, visitar pinacotecas não precisamos sair de casa. Tudo vem via online.
- A relação com a realidade concreta, com seus cheiros, cores, frios, calores, resistências e contradições é mediada pela imagem virtual que é somente imagem. O pé não sente mais o macio da grama verde.
A mão não pega mais um punhado de terra escura. O mundo virtual criou um novo habitat para o ser humano, caracterizado pelo encapulamento sobre si mesmo e pela falta do toque, do tato e do contato humano.
Essa antirrealidade afeta a vida humana afeta a vida humana naquilo que ela tem de mais fundamental: o cuidado e a com-paixão.
Mitos antigos e pensadores contemporâneos dos mais profundos nos ensinam que a essência humana não se encontra na inteligência, na liberdade ou na criatividade, mas basicamente no cuidado. O cuidado é, na verdade, o suporte real da criatividade, da liberdade e da inteligência.
No cuidado se encontra o “ethos” fundamental do humano. Quer dizer, no cuidado identificamos os princípios, os valores e as atitudes que fazem da vida um bem-viver e das ações um reto agir.
Leonardo Boff – Filósofo. Teólogo. Escritor. Excerto do livro Saber Cuidar. 18ª Edição. Editora Vozes. 2012.
Leonardo Boff nasceu em Concórdia, Santa Catarina, aos 14 de dezembro de 1938. É neto de imigrantes italianos da região do Veneto, vindos para o Rio Grande do Sul no final do século XIX. Fez seus estudos primários e secundários em Concórdia-SC, Rio Negro-PR e Agudos-SP.
Cursou Filosofia em Curitiba-PR e Teologia em Petrópolis-RJ. Doutorou-se em Teologia e Filosofia na Universidade de Munique-Alemanha, em 1970. Ingressou na Ordem dos Frades Menores, franciscanos, em 1959.
Durante 22 anos, foi professor de Teologia Sistemática e Ecumênica em Petrópolis, no Instituto Teológico Franciscano. Professor de Teologia e Espiritualidade em vários centros de estudo e universidades no Brasil e no exterior, além de professor visitante nas universidades de Lisboa (Portugal), Salamanca (Espanha), Harvard (EUA), Basel (Suíça) e Heidelberg (Alemanha).
Esteve presente nos inícios da reflexão que procura articular o discurso indignado frente à miséria e à marginalização com o discurso promissor da fé cristã gênese da conhecida Teologia da Libertação. Foi sempre um ardoroso defensor da causa dos Direitos Humanos, tendo ajudado a formular uma nova perspectiva dos Direitos Humanos a partir da América Latina, com “Direitos à Vida e aos meios de mantê-la com dignidade”.
É doutor honoris causa em Política pela universidade de Turim (Itália) e em Teologia pela universidade de Lund (Suécia), tendo ainda sido agraciado com vários prêmios no Brasil e no exterior, por causa de sua luta em favor dos fracos, dos oprimidos e marginalizados e dos Direitos Humanos.
De 1970 a 1985, participou do conselho editorial da Editora Vozes. Neste período, fez parte da coordenação da publicação da coleção “Teologia e Libertação” e da edição das obras completas de C. G. Jung.
Foi redator da Revista Eclesiástica Brasileira (1970-1984), da Revista de Cultura Vozes (1984-1992) e da Revista Internacional Concilium (1970-1995).
Em 1984, em razão de suas teses ligadas à Teologia da Libertação, apresentadas no livro “Igreja: Carisma e Poder”, foi submetido a um processo pela Sagrada Congregação para a Defesa das Fé, ex Santo Ofício, no Vaticano.
Em 1985, foi condenado a um ano de “silêncio obsequioso” e deposto de todas as suas funções editoriais e de magistério no campo religioso. Dada a pressão mundial sobre o Vaticano, a pena foi suspensa em 1986, podendo retomar algumas de suas atividades.
Em 1992, sendo de novo ameaçado com uma segunda punição pelas autoridades de Roma, renunciou às suas atividades de padre e se auto-promoveu ao estado leigo. “Mudou de trincheira para continuar a mesma luta”: continua como teólogo da libertação, escritor, professor e conferencista nos mais diferentes auditórios do Brasil e do estrangeiros, assessor de movimentos sociais de cunho popular libertador, como o Movimento dos Sem Terra e as comunidades eclesiais de base (CEB’s), entre outros.
Em 1993 prestou concurso e foi aprovado como professor de Ética, Filosofia da Religião e Ecologia na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
Em 8 de Dezembro de 2001 foi agraciado com o prêmio nobel alternativo em Estocolmo (Right Livelihood Award).
Atualmente vive no Jardim Araras, região campestre ecológica do município de Petrópolis-RJ e compartilha vida e sonhos com a educadora/lutadora pelos Direitos a partir de um novo paradigma ecológico, Marcia Maria Monteiro de Miranda. Tornou-se assim ‘pai por afinidade’ de uma filha e cinco filhos compartilhando as alegrias e dores da maternidade/paternidade responsável. Vive, acompanha e recria o desabrochar da vida nos “netos” Marina , Eduardo, Maira, Luca e Yuri.
É autor de mais de 60 livros nas áreas de Teologia, Espiritualidade, Filosofia, Antropologia e Mística. A maioria de sua obra está traduzida nos principais idiomas modernos.