Marias 1

Marias 1

Marias 1

Antes de me casar imaginava que tudo seria harmonioso, não via meus pais discutindo e a vida familiar era quase como uma propaganda da família feliz, acreditava que reproduziria aquele modelo no qual cresci…

Por Giselle Mathias

Não imaginava os sacrifícios feitos para manter aquela aparência dentro e fora de casa. As histórias dos casamentos pareciam quase perfeitas, me falavam sobre a importância da estabilidade, sobre um modelo familiar próximo ao divino, e as mulheres que conhecia faziam questão de alardear o quão maravilhosas eram suas relações. Depois que me casei percebi que as coisas não eram como me eram apresentadas, sei que existem relações matrimoniais boas, e que muitas são equilibradas e pode-se dizer até felizes. Mas, eu me sentia esquisita diante de tantas histórias de relações “perfeitas”, porque a minha não era tão formidável, me sentia deslocada, como se os problemas da vida a dois só fizessem parte do meu casamento, e passei a acreditar que a culpa era somente minha, era como se eu fosse a complicada, incompreensível e chata, e se havia turbulências; eu era a responsável e intolerante.

Demorei muito para entender o quanto disfarçamos e escondemos nossos incômodos e desilusões, estamos a todo o tempo tentando mostrar aos outros uma perfeição, uma felicidade constante que na verdade é inexistente. Na sociedade em que vivemos exige-se o sucesso absoluto, a felicidade suprema, a conquista através da concorrência, a aquisição de bens materiais supérfluos, onde apenas poucos chegarão ao topo. Essa forma e cultura na qual somos construídos nos retira ou nos faz esconder a nossa humanidade, o que realmente somos, ocultamos nossa essência e mostramos apenas a aparência requerida para que possamos fazer parte de algo tão superficial e vago quanto uma folha de papel em branco. 

Descobri após a separação que não era tão estranha assim, que eu apenas decidira respeitar a mim mesma e não aceitar mais viver a farsa daquela relação, resolvi dar uma oportunidade a vida. 

Nessa nova etapa conheci várias pessoas e as histórias sobre os casamentos mudaram; os discursos não eram mais sobre a quase perfeição da família, como tudo era resolvido facilmente, sem dores e dificuldades, o quanto joias, viagens e jantares amenizavam as desconfianças, inseguranças e acalmavam a ausência de conversas, cumplicidade, carinhos e sexo.

Contarei aqui a história de Maria A, uma mulher com mais de 60 anos, casada há 40, com filhos adultos e netos. Ela é jovial, alegre, comunicativa e adora dançar e se divertir. Assim nos conhecemos, em uma tarde de samba com amigos, com uma maravilhosa feijoada e caipirinha. Eu estava sentada na mesa conversando, enquanto ela dançava suavemente próximo a roda de samba, sua desenvoltura e prazer em remexer seu corpo eram visíveis. Comentamos o quanto era bela aquela imagem, que nos aparentava uma independência feminina, sem as preocupações em cumprir um padrão estabelecido, ou comportar-se como definido para sua idade, nos mostrava uma leveza que até nos causou inveja.

Os músicos foram fazer um intervalo e nesse instante Maria A  se aproximou de nossa mesa, disse que estava nos observando e achara nossa conversa animada e perguntou se poderia se juntar a nós, porque gostava de estar perto da alegria, sua energia vinha da vontade de viver e se entregar ao que se apresentava como prazeroso e divertido.

Na hora dissemos que sim, seu entusiasmo era contagiante. 

Conversávamos naquele momento sobre a relação de uma amiga, trocávamos nossa impressão sobre as atitudes e possíveis sentimentos que poderia haver entre os dois, riamos do quanto o comportamento daquele homem era similar, quase idêntico ao de tantos outros, e como esse padrão masculino é cansativo, mas que as mulheres ainda acreditam poder mudar com o tempo e sua disponibilidade para esses machos.

Maria A silenciosamente nos ouvia, quando nos interrompeu e disse que iria contar a sua história e qual foi o seu caminho para a libertação. Não julgo ou dou qualquer tipo de valor, acredito que cada ser humano busca para si o caminho que lhe convém, conforta e traz os prazeres e satisfações que busca.

Ela nos conta que conheceu seu marido ainda muito jovem, não fora a paixão da sua vida, mas havia sido ensinada que deveria se relacionar com quem gostasse mais dela do que ela dele, um ensinamento que também recebera de minha mãe, e como uma “boa” mulher casou-se com esse homem que tanto a desejava e amava. Acreditou que a relação seria boa, pois tinham muitas coisas em comum, gostavam de sair, de boa música, quando namoravam iam aos bailes, como ela disse, para dançarem, se divertiam juntos.

Veio o noivado e logo em seguida o casamento, os dois trabalhavam, ele dentista e ela professora primária; no começo a rotina não pesava tanto, eram só os dois construindo o ninho para a possível chegada de um filho, que viria quatro anos após o enlace matrimonial.

Tiveram três filhos, com a distância máxima de um ano e meio para cada um, sua carreira profissional ficou estagnada, cuidava dos filhos e da casa, apesar de sempre ter tido uma ou duas funcionárias em sua residência; o marido dedicava-se com exclusividade a sua profissão, as responsabilidades com os filhos se reduziam a uma troca de fraldas, um banho, e as brincadeira e um pouco de atenção aos finais de semana, mas sempre dissera que a ajudava na criação das crianças.


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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