O calendário agrícola do povo Kaxinawá
“Não se deve plantar em qualquer tempo os legumes do bai kuin, porque eles morrem, acabam, e a gente perde as sementes antigas.
É bom de plantar os legumes no tempo certo da floração do mato, pois cada legume tem seu tempo próprio.
Atsá, como chamamos a macaxeira, é bom de plantar quando o nishu (pau d´arco) está florando; tamá, que os cariús chamam de mudubim, é bom de plantar na floração do ashu (mulateiro).
Sheki kuin, como chamamos o milho massa, é bom de plantar quando shunu (samaúma) está florando; puá (inhame); cari (batata-doce); yubin (taioba); shapu (algodão) e nixi-barã (jerimum) quando seshun nimenarwá (cajazeira-braba) está florando na mata.
Yussu, um legume parecido com o feijão dos cariús, é bom de plantar quando a árvore de kashu (mulungu) está florando.“
Fonte: Texto extraído da Enciclopédia da Floresta – O Alto Juruá – Prática e Conhecimento das Populações, organizada por Manuela Carneiro da Cunha e Mauro Barbosa de Almeida. Companhia das Letras. 2002.
SOBRE O PAJÉ DO POVO HUNI KUIN
“Pajé dá e tira vida. Para virar pajé, vai sozinho para a mata e amarra o corpo todo com envira. Deita numa encruzilhada com os braços e as pernas abertos.
Primeiro vêm as borboletas da noite, os husu, elas cobrem seu corpo todinho. Vem os yuxin que comem os husu até chegar a tua cabeça. Aí você o abraça com força. Ele se transforma em murmuru, que tem espinho.
Se você tiver força e não solta, o murmuru vai se transformar em cobra que se enrola no teu corpo. Você aguenta, ele se transforma em onça. Você continua segurando.
E assim vai, até que você segura o nada. Você venceu a prova e daí fala, aí você explica que quer receber muka e ele te dá.”
Fonte: Texto do pajé Siã HuniKuin, que também atende pelo nome de branco de José Osair Sales.
O QUER DIZER HUNI KUI OU HUNI KUIN
Huni Kuῖ quer dizer que é o próprio povo, somos nós mesmos. Porque Huni é a denominação de ‘homem’, ‘gente’ e kuῖ quer dizer que é esse mesmo, é o verdadeiro. E a palavra Kaxinawa veio durante os contatos entre nós.
Os parentes sempre têm esse costume de ver alguém com aquela característica de roupa, de alimentação, de cultura, de língua – “Então se fazem isso é o povo tal” – aí eles deram esse nome Kaxinawa para nós. Kaxi é morcego, nawa é povo.
Tem duas versões dessa história. Imaginamos que nos deram esse nome porque o nosso povo comia os parentes mortos, não todo mundo, mas alguns. Então quem suga sangue, come carne, é morcego, é Kaxi.
E a outra versão é que em algum momento os Huni Kuῖ estavam matando morcego quando alguém de outro povo chegou e começou a fazer pergunta. Ele respondeu que estava matando morcego, kaxi, daí a pessoa entendeu que era o nome do povo e falou:
‘Então deve ser Kaxinawa’. Esse nome ficou como um registro, mas atualmente a gente tem falado que Kaxinawa é um nome pejorativo e que nós somos Huni Kuῖ.
Atualmente, no Brasil, o povo Huni Kuῖ tem uma população de cerca de 14 mil pessoas, divididas em 5 regiões ou municípios, 12 terras indígenas e 104 aldeias (FEPHAC, 2019). Existem Huni Kuῖ também no Peru, onde há uma população de cerca de 2419 pessoas.
Nessas 12 terras indígenas [Brasil] meus parentes estão trabalhando seus projetos da vida social Huni Kuĩ, pois entendemos que durante o contato tivemos muitas perdas no espaço físico, na cultura e na língua.
Fonte: CPI-Acre, Texto de Mana – Joaquim Paulo Adelino Kawinawá, Doutor em Linguística e professor Huni Huĩ.