Sobre a cura Ancestral e popular no Paraná

Cura ancestral e popular no Paraná

A cura Ancestral e popular no Paraná e os saberes tradicionais aplicados a tratamentos e prevenção de doenças sendo reconhecidos por lei. São benzedeiras(os), curadoras(es), costureiros(as) de rendiduras (dores musculares) ou machucaduras que possuem licença e foram regulamentados no Paraná. Estas pessoas também ganharam o livre acesso à coleta de medicinais nativas. 

O reconhecimento do ofício tradicional de cura ancestral e popular no interior do Paraná

Por Eduardo Sá
Edição Viviane Brochardt

O município de Rebouças, no interior do Paraná, reconhece oficialmente, desde 2010, os saberes tradicionais aplicados a tratamentos e prevenção de doenças. A Lei nº 1.401/2010, conhecida como a “Lei das Benzedeiras”, institucionalizou o trabalho de benzedeiras (os), curadoras (es), costureiros (as) de rendiduras (dores musculares) ou machucaduras e regulamentou o livre acesso à coleta de plantas medicinais nativas. Trata-se de mais uma iniciativa identificada pela campanha  nas Eleições, da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), que acontece em todo país.

Desde 2004, um grupo formado por benzedeiras (os) de alguns municípios da região se mobilizou para tirar suas práticas ancestrais da invisibilidade e quebrar preconceitos. Realizou o I Encontro de Benzedeiras do Centro-Sul do Paraná e formou o Movimento Aprendizes da Sabedoria (MASA). Isso fortaleceu a reivindicação dos seus direitos, assumindo cada vez mais espaços políticos e pautando as práticas tradicionais de cura com recursos naturais de forma sustentável. Nestes dez anos, muitos encontros e cursos, dentre outras atividades, ocorreram na região. Essa articulação gerou legislações em mais dois municípios (São João do Triunfo e Irati), além da lei estadual, que declara o ofício como Histórico Imaterial do Estado do Paraná.

Apesar do reconhecimento formal, a luta das benzedeiras está em construção. Mesmo recebendo apoio de prefeituras e o reconhecimento da sociedade civil e do governo do estado, as práticas tradicionais ainda não estão implementadas no sistema público de saúde municipal de Rebouças. Entre os entrevistados, alguns percebem que muitos obstáculos podem ser atribuídos ao poder dos grandes laboratórios e da indústria farmacêutica, que dominam o mercado, além do ceticismo de médicos e preconceitos religiosos por parte de algumas igrejas.

Principal liderança do MASA por mais de uma década, dona Agda Andrade, de 75 anos, moradora de Rebouças, é benzedeira desde e aprendeu tudo com seu pai, que já era curador no início do século passado. Ela assumiu, em 2014, uma cadeira no Conselho Estadual de Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais do Paraná, onde atuou até 2019. Atualmente, acompanha as atividades do Movimento, sobretudo os encontros de trocas de experiências. Na sua opinião, após a lei municipal e a criação das carteirinhas, as pessoas perderam o medo de se afirmarem como benzedeiras e, embora a prefeitura ainda não tenha adotado no sistema público os  remédios feitos com ervas, tem apoiado muito na realização dos encontros, que são fundamentais.

“A prefeitura ajuda com os transportes e a realização dos cursos. A gente ensina os remédios caseiros, porque tem coisa que não é do médico curar. São coisas físicas, mas também espirituais, que precisam de um chá ou uma oração, simpatias etc. Nos encontros, ensinamos as pessoas, mostramos as ervas, seus cheiros, como usá-las. Temos que buscar produtos sadios e frescos nos matões onde não tem veneno. Antigamente, as pessoas tinham medo de ser presas. Hoje, tem reportagem em todo lugar sobre o assunto”, afirmou.

Práticas em Saúde Popular

Atualmente, existem 37 agentes registrados na Secretaria Municipal de Saúde (SMS), que emite um certificado e uma carteirinha para cada detentor de Ofícios Tradicionais de Saúde Popular. A partir de uma Carta de Autodefinição, os agentes manifestam qual o seu conhecimento relativo às práticas tradicionais que dominam. A lei também garante que as de uso medicinal são de livre acesso e uso comum das pessoas que desejam realizar tratamentos medicinais, desde que orientadas por detentores de “ofícios tradicionais” reconhecidos pelo poder público municipal, sempre observando o uso sustentável e a conservação ambiental.

Benzedeiras 2

Encontro das benzedeiras da região centro-sul do Paraná. Foto: MASA

De acordo com Adriane de Andrade, doutoranda em Geografia pela Federal do Paraná (UFPR) e pesquisadora que acompanha o movimento desde  2015, a institucionalização do ofício através de leis municipais e estadual foi resultado de um intenso trabalho de articulação política que iniciou, ainda em 2003, junto com a luta dos faxinalenses (povos tradicionais do Paraná caracterizados pelo uso comum da terra para produção animal, plantio e extrativismo). Devido ao pioneirismo do MASA, a luta ganhou bastante visibilidade e recebeu prêmios, impulsionando projetos e outras atividades do Movimento.

“Até 2018, foram mapeadas 484 pessoas detentoras desses saberes nos três municípios onde a lei existe. Sabemos que a conquista das leis não é garantia de direitos e que essa luta pelo reconhecimento é constante. A lei existe, o reconhecimento é feito através de carteirinha de identificação e de um certificado de reconhecimento expedido pela prefeitura, mas não existe uma efetivação na implantação delas enquanto agente populares de saúde junto ao SUS, conforme consta na lei para serem um instrumento complementar de terapia”, explicou.

Em Rebouças, foi criado o Viveiro de Mudas Medicinais, que fornece as plantas de forma gratuita para as benzedeiras produzirem seus remédios, chás, emplastros. Com a pandemia, foi interrompida a realização de oficinas nas escolas em parceria com a Secretaria de Educação. Outra grande conquista foi a destinação de uma das áreas verdes da cidade para criação do Parque Municipal João Maria. Trata-se de um lugar sagrado para elas pela existência de uma nascente, onde batizados são realizados e a água é utilizada para cura de vários males.  Em Irati, município vizinho, em 2018 foi inaugurada a Casa de Rezas, utilizada para reuniões e para a realização de festas tradicionais do catolicismo popular, como a Romaria de São Gonçalo. Tudo isso mostra a importância do trabalho destas anciãs, que, estão, muitas vezes, escondidas por causa do medo de perseguição, dos preconceitos e da desvalorização dos seus trabalhos. Elas são fundamentais para manter a comunalidade nos territórios e são também grandes referências, lideranças nos locais onde atuam e, muitas vezes, são as bezendeiras que protagonizam a luta por territórios de vida (água, plantas, natureza, saúde).

Procuradas para fornecer mais informações sobre o trabalho das benzedeiras em Rebouças, a prefeitura e a Secretaria Municipal de Saúde não se manifestaram sobre o assunto devido ao período eleitoral.

Fonte: midianinja.org

 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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