disputa eleitoral

A disputa eleitoral continuará sendo desigual, beneficiando os de sempre

Eleições de 2018 e o financiamento de campanhas

Homero de Oliveira Costa
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(Imagem: Google)

Para o articulista, é remota a possibilidade do Congresso Nacional fazer uma reforma política que possa acabar com as graves distorções do sistema eleitoral e partidário do Brasil

No artigo “Financiamento de campanhas no Brasil e propostas de reformas” o cientista político norte-americano David Samuels analisa os custos das campanhas eleitorais no Brasil, comparando-as com a de outros países e constata que ela é uma das campanhas mais caras do mundo. Que fatores são responsáveis ou contribuem para isso? Para ele, os mais importantes são os incentivos do sistema eleitoral (representação proporcional de listas abertas) que incentiva a individualização das campanhas e que as eleições são competitivas e partidos fracos em termos de organização “Sob tais regras, os candidatos têm de competir com seus partidários e com os candidatos de outros partidos, e, portanto não podem apelar aos eleitores com uma base coletiva. (Suffragium – Rev. do Trib. Reg. Eleit. do Ce, Fortaleza, v.3.n.4, p.1-172 jan/jun.2007).

O artigo foi publicado em 2007. Desde então, houve muitas discussões, dentro e fora do Congresso Nacional e muitos projetos tratando sobre o tema. No Congresso, não conseguiu ser votado, especialmente os que defendiam o financiamento público exclusivo e só em 2015 foi aprovada uma lei, a n.13.165/15 no que ficou conhecida como Reforma Eleitoral, que alterou as regras de financiamento das campanhas eleitorais.

As regras deveriam valer para as eleições municipais de 2016 e estabelecia que as campanhas devessem ser financiadas exclusivamente por doações de pessoas físicas e pelos recursos do Fundo Partidário, embora mesmo antes da sua aprovação no Congresso, o STF já havia decidido pela inconstitucionalidade das doações de empresas a partidos e candidatos.

Até então, havia o financiamento misto, ou seja, em parte público, através do Fundo Partidário e em parte, privado, tanto de pessoas físicas como jurídicas. O fundo partidário era distribuído entre os partidos de duas formas: 5% dos recursos eram divididos igualmente entre todos os partidos e 95% divididos proporcionalmente, de acordo com a quantidade de votos que cada partido obteve para a Câmara dos Deputados nas eleições gerais de 2014.

Os dados disponibilizados pela Justiça Eleitoral (Caixa Um) mostram que a maior parte do financiamento das campanhas eleitorais era privada, especialmente de empresas, limitada a 2% do faturamento bruto anual. Antes da reforma, tanto pessoas físicas quanto pessoas jurídicas podiam fazer as doações. Os beneficiários tanto poderia ser o candidato, quanto o partido político, que transferia o recurso para os candidatos.

Para pessoas físicas, só podiam doar até 10% do seu rendimento bruto do ano anterior ao da campanha. Além de doações em dinheiro, pessoas físicas poderiam doar bens e o limite passou de 50 mil para 80 mil reais. Candidatos podiam fazer doações para outros candidatos e partidos e também utilizar recursos próprios, sendo que os valores não podiam extrapolar os gastos da campanha. Doações ocultas ou não identificadas ficaram proibidas, assim como as doações por parte de entidade ou governo estrangeiro, órgão da administração pública direta ou indireta, entidade de classe ou sindical, entidades beneficentes e religiosas, entidades esportivas e organizações não governamentais que recebessem recursos públicos.

No dia 18 de dezembro de 2017, o Plenário do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aprovou dez resoluções sobre as regras das Eleições Gerais de 2018: calendário eleitoral; atos preparatórios para a eleição; auditoria e fiscalização para as eleições; cronograma operacional do cadastro eleitoral; pesquisas eleitorais; escolha e registro de candidatos; propaganda eleitoral, uso e geração do horário gratuito e condutas ilícitas em campanha eleitoral; representações, reclamações e pedidos de direito de resposta; arrecadação e gastos de recursos por partidos políticos e candidatos e prestação de contas e modelos de lacres de segurança para urnas e envelopes.

Em relação a financiamento e gastos de campanhas, trata de limites (Tetos de Gastos) das despesas de campanha dos candidatos a presidente da República, governador, senador, deputado federal e deputado estadual ou distrital. Para presidente da República, o teto é de R$ 70 milhões no primeiro turno e de R$ 35 milhões no segundo turno. Para governador o limite pode variar de acordo com a quantidade de eleitores do estado (entre R$ 2,8 milhões a R$ 21 milhões), para senadores entre R$ 2,5 milhões e R$ 5,6 milhões, também de acordo com o eleitorado estadual, para deputado federal o limite é de R$ 2,5 milhões e para deputados estaduais e distritais, R$ 1 milhão.

Estabelece ainda que somente pessoas físicas possam fazer doações eleitorais dentro das mesmas regras das eleições anteriores, ou seja, até o limite de 10% dos seus rendimentos brutos verificados no ano anterior à eleição.

Uma das novidades é a permissão do uso de financiamento coletivo (crowdfunding), a chamada “vaquinha”, para arrecadar recursos de campanha, a partir de 15 de maio do ano eleitoral, e as entidades arrecadadoras terão de fazer cadastro na Justiça Eleitoral e devem divulgar lista de doadores e quantias doadas. Para o TSE “A liberação dos recursos pelas entidades arrecadadoras fica condicionada à apresentação do registro de candidatura. Caso não sejam apresentados, os recursos arrecadados devem ser devolvidos aos seus respectivos doadores.”

No dia 24 de maio de 2018, o Plenário do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aprovou por unanimidade a resolução que fixa os procedimentos administrativos para a gestão e distribuição do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC). Aprovado pelo Congresso Nacional em 2017, o chamado “Fundo Eleitoral” são recursos que serão utilizados pelos partidos políticos para financiar as campanhas eleitorais. Com o veto das doações de empresas privadas, o FEFC tornou-se uma das principais fontes de receita para a realização das campanhas. Nas eleições de 2018, aproximadamente R$ 1,7 bilhão será distribuído aos 35 partidos com registro no TSE.

De acordo com as normas, o valor será transferido em parcela única aos diretórios nacionais dos partidos, que só terão acesso aos recursos após definir os termos em que se dará a divisão do Fundo para os candidatos. Os recursos serão distribuídos da seguinte forma: 48% entre os partidos, de acordo com a proporção de representantes na Câmara dos Deputados em 28 de agosto de 2017, 35% entre os parti dos com pelo menos um representante eleito na Câmara dos Deputados (eleição 2014), 15% entre os partidos, de acordo com a proporção de senadores em 28 de agosto de 2017 e 2% divididos igualmente entre os 35 partidos.

Umas das novidades é a utilização do chamado crowfunding (financiamento coletivo).  Pela legislação eleitoral, desde 15 de maio, os partidos já poderiam realizar campanhas para a arrecadação de fundos, mas só poderão utilizar após o dia 15 de agosto, quando oficialmente começa a campanha eleitoral.  As doações devem ser feitas através de plataformas registradas junto à Justiça Eleitoral e devem obedecer aos limites estabelecidos em lei.

Um dos aspectos positivos da aprovação das Resoluções do TSE é a possibilidade de diminuir a influência do poder econômico nas eleições, democratizar a disputa eleitoral e assim evitar a perpetuação dos que já exercem mandatos ou privilegiar os candidatos com mais recursos (há uma relação estreita entre êxito eleitoral e recursos de campanhas).

Ocorre que o financiamento privado permanece, ou seja, pessoas físicas podem doar para partidos e candidatos, segundo os limites determinadas por lei, no entanto, os candidatos com mais recursos pessoais podem se autofinanciar ou conseguir recursos através de doações e que serão os grandes beneficiados, além da possibilidade de ter recursos do Fundo Partidário e do Fundo Especial. A lei não estabelece limites e, portanto um (a) candidato (a) com alto poder aquisitivo poderá não apenas financiar a totalidade dos gastos na campanha eleitoral, com ainda ter recursos de doações de pessoas físicas e públicos, continuando desigual a disputa eleitoral.

Outro aspecto é quanto à distribuição dos recursos do Fundo Especial. Enquanto somente 2% do valor serão distribuídos de forma igualitária entre as 35 legendas partidárias, o restante obedecerá à proporção de representantes eleitos no Congresso Nacional. Pelas regras, 13 partidos receberão menos de 1%.

A distribuição do fundo segue a lógica da distribuição do tempo de rádio e TV: o tamanho da bancada. Nesse sentido, privilegia os partidos que tem maiores bancadas, colocando-os em vantagem na disputa eleitoral.

O fato é que, mesmo considerando todos os avanços da legislação para tornar o processo eleitoral mais eficaz, transparente e democrático, todos os esforços e leis, etc., a disputa eleitoral continuará sendo desigual, beneficiando os que têm mais recursos e também não se conseguirá provavelmente inibir e muito menos acabar com o chamado caixa dois. Que mecanismos eficazes a Justiça Eleitoral dispõe para coibir? Para David Samuels, no citado artigo, “O sistema atual também faz muito pouco para desencorajar o uso do caixa dois” e alude ao fato de uma reforma política ou “reformas políticas viáveis” poderiam ser usadas para reduzir a corrupção no financiamento de campanha. O problema é justamente este: a possibilidade do Congresso Nacional fazer uma reforma política ampla que possa acabar, não apenas com o caixa dois, com também as inúmeras e graves distorções do sistema eleitoral e partidário do Brasil é remota e nada parece indicar que haverá uma mudança substancial na composição do Congresso Nacional nas eleições de outubro que possa aprovar uma ampla reforma política.

ANOTA AÍ

Homero de Oliveira Costa é Professor Titular (Ciência Política) do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Fonte: Nossa Ciência

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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