A Guerra na Ucrânia: Uma Análise Multifacetada dos Ganhos, Perdas e Estratégias Globais
O conflito na Ucrânia, iniciado em 2014 e intensificado em 2022, transcende as fronteiras de uma mera disputa territorial. Como observou o filósofo grego Heráclito, “A guerra é o pai de todas as coisas” (Fragmentos, DK B53), e este conflito tem, de fato, sido o catalisador de mudanças profundas na ordem global. Este artigo analisa os complexos desdobramentos geopolíticos, econômicos e estratégicos da guerra, explorando os ganhos e perdas das principais potências envolvidas.
Por Pedro Henrichs
Estados Unidos: Liderança Renovada e Desafios
Ganhos Estratégicos:
- Fortalecimento da OTAN
- A adesão da Finlândia e da Suécia à OTAN representa uma vitória estratégica significativa para os EUA.
- Expansão da influência militar americana mais próxima às fronteiras russas.
- Dominância no mercado energético europeu
- Aumento expressivo das exportações de GNL para a Europa.
- Redução da dependência europeia do gás russo, fortalecendo laços transatlânticos.
- Enfraquecimento econômico da Rússia
- Sanções abrangentes limitando o acesso russo a tecnologias e mercados ocidentais.
- Redirecionamento do comércio europeu para longe da Rússia.
- Potencial acesso a recursos estratégicos
- Interesse nas reservas de terras raras da Ucrânia, cruciais para tecnologias avançadas.
O Presidente Dwight D. Eisenhower uma vez disse: “A história não perdoa aqueles que, em tempos de crise moral, falham em se posicionar” (Discurso de Despedida, 1961). Os EUA parecem ter abraçado este princípio em sua resposta à crise ucraniana.
Desafios:
- Custos econômicos e militares
- Gastos significativos em ajuda militar e econômica à Ucrânia.
- Potencial fadiga do apoio público doméstico a longo prazo.
- Risco de escalada do conflito
- Possibilidade de envolvimento direto em um conflito com uma potência nuclear.
- Aceleração da formação de blocos econômicos alternativos
- Fortalecimento das relações Rússia-China-Índia como contrapeso ao Ocidente.
Rússia: Perdas Imediatas e Potenciais Ganhos a Longo Prazo
Perdas:
- Isolamento econômico do Ocidente
- Perda significativa do mercado europeu para energia e outros produtos.
- Acesso limitado a tecnologias e mercados financeiros ocidentais.
- Custos militares e humanos
- Perdas significativas em equipamentos e pessoal militar.
- Impacto na moral pública e possível instabilidade interna.
- Expansão da OTAN
- Adesão da Finlândia e Suécia, aumentando a presença da OTAN próxima às fronteiras russas.
Potenciais Ganhos:
- Controle de recursos estratégicos
- Acesso a reservas de terras raras nas áreas ocupadas da Ucrânia.
- Expansão territorial, incluindo regiões industriais e agrícolas importantes.
- Reorientação econômica
- Fortalecimento das relações comerciais com China, Índia e outros países não-ocidentais.
- Desenvolvimento de alternativas aos sistemas financeiros e tecnológicos ocidentais.
- Afirmação como potência desafiadora da ordem global liderada pelos EUA
- Posicionamento como líder de um bloco alternativo ao Ocidente.
O líder soviético Nikita Khrushchev uma vez declarou: “Nós vos enterraremos” (Discurso na Embaixada Polonesa, 1956). Embora o contexto seja diferente, a Rússia atual parece determinada a desafiar a ordem global liderada pelo Ocidente.
Europa: Entre a Dependência e a Autonomia
Ganhos:
- Diversificação energética
- Redução da dependência do gás russo, embora a custos mais elevados.
- Aceleração da transição para energias renováveis.
- Fortalecimento da unidade política
- Maior coesão na política externa e de defesa da UE.
Perdas:
- Custos econômicos
- Aumento dos preços de energia e inflação.
- Disrupção das cadeias de suprimentos e comércio com a Rússia.
- Dependência estratégica
- Maior dependência dos EUA para segurança e energia.
- Instabilidade geopolítica
Jean Monnet, um dos fundadores da União Europeia, disse: “A Europa será forjada em crises e será a soma das soluções adotadas para essas crises” (Memórias, 1976). A crise ucraniana está testando esta visão.
China: O Observador Estratégico
Ganhos:
- Acesso a energia russa com desconto
- Aumento significativo das importações de petróleo e gás russos a preços favoráveis.
- Fortalecimento da parceria estratégica com a Rússia
- Expansão da cooperação econômica e militar.
- Oportunidade de se posicionar como mediador global
Desafios:
- Equilíbrio delicado
- Necessidade de manter relações econômicas com o Ocidente enquanto apoia a Rússia.
- Risco de sanções secundárias
- Possibilidade de enfrentar restrições ocidentais por apoiar a Rússia.
Deng Xiaoping, arquiteto da China moderna, aconselhou: “Observe calmamente; assegure nossa posição; lide com os assuntos com calma; esconda nossas capacidades e aguarde o momento certo; seja bom em manter um perfil baixo; nunca reivindique liderança” (Diretrizes de Política Externa, 1990). A China parece seguir esta estratégia em relação à crise ucraniana.
Índia: O Pragmatismo em Ação
Ganhos:
- Acesso a energia russa com desconto
- Aumento significativo das importações de petróleo russo.
- Expansão do mercado para produtos refinados
- Aumento das exportações de petróleo refinado para a Europa.
Desafios:
- Equilíbrio diplomático
- Manutenção de relações com EUA e Rússia simultaneamente.
- Dependência de insumos farmacêuticos
- Necessidade de diversificar fontes de IFAs além da China.
O primeiro-ministro Jawaharlal Nehru declarou: “Não podemos ser aprisionados pelo passado” (Discurso na Assembleia Constituinte, 1947). A Índia moderna parece adotar esta filosofia em sua abordagem pragmática à crise.
Países Jogando em Dupla Face
- Turquia
- Membro da OTAN, mas mantém relações econômicas significativas com a Rússia.
- Mediador no acordo de grãos do Mar Negro.
- Emirados Árabes Unidos
- Aliado dos EUA, mas aumentou o comércio com a Rússia, incluindo ouro e outros metais preciosos.
- Arábia Saudita
- Parceiro histórico dos EUA, mas coordena com a Rússia na OPEP+ para controle dos preços do petróleo.
- Israel
- Aliado próximo dos EUA, mas mantém relações pragmáticas com a Rússia, especialmente em relação à Síria.
- Brasil
- Membro dos BRICS, aumentou importações de fertilizantes russos, mas mantém posição de neutralidade no conflito.
Conclusão: Um Mundo em Transformação
A guerra na Ucrânia catalisou mudanças significativas na ordem global, acelerando tendências que já estavam em curso Como observou o historiador Arnold Toynbee, “As civilizações morrem de suicídio, não de assassinato” (Um Estudo da História, 1934-1961). O conflito expôs as vulnerabilidades das interdependências globais e está redefinindo alianças e blocos econômicos.
Os EUA, embora tenham alcançado ganhos estratégicos significativos, enfrentam o desafio de manter sua liderança global em um mundo cada vez mais multipolar. A Rússia, apesar das perdas imediatas, pode emergir com novas parcerias estratégicas e um papel reforçado em um bloco alternativo ao Ocidente.
A Europa se encontra em uma encruzilhada, buscando equilibrar sua segurança e autonomia estratégica. China e Índia emergem como atores cada vez mais influentes, navegando habilmente entre as tensões globais para maximizar seus interesses.
O conflito também destacou a importância crítica dos recursos naturais, especialmente terras raras e energia, na geopolítica moderna. O controle desses recursos pode moldar alianças e conflitos futuros.
Por fim, a guerra na Ucrânia serve como um lembrete sombrio dos custos humanos e econômicos dos conflitos geopolíticos. Enquanto as grandes potências manobram por vantagens estratégicas, são frequentemente os países menores e as populações civis que arcam com o maior fardo.
À medida que o mundo se adapta a esta nova realidade, as palavras do filósofo Immanuel Kant ressoam: “A paz perpétua é o fim último de todo o direito das gentes” (A Paz Perpétua, 1795). O caminho para esta paz, no entanto, parece mais complexo e desafiador do que nunca.
Pedro Henrichs é Mestrando em Relações Internacionais no idp (Instituto Brasileiro de ensino Desenvolvimento e Pesquisa), Gestor Público , CEO da Henrichs Consultoria , Sec. Executivo Regenera Brasil , Ex-presidente do Fórum de Juventude dos BRICS e Observador eleitoral há 14 anos, 18 países na América, 4 países na Europa, 1 na África, e 3 na Ásia.